Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Será possível ajudarem-me a determinar a origem do meu apelido?

Obrigado.

Resposta:

Sobre a origem do apelido Parreirão, só conheço o que diz José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa:

«Ant[iga] alc[unha]. Aument[ativo] de parreira? Do s.m. parreirão, no Alentejo, "mesa côncava em plano inclinado e terminada em goteira, para o fabrico de queijo de ovelha"?»

Pergunta:

Gostaria de saber o que significa «mau luto», expressão que surge num texto sobre o Douro, do qual transcrevo a parte em questão:

«(...) e o discurso sobre a paisagem pode transformar-se rapidamente num manifesto sobre a perda e a injúria. Num instante, voltam as imagens poderosas de Biel ou de Alvão, para que, a preto e branco, volte a paz e a quietude das paisagens extraordinárias, ou regresse o mau luto pelo suposto perdido.»

Resposta:

A expressão «mau luto» parece enquadrar-se na linguagem da psicanálise. Nas abordagens psicanalíticas, fala-se em trabalho do luto como «processo psíquico pelo qual um indivíduo, após ter perdido um objeto de seu afeto, consegue gradualmente desapegar-se dele» (Dicionário Houaiss). Considero, portanto, que é disso que se trata: a paisagem é construída por imagens afetivamente investidas, relacionadas com a idealização de um passado real ou imaginário (simbolizado pelo «preto e branco» de certas fotografias antigas), a qual é compensação ou refúgio de um presente percebido como deprimente; o resultado pode ser um «mau luto», isto é, a intensificação de um sentimento de perda, sem horizonte de autonomia futura.

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem acerca das diferenças linguísticas das seguintes expressões: «criança ao colo» e «criança de colo»

Faço-vos este pedido para poder fundamentar uma reclamação por, num determinado estabelecimento comercial, se terem recusado a atender-me como prioritário, quando levava comigo o meu filho de 2 meses.

Alegaram que, como ele estava no seu carrinho, não se tratava de um caso prioritário.

Ora, a lei é explicita quando refere que o atendimento prioritário se destina a pessoas com crianças "de" colo, e não crianças "ao" colo.

Poderão ajudar-me a dar a distinção dos diferentes significados destas expressões?

Sem outro assunto, agradeço desde já a disponibilidade.

Resposta:

Em português europeu, é verdade que uma «criança de colo» tanto pode estar ao colo como numa cadeirinha, como ainda num berço, porque não consegue andar. Se a lei der prioridade a clientes com crianças de colo, depreende-se que tanto faz que eles as transportem entre os braços ou as sentem/deitem num carrinho de bebé. Uma «criança de colo» não é, portanto, equivalente a uma «criança ao colo»: esta pode eventualmente andar, porque já tem 2, 3 ou 4 anos, mas alguém a carrega nos braços; aquela não anda, porque tem meses e não possui a força e o controlo motor necessários para caminhar. Em suma, uma «criança ao colo» pode não ser uma «criança de colo».

Pergunta:

Gostaria de saber se as palavras navegação, navegante, navegador, navegável podem ser consideradas da família de nave (veículo espacial) e ainda se as palavras pegada, pedestre, apear, pedicuro são palavras da família de .

Obrigada.

Resposta:

Nave

A palavra não significa necessariamente «veículo espacial», porque já antes das viagens ao espaço se aplicava a uma embarcação. Historicamente, navegar remonta ao latim navigo, as, are, avi, atum, «percorrer o mar ou qualquer superfície líquida e mesmo o espaço aéreo em uma nave», verbo formado por navis, «nave, embarcação», e ig, de ag-, raiz do verbo agere (Dicionário Houaiss). Do verbo navegar, formaram-se navegante, navegador, navegável. Todas estas palavras fazem, portanto, parte da família de nave.

As palavras pegada, pedestre, apear, pedicuro ligam-se histórica e morfologicamente a e são, por isso, da mesma família de palavras. Pegada (com e aberto na primeira sílaba) evoluiu de pedicata, derivado de pes, pedis, «pé» em latim. Pedestre vem do latim pedestris, «que vai a pé», também derivado de pes, pedis. Apear é verbo formado de por parassíntese

Pergunta:

Gostaria de saber se podemos utilizar o termo "telia", para nos referirmos à função. Desdobrando o termo autotelia, obtemos os termos "auto" + "telia"; este último diz respeito à função de qualquer coisa (suponho). Será portanto correcto dizermos, sobre um determinado assunto, que qualquer coisa tem uma determinada "telia"? Se sim, devemos usar aspas no termo?

Muito obrigado pela vossa resposta.

Resposta:

Segundo o Dicionário Houaiss, autotelia signifca «propriedade de quem determina por si mesmo a finalidade dos próprios atos». Contudo, como palavra autónoma, não encontro dicionarizado o termo "telia", formado pelo antepositivo telo-, do grego télos,eos-ous, «fim, resultado, conclusão», e -ia, sufixo também de origem grega usado na formação de substantivos. A verificar-se a ocorrência de "telia", suponho que tenha uso especializado, pelo que deve assinalar-se como neologismo no começo de certo tipo de textos. Assim, no contexto de uma monografia, um ensaio ou um artigo científico, depois de devidamente justificado, o termo poderá ser usado sem aspas.