Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Desejava saber se se diz «fossas assépticas», ou «fossas sépticas» (esgotos).

Obrigada.

Resposta:

Diz-se fossa séptica.

Uma fossa séptica é «aquela em que a matéria orgânica é filtrada e transformada em substâncias minerais por acção da fermentação provocada por microrganismos» (cf. fossa no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa).

Nas páginas das Águas do Douro e do Paiva (Grupo Águas de Portugal), é também fossa séptica a expressão registada num glossário, que a define assim:

Fossa séptica — Um tanque de armazenamento subterrâneo de resíduos domésticos que não está ligado a um sistema de canalização. Os resíduos vão directamente das casas para a fossa. Depois são retiradas para serem filtradas e tratadas quando não existem ligações a ETAR.

Pergunta:

Gostaria de saber se é aceitável o uso do que depois de talvez em frases do género:

«Talvez que o tempo melhore amanhã.»

Obrigada!

Resposta:

Sem ser de rejeitar totalmente talvez que, aconselha-se a omissão de que. A norma mais purista desaconselha talvez que. Contudo, nem todos os gramáticos prescritivistas concordam com esta posição.

Evanildo Bechara faz, a este respeito, seguinte comentário na Moderna Gramática Portuguesa (Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 2002, pág. 507):

«Muitas vezes emprega-se que depois de advérbio onde a rigor poderia ser dispensado. São comuns as linguagens talvez que, apenas que, felizmente que, oxalá que, quase que, enquanto que, embora que. [...]. Puristas têm condenado tais modos de dizer.»

Vasco Botelho de Amaral (Grande Dicionário das Dificuldade e Subtilezas do Idioma Português, Lisboa, Centro Internacional de Línguas, 1958, s. v. talvez) também aceita «talvez que» com certas condições:

«Talvez que. É correcto o emprêgo deste que, explicável por analogia com as construções pode ser que, é possível, etc. Vejamos os Mestres: «talvez que (= é provável que) por um dia mais... perdemos o bom sucesso de todas... Luz e Calor, Bernardes, 5.ª ed. «Talvez que inglórios, mas doirados, aqui me aguardem...» O Presbitério, II, 9, Castilho. E na pág. 47, II: «Talvez que não tarde a grata aurora...»

Pergunta:

«Bom pastor» ~ «pastor bom», a dúvida reside precisamente aí!

Por ter um significado muito semelhante, gera confusão. Afinal qual o significado de cada uma das expressões?

Por exemplo, «bom homem» e «homem bom»; qual a expressão indicada para descrever uma pessoa com atitudes honestas e singelas? E para descrever uma pessoa linda?

Resposta:

Já nos referimos às diferenças de expressividade das duas posições do adjectivo. Muito depende do tipo de adjectivo em causa. No caso de bom, um adjectivo qualificativo, nota-se que os valores afectivos ficam mais evidenciados quando o adjectivo vai anteposto. Já a sua posposição permite interpretações mais "objectivas", mais ligados a uma apreciação que pode ser quer racional quer sensual:1

1) «um bom pastor/homem» = «um pastor/homem que, por ser bom, nos comove»

2) «um pastor/homem bom» = «um pastor/homem justo/atraente (possivelmente «lindo»)»

Mas «bom pastor» tem a particularidade de ter adquirido um sentido específico, que não advém somente do que sabe sobre a colocação adjectival. «Bom Pastor», com maiúsculas iniciais, é também uma expressão com significado próprio: «guia espiritual de um grupo de pessoas» (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).

1
As apreciações associadas à posição dos adjectivos qualificativos podem muitas vezes tornar-se convencionais, isto é, é possível que já se encontrem fixas ou estreitamente ligadas ao nome que modificam. Assim, a diferença entre:
«uma boa mulher» = «uma mulher bondosa» vs. «uma mulher boa» = «uma mulher bondosa/justa/atraente (talvez «muito linda)», numa linguagem entre infantil e irónica).

Pergunta:

É correta a utlização da preposição por seguida de outra preposição/advérbio(?), como nesse caso que comumente encontramos na imprensa: O jogador Ronaldo ficará afastado do time por até dois meses. Significa que ele pode ficar dois meses ou menos?

ET: Por que as pessoas confundem comumente com comumentemente?

Grato!

Resposta:

1. É aceitável.

Em português, é possível encontrar duas preposições encadeadas. Tais sequências são normalmente fixas e estão diconarizadas:

até a (sempre seguido de artigo definido; típica do português europeu)
para com
por entre
de entre

Noutros casos, trata-se de sequências pontuais, como em «a demolição fica adiada para depois das eleições» ou «o estágio decorrerá num período de até dois meses», exemplos em que o encontro de preposições resulta da combinação da regência («adiar para». «período de») com a preposição que introduz uma expressão adverbial.

Em relação a «por até», em que por é sinónimo de durante, podem levantar-se reservas. Mas se é possível dizer-se «por/durante um período de dois meses», é também possível elidir a expressão «um período» nesse contexto para evitar redundância, porque por e durante já significam aí «ao longo de um período». Obtém-se assim, «O jogador Ronaldo ficará afastado do time por/durante até dois meses».

2. É comummente que se deve dizer. Se as pessoas dizem "commumentemente", é possível que o erro se deva a pensar-se que comummente é adjectivo, tal como de presente se constrói presentemente.

Pergunta:

Tenho dúvida sobre a diferença das expressões «em quanto» e enquanto. Estou tendo dificuldades em encontrá-las. Se puder me ajudar...

Obrigado!

Resposta:

«Em quanto» é uma sequência formada pela preposição em e por quanto, pronome ou determinante interrogativo e pronome relativo1. A esta sequência, podem ser atribuídas duas interpretações:

1. «que quantidade?» (em contexto interrogativo): «em quanto ficou o preço do automóvel?» = «quanto custou o automóvel?»;

2. «tudo o que»: «em (tudo) quanto vejo, encontro só beleza» = «em tudo o que vejo, encontro só beleza».

A enquanto, que é conjunção, são dadas três interpretações:

3. «ao mesmo tempo que»: «enquanto ele telefona, ela lê uma revista»;

4. «durante o tempo em que»: «não saio daqui, enquanto não me pagares a dívida»;

5. «na qualidade de»: «enquanto presidente, cumpre-me tranquilizar a população».

1 No Dicionário Terminológico, quanto é classificado como quantificador interrogativo e quantificador relativo.