Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Há muito que eu gostaria de saber o significado do provérbio «Estão matando cachorro a grito».

Resposta:

Segundo o Dicionário Houaiss, a expressão idiomática «matar cachorro a grito» é um regionalismo brasileiro usado informalmente, com o significado de «encontrar-se em condição, estado ou situação aflitiva ou desesperadora».

Pergunta:

O plural de ancião é: anciãos, anciães e anciões. Qual é a forma mais usada em Portugal? Eu pessoalmente costumo usar anciãos, um amigo diz que esta forma é abrasileirada, por isso ele prefere usar anciões. Se me pudessem esclarecer este assunto, agradecia.

Muito obrigada pela atenção.

Resposta:

A respeito de ancião, não se pode dizer que cada uma das formas de plural disponíveis (anciãos, anciões e anciães) tenha uma distribuição geográfica típica. Ou seja, não é certo que anciões se use mais em Portugal, e anciãos, mais no Brasil, até porque porque os dicionários portugueses e os brasileiros são omissos quanto a essa questão.

De resto, dados recolhidos em corpora em linha indicam justamente o contrário1:  usa-se anciãos mais em textos portugueses, e anciões, mais em textos brasileiros.

1 Uma consulta a dois corpora da Linguateca, a saber, o CetemPúblico (189,6 milhões de palavras provenientes do jornal português Público) e o Projecto AC/DC: corpo NILC/São Carlos (32,5 milhões de palavras provenientes de textos jornalísticos brasileiros) faculta os seguintes resultados:

CetemPúblico: anciãos: 106 ocorrências; anciões: 17 ocorrências; anciães: 1 ocorrência

Projecto AC/DC: corpo NILC/São Carlos: anciãos: 13 ocorrências; anciões: 36 ocorrências; anciães: 0 ocorrências.

Pergunta:

António Serôdio, presidente da Associação Portuguesa dos Gestores do Desporto (Apogesd), em entrevista ao jornal [português] A Bola, de 21 de Abril, afirma o seguinte: «Há ligas mais expostas... Mas o sobreendividamento e a excessiva dependência à banca e a outras instituições financeiras...»

1. «Dependência à banca e a outras instituições financeiras...» ou «Dependência da banca e de outras instituições financeiras...»?

2. Entendendo-se o que o entrevistado queria dizer, não deveria o entrevistador (jornalista de um jornal de referência, com milhares de leitores) ter modificado a redacção do texto?

Obrigado.

Resposta:

Não se recomenda «dependência a». O Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos, de Francisco Fernandes, indica que a regência do substantivo dependência se constrói com as seguintes preposições (os exemplos são da referida fonte):

a) com: «Limitava-se, pois, o meu papel ao do advgado na sua banca sem... a mais indireta dependência com a minha situação política de senador.»

b) de: «No português, igualmente, o atributo não está sob a dependência de preposições»

c) entre: «A relação de dependência, porém, entre os dois nomes não está expressa.»

d) para: «Se a dependência do cognoscível para o incognoscível não nos embaraça em um caso, não se pode atinar motivo para que nos enleie no outro.»

e) para com: «As verdades científicas imediatas, vizinhas contíguas dessoutras, não se ressentirão da sua íntima dependência para com elas?»

2. Sim, deveria tê-lo feito.

Pergunta:

Ouvido no História (15/4/2009) versão portuguesa (?) Santa Claus, Pim Pam Pum (Audiovisuais):

1. «Houve 30 fatalidades [ing. fatalities] num desastre ocorrido, anos atrás, no estádio do Liverpool.»

E ainda:

«... o salão serviu de sala de morte temporária» (formidável! afinal, ela não é definitiva…)

Quem ensina [a estas pessoas], de uma vez para sempre, que difere de: «sala temporária de morte» (de acolhimento dos cadáveres)?

2. /lazulí/ acentuada na última sílaba em vez do correcto lazúli, grave.

3. «armada… de navios»!

Eu explico aos neófitos: não há qualquer redundância, a especificação é indispensável, pois por aqui é vulgar encontrarmos army traduzido por armada.

4. "Plantaformas".

5. «"A luxuriosa" cabine do Capitão»: o [...] tradutor queria dizer apenas luxuosa. É o falar difícil: luxuriosa, que tem acepção muito diferente, é sempre escolhida, pois fica muito mais pirotécnica, para embasbacamento dos ignorantes.

6. /mediúcres/ por medíocres.

7. "Reino Médio", em vez do normal Império do Meio (China).

8. /Ormuze/ por Ormuz.

Agora, peço a Ciberdúvidas, um favor: insisti, junto dos teimosos exterminadores do verbo pôr, até a voz ficar rouca, que a mais das vezes não é substituível por colocar. Essa...

Resposta:

Agradecemos, como sempre, a atenção com que acompanha os deslizes de tradução dos canais temáticas da televisão por cabo em Portugal. Pouco temos a acrescentar ao que já disse, mas, ainda assim, vamos tentar dar uma ou outra achega. Assim:

1. Fatalidade e casa mortuária

Em «Houve 30 fatalidades num desastre ocorrido, anos atrás, no estádio do Liverpool», o uso de fatalidades é anglicismo que deve ser substituído por vítimas. Em «... o salão serviu de sala de morte temporária», em vez de «sala de morte», deveria ter-se usado «casa mortuária».

2. Lazúli

É palavra grave, ou seja, tem acento tónico na penúltima sílaba. Por convenção ortográfica, as palavras agudas terminadas em i e u não têm acento gráfico; daí que lazúli tenha acento gráfico para poder ser lido como palavra grave.

3. «armada… de navios»

Em português, é redundância, porque armada já significa «conjunto das forças navais». Como ironicamente explica o consulente, o tradutor parece estar habituado a traduzir erradamente army, «exército», como armada; depois, para assinalar que se trata de uma frota, cria o pleonasmo «armada de navios».

4. "Plantaformas"

Parece gralha, mas pode ser também resultado de etimologia popular, no sentido de motivar a palavra, fazendo derivá-la de planta.

5. Luxuriosa e ...

Pergunta:

«Língua não materna», ou «língua não-materna»?

«O não cumprimento da planificação», ou «o não-cumprimento da planificação»?

Resposta:

Já nos referimos várias vezes aos critérios para o uso de hífen com o advérbio não quando este antecede um adjectivo ou um substantivo. São muito simples:

a) a hifenização é de natureza estilística e, portanto, não é obrigatória;

b) tende-se a empregar o hífen mais com sequências de não + substantivo do que nas de não + adjectivo, o que se compreende porque muitos adjectivos são palavras que constroem a predicação como os verbos: assim como não usamos hífen entre não e um verbo, também não inserimos hífen entre o advérbio e o adjectivo.

Assim, pode escrever «não cumprimento da planificação» quando se refere a um caso pontual de inexistência de cumprimento, enquanto em «não-cumprimento da planificação» a forma «não-cumprimento» é mais compacta e acaba por se tornar a designação genérica de um tipo de situação. O mesmo se pode dizer de «língua não materna» e «língua não-materna»: a primeira expressão apenas refere uma realidade acerca da qual não se diz que seja materna, enquanto a segunda tem uma propriedade, a de ser não-materna, tal como poderia ser fácil, melodiosa ou oficial.