Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Será correcta a utilização da palavra leiturabilidade para realizar com a palavra legibilidade a mesma distinção que em inglês é feita entre legibility e readability?

Resposta:

Não recomendo a forma "leiturabilidade", que pressupõe o adjetivo "leiturável" e o verbo "leiturar", não atestados em dicionário e discutíveis do ponto de vista da sua boa formação. É preferível aceitar a expressão «agradabilidade de leitura», tradução proposta pelo Dicionário Inglês-Português da Porto Editora para readableness, sinónimo de readability.

N. E. (5/2/2017) – O substantivo leiturabilidade consagrou-se  como termo equivalente ao inglês readibility, para designar o grau em que o aspeto gráfico global de um texto facilita ou dificulta a sua leitura e a apreensão da sua mensagem. Sobre este assunto, observa o consultor Paulo Barata o seguinte: «[..] na língua em ato, em concreto no socioleto da tipografia, estão já consagrados os termos legibilidade e leiturabilidade, independentemente da maior ou menor correção da formação do segundo. A legibilidade refere-se ao desenho individual das letras e à capacidade de o leitor as distinguir umas das outras; e a leiturabilidade refere-se à forma como as letras se comportam num texto e à capacidade de o leitor as percecionar em conjunto, na relação que estabelecem umas com as outras. Reduzindo muito, legibilidade distingue/lê letras, leiturabilidade distingue/lê palavras. [...] Leiturabilidade não me parece suscetível de ser (bem) substituída por agradibilidade, pois os critérios não são apenas estéticos, mas de de leitura efetiva.»

Pergunta:

Dirigo-me a Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, no sentido de ser elucidado quanto ao modo correcto como se escreve uma das freguesias, que também é localidade, do concelho de Torres Novas, distrito de Santarém.

Trata-se da freguesia de Assentis, que uns escrevem (a terminar) com s (Assentis), e outros com z (Assentiz). Existem mapas que escrevem Assentis, outros há que optam por Assentiz. E nas placas toponímicas a confusão também está presente. Qual é a grafia correcta?

Alguns organismos públicos baseiam-se na publicação efectuada no Diário da República n.º 41, 2.ª Série, de 17/2/1995 – Normalização e harmonização do “Código da Divisão Administrativa/Revisão 1994”, em que a grafia é com z.

No entanto, e segundo o Decreto n.º 35 228, de 8 de Dezembro de 1945, a nova Convenção Ortográfica Luso-Brasileira, que logo entrou em vigor, começou esta freguesia a escrever-se no final com s... ou estarei errado?

Resposta:

Deve escrever-se Assentiz. Rebelo Gonçalves, no seu Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), obra que fixa a grafia das palavras de harmonia com o Acordo Ortográfico de 1945, estabelece a grafia Assentiz, com z. Numa versão mais antiga deste vocabulário, datada de 1940 e preparatória da adopção do referido acordo, também se escreve Assentiz.

Se muitas pessoas começaram a escrever o nome da freguesia com s final na sequência da publicação do decreto que instaurava o Acordo de 1945, é possível que tenha havido alguma precipitação ao aplicar as regras ortográficas. Recorde-se que nessa época muitos apelidos|sobrenomes que tinham origem em patronímicos medievais já se escreviam com -s (p. ex., Fernandez > Fernandes) e, com o então novo acordo, muitas palavras viram fixar-se na sua grafia um -s final, desde que para isso houvesse razão etimológica; p. ex.: Aviz > Avis; Queiroz > Queirós. No caso vertente, como em muitos outros (Esmoriz, Romariz), o z final de certos nomes de lugar parece imposto por razões etimológicas, como sugere José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, quando explica que o t...

Pergunta:

Por favor, qual a origem da expressão «peneirar o fraque»?

Resposta:

Não encontrei fontes que dêem conta dos factos históricos que estão na génese da expressão. No entanto, tendo em conta que a expressão significa «fugir», «bater em retirada», «dar no pé» (cf. Dicionário Aberto de Calão e Expressões Idiomáticas), podemos ver nela um modo figurado de transmitir este mesmo conteúdo: peneirar significa, entre outras acepções, «bambolear», «sacudir o corpo»; fraque é a designação de uma peça de vestuário que tem longas abas e que se usa só em certas cerimónias. Sendo assim, «peneirar o fraque» é a imagem de alguém que, apesar de envergar um traje formal, perde a compostura que seria de esperar e expõe-se ao ridículo, quando, ao fugir, não consegue impedir que as abas do fraque se agitem no ar.

Pergunta:

Primeiramente queria dizer que somos apaixonados pela língua portuguesa e por isso partilhamos tal momento gostoso. Parabéns!

Não encontro, em gramática nenhuma, referência à presença de preposição antes do pronome relativo quanto, por isso gostaria de saber se devo, ou não, colocar preposição se o verbo ou um nome da oração subordinada adjetiva exigir. Além disso, pelas gramáticas que eu pesquisei, só encontrei duas funções sintáticas (sujeito e objeto direto) para o relativo quanto; só existem essas duas funções sintáticas para ele?

Por favor, elucidem as duas questões! Muito agradecido mesmo!

Resposta:

Se quanto é pronome relativo, só pode ser sujeito ou complemento directo da oração que introduz. De acordo com a Gramática da Língua Portuguesa, de M.ª Helena Mira Mateus et al., e com a Nova Gramática da Língua Portuguesa, de Celso Cunha e Lindley Cintra (pág. 351), o pronome relativo quanto usa-se exclusivamente com antecedente constituído pelos pronomes indefinidos tudo e todos, que podem ser omitidos. Devido a esta característica, quanto adquire um valor indefinido.

Vejamos agora os exemplos:

1 – «Apoiaremos (todos) quantos sofrem com a crise.»

2 – «Apoiaremos (todos) quantos a crise afectou.»

Se na oração relativa ocorrer um verbo com regência, deverá substituir-se quanto pelo pronome relativo quem antecedido de uma expressão realizada pelo pronome todo ou introduzida por todo enquanto determinante (isto é, a acompanhar substantivo):

3 – «Apoiaremos todas as pessoas a quem isso aconteceu.»

É, portanto agramatical uma frase como:

4 – «Apoiaremos todas pessoas a quantas isso aconteceu.»1

Claro está que outra coisa é verificar-se a preposição prevista pela sintaxe de um verbo que ocorre na subordinante, por exemplo, numa frase como «Daremos apoio a (todos) quantos nos procurem». Neste caso, não há restrições ao uso da preposição.

1 Não confundir este comportamento com o de quanto como determinante e pronome interrogativo que introduz orações interrogativas ...

Pergunta:

Li num website que Richard Strauss, aquando da sua visita a Sintra, declarou acerca do Palácio da Pena: «Hoje é o dia mais feliz da minha vida. Conheço a Itália, a Sicília, a Grécia e o Egipto e nunca vi nada que valha a Pena.» Terá sido esta a origem da expressão «valer a pena»?

Resposta:

Parafraseando certa frase italiana, direi que a explicação sugerida pelo consulente é bem achada, mas não é verdade. A expressão «valer a pena» está atestada muito antes de o compositor alemão Richard Strauss (1864-1949) ter vivido e ter visitado o Palácio da Pena, em Sintra (Portugal).

Assinale-se que a forma pena é comum a duas palavras diferentes:

a) «tristeza», «trabalho», «sofrimento», «maçada»: «valer/merecer a pena»;
b) «rochedo», «pedra»: Palácio da Pena; existe a variante penha (por exemplo, como em Penha Longa, também em Sintra).

Pode é ter acontecido que Richard Strauss soubesse um pouco de português e tivesse feito um trocadilho entre a palavra pena, «sofrimento, sacrifício», e Pena, topónimo com origem em pena, «pedra, rochedo», aproveitando a existência da expressão «valer a pena».