Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Bom dia. A palavra "rater" está atestada? Tenho as minhas dúvidas, apesar de ser bastante utilizada, principalmente entre os jovens, no que respeita aos estampidos 'violentos' de alguns tubos de escape... Obrigado.

Resposta:

Não encontro a palavra "rater" dicionarizada nem explicada noutra fonte. No entanto, ocorre em páginas da Internet. Mas, em francês, existe raté, na acepção de «barulho anormal devido ao mau funcionamento de um motor de explosão» (ver Le Robert Micro, s. v. raté, ratée). Sugiro que o termo português tenha surgido de alguma grafia incorrecta de raté em -r final, "rater", uma vez que esta letra geralmente não se pronuncia em francês.

Pergunta:

Em relação aos acessórios de poupança de água aplicáveis nas torneiras. O nome habitual e lógico é perlizador, mas pode usar-se "perlator"? De onde vem "perlator"?

Obrigado.

Resposta:

Perlizador é de facto usado em português europeu. Ocorre com frequência em espanhol, embora não esteja atestado no dicionário da Real Academia Espanhola. No entanto, é em espanhol que é possível perceber a sua formação, quando se sabe que um perlizador permite poupar água da torneira ao transformar o jacto a gotículas; estas gotículas podem receber o nome de perlas («pérolas») no idioma de Cervantes, pelo que perlizador é «instrumento que transforma em pérolas».

Em pesquisas na Wikipédia, pude saber que, em polaco e húngaro, ocorre perlator e perlátor, respectivamente; esta forma é nem mais nem menos do que uma marca de perlizador.1

1 Numa página da Internet, leio: «Perlator® is a registered trademark used for Faucet Aerators For Domestic, Commercial and Industrial Use and owned by Neoperl Inc.» (tradução livre: «Perlator® é uma marca registada usada para perlizadores de torneira destinados ao uso doméstico, comercial e industrial e que é propriedade da Neoperl Inc.»)

Pergunta:

Ultimamente tenho lido artigos na imprensa (desportiva e não só) que se referem a um jogador do clube Real Madrid como «madridista», usando também a palavra como designação do próprio clube, anteriormente já tinha visto referência a jogadores do Futebol Clube do Porto como «portistas».

Estas duas palavras existem? Ou pertencem ao famoso futebolês?

Obrigado.

Resposta:

É possível formar madridista1, «adepto do Real Madrid (clube espanhol de futebol)», e portista, «adepto do Futebol Clube do Porto», porque o sufixo -ista é também usado para referir os adeptos de um clube de futebol. Não se pode dizer que seja um traço característico da gíria futebolística ("futebolês"), porque, na língua corrente, já é produtivo nessa acepção. 

1 Um radical alternativo madril-, deduzido de madrileno, permite formar madrilista, à semelhança do que acontece em espanhol, onde temos Madrid, madrileño e madrilista (este último termo não está consignado no Diccionario de la Lengua Española da Real Academia Espanhola, mas surge na comunicação social e em sítios da Internet).

Pergunta:

Gostaria de saber a origem e o significado dos meus apelidos — Inácio e Pedro.

Resposta:

São nomes próprios que passaram a ser usados como apelidos|sobrenomes, segundo o Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado. Inácio tem origem no latim Egnatĭu-, «de origem obscura», nome que se difundiu com a expansão da Igreja. Quanto a Pedro, a respectiva etimologia já foi abordada em resposta anterior.

Pergunta:

Nas frases «Quando chegares a casa, dá de comer ao cão» e «Quando chegares a casa, dá o que comer ao cão», não consigo entender a associação do verbo dar com a preposição de (1.ª frase), a construção «dá o que comer» (2.ª frase) nem as diferenças (isto é, se as houver) existentes entre estas frases.

Obrigado.

Resposta:

Diga «dar de comer» ou «dar que comer», porque «dar o que comer» é de aceitabilidade discutível.

1. «Dar de comer»: é uma expressão fixa (ver Novo Dicionário Lello Estrutural, Estilístico e Sintáctico da Língua Portuguesa), em cuja estrutura se pode interpretar «de comer» como uma oração adverbial final reduzida de infinitivo equivalente a «para comer», pressupondo a palavra algo («algo para comer»). A propósito desta construção, Evanildo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 2002, pág. 521) cita Mário Barreto (Novíssimos Estudos da Língua Portuguesa, 1980, pág. 129):

«[...] [O] complemento formado por de e um infinitivo é, na sua origem, de carácter adjetivo. Dê-me algo, alguma coisa, qualquer coisa de comer, é como se disséramos algo comível ou comestível. Omitido o substantivo, significa só por si as coisas sobre que se exerce a ação do infinitivo: dê-me de comer = dê-me coisa que comer.»

2. «Dar que comer»: parece-me uma ocorrência mais marginal, mas possível, que tem a mesma estrutura que «dar que fazer (a alguém)» (cf. Dicionário Houaiss, s. v. dar). Neste caso, «que comer» é uma oração relativa infinitiva (João Andrade Peres e Telmo Móia, Áreas Críticas da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 1995, pág. 285), na qual o pronome relativo que significa «alguma coisa que», sendo que um pronome relativo com a função de complemento directo de comer («dar alguma coisa que alguém coma»).1 É preferível usar que neste contexto sem o pronome demonstrativo