Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

O estrangeirismo post é muito usado entre nós para designar o objecto da publicação num blogue. Para o evitar, já se sugeriu aqui, no Ciberdúvidas, a utilização dos termos entrada ou artigo. Mas não será muitíssimo mais provável que venha a vingar o termo "poste", aportuguesamento do estrangeirismo post, hoje utilizado por quase toda a gente? Tal como blogue foi o aportuguesamento de blog?

O blogue, originariamente, era uma espécie de "diário da Internet". O termo entrada, aplicado a um diário, adequa-se bem. Mas actualmente um blogue é muito mais do que um diário e em muitos casos nada tem que ver com um diário.

Por outro lado, o termo artigo ajusta-se melhor a um jornal/revista ou a um blogue com características próximas das de um jornal/revista, adequando-se mal a outros casos.

Será mesmo incorrecto o uso do termo "poste"?

Ainda relativamente aos blogues, é correcta a utilização dos termos "postar" e "postado", a par dos termos "publicar" e "publicado"?

Obrigada.

Resposta:

Na resposta em causa, segue-se um critério desejável: perante um estrangeirismo, deve procurar-se um termo equivalente ou criar uma palavra que se enquadre nas formas vocabulares típicas portuguesas, isto é, com características fónicas e morfológicas características do português. Não é que o aportuguesamento de post, poste, esteja totalmente incorrecto, visto a sua configuração ser possível em português, pelo menos do ponto de vista fonético. Acontece, porém, que se confunde com poste, «coluna, pilar», engrossando o conjunto das palavras homónimas do português. Não sendo isto em si um mal, porque os falantes sabem distingui-las pelo contexto, as palavras homónimas são, mesmo assim, susceptíveis de diminuir a clareza na comunicação.

Quanto ao verbo postar e ao seu particípio postado, o mesmo se verifica: já existem dois verbos homónimos, postar, «colocar» e «estar de pé», e postar, regionalismo brasileiro que significa «pôr no correio». A introdução de postar, «publicar no blogue», vem certamente aumentar a ambiguidade do vocabulário português.

Enfim, não posso dizer que poste e postar sejam aportuguesamentos ilegítimos. Devo, no entanto, advertir que, neste momento, poste e postar são ainda opções discutíveis no que se refere à criação de termos relacionados com a actividade dos blogues. Seja como for, a própria consulente diz, com pertinência, que blog já foi adaptado como blogue ao português. Sendo assim, dada a especificidade deste tipo de escrita, porque não aceitar também outros aportuguesamentos fónicos como poste, que parecem mais capazes de dar conta dessa realidade?

Pergunta:

Gostava de saber se as palavras formadas pela junção de duas outras palavras, como exemplo: Gaianima (Gaia + Anima), são consideradas palavras formadas por amálgama ou se existe alguma outra forma de as classificar. Que nome damos à transformação de duas letras iguais numa só para juntarmos as palavras?

Obrigada.

Resposta:

É mesmo o termo adequado, atendendo à sua definição por Margarita Correia e Lúcia San Payo de Lemos, em Inovação Lexical em Português (Lisboa, Edições Colibri/Associação de Professores de Português, 2005, pág. 83):

«amálgama: palavra resultante da junção de pares de outras palavras, normalmente construída de forma consciente, resultando de criatividade. Ex.: credifone

Aparentemente, dado que se trata da designação de uma empresa instituída pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, é natural que se recorra a uma denominação criativa, mediante a junção de um topónimo, Gaia, e um latinismo anima, «alma».

Mas neste caso, também se pode usar o termo tradicional aglutinação, visto estarmos perante a fusão de duas palavras: Gaianima.

O encontro de duas letras iguais é, na verdade, a fusão de dois sons e chama-se crase, conforme se confirma no Dicionário Houaiss:

«fusão de duas vogais idênticas numa só, que ocorre, p. ex.:, na evolução das línguas român[icas] (p. ex.: lat[im] colore "cor" > português coor > cor).»

 

 

Pergunta:

Bem sei que a questão «senão/se não» já foi muitas vezes aqui respondida. No entanto, procurando em todas as vossas respostas, continuo sem ter a certeza de qual a forma adequada nesta frase: «Não sei se o leitor já reparou, mas a História é um bocado machista. Senão, veja: neste mês celebram-se os vinte anos da queda do Muro de Berlim.»

Deveria ser «se não», estando o verbo reparar subentendido? «Se não reparou, veja». Ou pode ser senão, significando «de contrário»?

Peço desculpa por vos maçar com uma questão já tantas vezes colocada. Aproveito para dar os parabéns pelo vosso trabalho e também para vos agradecer as tantas dúvidas que me tiram.

Obrigado.

Resposta:

Este caso é ambíguo: é possível ocorrer tanto o advérbio senão como a sequência da conjunção se com advérbio de negação numa construção elíptica em lugar de uma oração:

1 – «Não sei se o leitor já reparou, mas a História é um bocado machista. Senão [= «de contrário, de outro modo»], veja: neste mês celebram-se os vinte anos da queda do Muro de Berlim.»

2 – «Não sei se o leitor já reparou, mas a História é um bocado machista. Se não [= «se não reparou/se não é machista/ se não é assim1 »), veja: neste mês celebram-se os vinte anos da queda do Muro de Berlim.»

1 «...se não é assim»: agradeço esta paráfrase ao consulente Fernando Bueno.

Pergunta:

Qual é o grau aumentativo de olho?

Obrigada.

Resposta:

O aumentativo de olho é formado regularmente: olhão. Note que olho pode ser o mesmo que olho-d´água, «nascente de água no solo». O emprego do aumentativo nesta acepção está origem do topónimo português Olhão, no Algarve (cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa).

Pergunta:

De acordo com a TLEBS revista, um polissílabo é uma palavra com 4 ou mais sílabas, apesar de diversos peritos afirmarem que os dissílabos são já polissílabos. Uma palavra, por exemplo, com 4 sílabas pode designar-se tetrassílabo, ou só pode chamar-se polissílabo?

Um dissílabo também pode designar-se bissílabo?

Um polissílabo é ainda uma palavra polissilábica? E pode dizer-se ainda uma polissílaba?

Resposta:

O termo polissílabo é ambíguo: pode designar toda a palavra que tenha mais de uma sílaba, embora também se diga da palavra que tenha mais de três sílabas (cf. Dicionário Houaiss). O Dicionário Terminológico (TLEBS revista) adoptou o critério de reservar o termo polissílabo para as palavras com quatro ou mais sílabas.

Bissílabo é o mesmo que dissílabo (ver Dicionário Houaiss), mas não consta do Dicionário Terminológico.

Finalmente, pode empregar-se a expressão «palavra polissilábica» como sinónimo de polissílabo, visto polissilábico ser adjectivo correspondente a polissílabo. Quanto à forma "polissílaba", não se encontra dicionarizada nem é necessária: como adjectivo, parece mais adequado polissilábico/a; como substantivo, já existe o substantivo polissílabo, que é do género masculino.