Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual a origem e o significado da expressão idiomática «causar celeuma»?

Resposta:

A origem da palavra celeuma é explicada pelo Dicionário Houaiss:

«lat[im] celeuma ou celeusma,ae ou ātis, "alarido, canto cadenciado dos remeiros, dos vindimadores", do gr[ego] kéleusma ou kéleuma, atos, "ordem, comando, grito; canto cadenciado do chefe dos remeiros para regular o movimento dos remos; exortação".»

Conclui-se, portanto, que «causar celeuma» acabou por significar em português o mesmo que «causar alarido, agitação». O dicionário em referência atribui a celeuma as seguintes acepções:

1. «Canto ou vozearia com que barqueiros ou marinheiros ritmavam seu trabalho»

2. «Derivação: por extensão de sentido, alarido de pessoas que trabalham juntas»

3. «Derivação: por extensão de sentido, agitação barulhenta; algazarra, alvoroço, tumulto»

4. «Derivação: sentido figurado, discussão acalorada ou apaixonada. Ex.: a venda do sítio desencadeou uma celeuma entre os filhos»

Pergunta:

Não percebo por que motivo não se grafa o e com acento [na palavra pletora], mas que se grafa, grafa.

Antes do Acordo Ortográfico de 1945, escrevia-se indevidamente com c (plectora), quando o étimo (plēthōra) o não reconhecia.

Podeis explicar-me por que esta proparoxítona não é acentuada?

Por tradição ou por outra insondável razão?

Mais uma vez, parabéns pelo excelente serviço público que prestam.

Resposta:

A palavra não é proparoxítona, mas, sim, paroxítona, porque mantém a acentuação do étimo grego, que é plēthō´rē,ēs1, «plenitude, superabundância, fartura, donde saciedade» e, como termo da medicina, «superabundância de sangue ou de humores», com acento tónico na penúltima sílaba.

Em português, já se escreveu "plectora" sem justificação etimológica. Com efeito, Rebelo Gonçalves, no seu Tratado da Ortografia da Língua Portuguesa (Coimbra, Editora Atlântida, 1947, pág. 88, n.º 1), comentou uma vez:

«Distinga-se de corrector, "o que corrige", corretor, "agente comercial", "inculcador". Esta última forma, notamo-lo de passagem, é do número de várias em que às vezes se intromete sem razão um c antes de t: obstectrícia, em vez de obstretícia; plectora, em vez de pletora; ractificar, em vez de ratificar; rectaguarda, em vez de retagurada; etc.»

Quanto ao acento, há realmente uma variante não recomendada, "plétora". Esta encontra equivalente no espanhol normativo plétora (ver dicionário da Real Academia Espanhola), palavra sobre a qual encontro um comentário na Internet (uma página do jornal ABC, edição de Sevilha, de 24/01/1991, pág. 48) que me parece lançar luz sobre a refe...

Pergunta:

Deparei-me recentemente com uma dúvida relativa ao nome que se deve dar à República da China (não confundir com República Popular da China), se Taiwan, se Formosa.

Li em vários artigos do Ciberdúvidas onde se defende a opção Formosa por ser a palavra em português, nome atribuído pelos Portugueses quando chegaram à ilha em 1516.

Mas permitam-me que coloque as seguintes questões:

Por que motivo se há-de chamar Formosa, quando o país se chama Taiwan? Acaso o Sri Lanka também se chama Ceilão? Ou o Myanmar se chama Birmânia?

Porquê manter um nome que não é manifestamente o usado pelo povo desse país, independentemente de este ser ou não reconhecido pela República Popular da China?

Não vejo aqui razão para saudosismos quinhentistas, pois sou da opinião que acima das palavras que adoptamos para a nossa língua, deve estar o respeito (quer se concorde ou não) com a origem e proveniência das mesmas.

Continuação do bom trabalho.

Resposta:

Fica aqui expressa a opinião do consulente, que respeito. No entanto, farei três considerações:

1.ª Se aceitamos a forma Taiwan, com o argumento de que este é o nome do país em apreço na língua que aí tem estatuto oficial ou maioritário, então teremos também de aceitar Zhōngguó como nome da República Popular da China, porque é assim que este país se chama em mandarim. Ou para apenas fazer referência ao espaço da União Europeia, teríamos de aceitar igualmente Deutschland, para não dizer Alemanha, Magyarország, em lugar de Hungria, Suomi em vez de Finlândia, ou Elláda, a substituir Grécia. Não estou a dizer que não se possa usar Taiwan; só quero mostrar que é frequente que um país seja conhecido por nomes diferentes em línguas diferentes.

2.ª O nome Formosa surgiu realmente na época de ouro do Império Português, na primeira metade do século XVI (ver Textos Relacionados). Usar a palavra Formosa pode ser quinhentismo ou colonialismo serôdios, mas, nessa perspectiva, receio que empregar Alemanha (palavra atestada desde o século XIII) possa ser medievalismo ultrapassado, e que a palavra Grécia reflicta a arrogância dos conquistadores romanos, que preferiram ignorar a forma helénica. E será que pronunciar Egipto é sinal de eurocentrismo, uma vez que,...

Pergunta:

Peço e agradeço o significado de "surrebeque". Deriva de surrar («curtir pele»)?

Sou da região de Castelo Branco e ouço, quando se fala em tecidos (roupa), que os homens usavam calças de "surrebeque".

Não sei se a palavra se escreve com u ou o. Todavia, antes de vos contactar, também não a encontrei no dicionário Porto Editora.

Resposta:

A forma "surrebeque" é uma variante do regionalismo surrobeco ou surrobeque, que significa «amarelado como a pelagem dos carneiros» e «tecido grosseiro, amarelado e resistente, semelhante ao burel, porém um pouco mais largo» (Dicionário Houaiss). José Pedro Machado, no seu Grande Dicionário da Língua Portuguesa, consigna as entradas sarrabeco, serrobeco e surrobeca, além de referir a forma surrobeco no artigo dedicado a serrobeco. Trata-se, portanto, de um termo popular português cujas pronúncia e grafia ainda não estabilizaram.

Quanto à origem do termo, o Dicionário Houaiss apoia-se no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, para dizer que está «relacionado ao esp[anhol] rebeco (1435, sob a f[orma] robezo, 1475 rebezo, 1765 rebeco), "espécie de cabra", de orig[em] pré-romana».

Pergunta:

O estrangeirismo post é muito usado entre nós para designar o objecto da publicação num blogue. Para o evitar, já se sugeriu aqui, no Ciberdúvidas, a utilização dos termos entrada ou artigo. Mas não será muitíssimo mais provável que venha a vingar o termo "poste", aportuguesamento do estrangeirismo post, hoje utilizado por quase toda a gente? Tal como blogue foi o aportuguesamento de blog?

O blogue, originariamente, era uma espécie de "diário da Internet". O termo entrada, aplicado a um diário, adequa-se bem. Mas actualmente um blogue é muito mais do que um diário e em muitos casos nada tem que ver com um diário.

Por outro lado, o termo artigo ajusta-se melhor a um jornal/revista ou a um blogue com características próximas das de um jornal/revista, adequando-se mal a outros casos.

Será mesmo incorrecto o uso do termo "poste"?

Ainda relativamente aos blogues, é correcta a utilização dos termos "postar" e "postado", a par dos termos "publicar" e "publicado"?

Obrigada.

Resposta:

Na resposta em causa, segue-se um critério desejável: perante um estrangeirismo, deve procurar-se um termo equivalente ou criar uma palavra que se enquadre nas formas vocabulares típicas portuguesas, isto é, com características fónicas e morfológicas características do português. Não é que o aportuguesamento de post, poste, esteja totalmente incorrecto, visto a sua configuração ser possível em português, pelo menos do ponto de vista fonético. Acontece, porém, que se confunde com poste, «coluna, pilar», engrossando o conjunto das palavras homónimas do português. Não sendo isto em si um mal, porque os falantes sabem distingui-las pelo contexto, as palavras homónimas são, mesmo assim, susceptíveis de diminuir a clareza na comunicação.

Quanto ao verbo postar e ao seu particípio postado, o mesmo se verifica: já existem dois verbos homónimos, postar, «colocar» e «estar de pé», e postar, regionalismo brasileiro que significa «pôr no correio». A introdução de postar, «publicar no blogue», vem certamente aumentar a ambiguidade do vocabulário português.

Enfim, não posso dizer que poste e postar sejam aportuguesamentos ilegítimos. Devo, no entanto, advertir que, neste momento, poste e postar são ainda opções discutíveis no que se refere à criação de termos relacionados com a actividade dos blogues. Seja como for, a própria consulente diz, com pertinência, que blog já foi adaptado como blogue ao português. Sendo assim, dada a especificidade deste tipo de escrita, porque não aceitar também outros aportuguesamentos fónicos como poste, que parecem mais capazes de dar conta dessa realidade?