Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Aqui em Campinas se usa dizer: «de domingo», «de segunda», etc., em vez de «no domingo», «na segunda», etc. Acho que pela norma culta esse uso não está correto, mas gostaria de saber por que o uso do de é errado nessa situação. Ex.: «de domingo irei ao teatro» em vez de «no domingo irei ao teatro».

Obrigada.

Resposta:

Trata-se de um uso regional, que não faz parte nem da norma brasileira nem da portuguesa. Considera-se que não está correcto sobretudo porque os adjuntos adverbiais de tempo, quando se destinam a localizar determinado evento em relação aos dias da semana, se usam habitualmente com a preposição em ou sem preposição nenhuma: «No domingo, vou à praia»/«Domingo, vou à praia» (Maria Helena de Moura Neves, Guia de Uso do Português, São Paulo, Editora UNESP, 2003, s. v. dia 2). Poderia dizer-se que se usa a preposição em, porque é esta que melhor localiza os acontecimentos relativamente a uma data, pelo seu significado geralmente estático; no entanto, para expressar localização sem movimento empregam-se outras preposições como a, cujo significado nem sempre é estático: «Estive em Portugal em/a 1 de Janeiro» (mas «Vou a Lisboa»). Além disso, existem expressões como «de futuro», em que a preposição de é equivalente a em («de futuro» = «no futuro»), o que sugere que, em expressões temporais, é possível empregar de. Por conseguinte, a motivação do uso das preposições não parece ser semântica, antes se afigurando como convenção que se encontra enraizada na construção deste tipo de locuções adverbiais.

Pergunta:

Há uma questão na prova da Mackenzie que analisa o termo da mescla de três raças como adjunto adverbial («... a nacionalidade viveu da mescla de três raças que os poetas...»). É correta essa classificação? Já li algo sobre essa questão, mas não concordo com o gabarito da faculdade.

Obrigada.

Resposta:

Trata-se de um complemento oblíquo (introduzido por preposição) do verbo viver, que tem regência construída com a preposição de quando usado na acepção de «subsistir em determinada situação ou actividade» (ver dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e Dicionário Houaiss). Deste modo, a classificação indicada no gabarito não se afigura adequada.

Pergunta:

Encontro frequentemente em blogues a palavra encanitar bem como no dicionário online brasileiro.

Nos meus dicionários de português lusitano, a palavra não aparece.

Muito vos agradeço uma ajuda no sentido de esclarecer os seguintes pontos.

1. Existe esta palavra, encanitar, em português lusitano?

2. Se existe, quais os seus significados e etimologia?

Antecipadamente grato pela vossa atenção e ajuda.

Resposta:

1. Existe.

2. O Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, regista o verbo encanitar com a seguinte definição: «sofrer dos nervos; irritar ou irritar-se; enervar-se ou exasperar-se.» No entanto, nesta e noutras fontes consultadas (Dicionário Houaiss, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, dicionário da Academia das Ciências de Lisboa), nada se diz sobre a etimologia deste verbo.

Pergunta:

Não tenho bem presente no meu espírito se e quando se deve dizer «elogio de...» e «elogio a...».

Numa busca ao vosso consultório encontrei um artigo que se chamava Elogio da redundância e uma outra referência que dizia Elogio ao Ciberdúvidas, será que alguma destas formas está errada? Se sim, ou se não, porquê?

Obrigado.

Resposta:

O substantivo elogio pode ser usado ou com a preposição de ou com a preposição a. O sentido veiculado pelas preposições é ligeiramente diferente:

a) «elogio de alguém/alguma coisa»: «o elogio que alguém/alguma coisa tem»;

b) «elogio a»: «o elogio que é feito a alguém».

Francisco Fernandes, no seu Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos (São Paulo, Globo, 1965), regista os dois usos, atestando-os com exemplos:

elogio a

«No delírio de elogios a D. Pedro II, há quem garanta que ele tinha as virtudes de um verdadeiro Marco Aurélio» (Medeiros e Albuquerque, Quando Eu Era Vivo, 76);

elogio de

«Prossegue no elogio da educação da mocidade minhota, louvando os pais que aperreiam os filhos» (Camilo, Mosaico, 110).

Pergunta:

Aceitem as minhas felicitações pelo vosso enorme esforço. Ajudam-me todos os dias.

Venho perguntar qual a forma mais correcta: «o preço do metro quadrado/do quilo/da resma», ou «por metro quadrado/por quilo/por resma»?

Obrigado.

Resposta:

Pode dizer das duas maneiras, que correspondem a perspectivas próximas mas diferentes:

a) «o preço do metro quadrado» = o preço que tem um metro quadrado;

b) «o preço por metro quadrado» = o preço que se distribui por cada metro quadrado.

Em a), «do metro quadrado» estabelece a simples relação entre um valor e uma unidade (o metro quadrado), induzindo uma interpretação locativa ou possessiva. Em b), «por metro quadrado» deixa implícita a operação de multiplicação de um valor por um conjunto de unidades, permitindo uma leitura distributiva.