Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Que critério se utiliza para nomear as localidades? Ex.: O que é que está correcto, Câmara Municipal de Alandroal, ou Câmara Municipal do Alandroal?

Resposta:

aqui falámos do uso de topónimos com artigo definido. No caso de Alandroal, o topónimo tem origem num nome comum (alandroal, «lugar onde há muitos alandros»)1 e, como tal, deve usar-se com artigo definido; leia-se José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa:

«Do s[ubstantivo] m[asculino] (a)landroal, plantação de (a)landros (o m[esmo] q[ue] (e)loendro), mas certamente de uma forma *alandrão, como Sardoal de sardão, meloal de melão, etc. [...].»

1 José Pedro Machado, Grande Dicionário da Língua Portuguesa (Círculo de Leitores). Alandro é o mesmo que loendro, «nome vulgar do Nerium oleandercevadilha, espirradeira, loureiro-rosa, loendreira (idem). Lin., arbusto da família das Apocináceas, subfamília das equitóideas, tribo das equitídeas; o m. q.

Pergunta:

O termo "nazireu" existe? Se sim, qual o seu significado e a sua etimologia?

Resposta:

Existe, mas deve preferir-se nazareu, como designação de uma antiga seita hebraica anterior ao cristianismo. Nazireu encontra-se registado na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira (GEPB), assim definido:

«Hebreu que se consagrava ao sacerdócio, conquanto não fosse da tribo de Levi. Hebreu que fazia o voto de não cortar o cabelo nem beber vinho. (Corrup[ção] de nazareu).»

É, no entanto, curioso verificar que da mesma enciclopédia não consta a entrada nazareu mas, sim, nazaréu, que é definida como «o mesmo que nazareno», que vem «do hebr[aico] nazir, consagrado, pelo lat[im] nazaraeu». No verbete de nazareno, damo-nos conta de que existe alguma confusão entre este termo, que significa «relativo ou pertencente a Nazaré [na Palestina]» e «relativo aos Cristãos», e nazaréu ou naziréu, nome sobre o qual se diz:

«no Antigo Testamento, é dado [...] a personagens como Sansão, Samuel, etc.;  essa palavra significa "separado, isolado" e servia para designar não um cidadão de Nazaré mas, sim, um homem votado especialmente ao serviço de Deus. Não está plenamente explicado em que sentido os profetas chamaram nazaréu ou nazireu ao Cristo futuro. O evangelista S. Mateus, registando o regresso de Jesus a Nazaré, vê nisso o cumprimento de profecias. Foram também chamados nazarenos ou nazareus uns grupos religiosos que, nos primeiros tempos do Cristianismo, pretendiam aliar as práticas cristãs e as mosaicas.»

Esta fonte acolhe ainda a forma nazarita, «pessoa de raça judaica que se dedicava ao serviço de Jeová, e professava a abstinência, pureza absoluta...

Pergunta:

Qual a pronúncia correta: "Amambai", ou "Amambaí", tendo em vista que as imprensas falada e escrita têm adotado a primeira grafia, contrariando o que aprendemos em Jutaí, Araçuaí, Unaí, Gravataí, Avaí, Caracaraí e todas as outras terminadas em "ai" precedido de consoante?

Resposta:

Ao que parece,  toda a gente pronuncia "Amambai", mas, historicamente e atendendo à ortografia, deveria pronunciar-se "Amambaí". Esta forma tem hiato final, porque o i constitui uma sílaba, que, neste caso, é tónica, daí o acento gráfico. Trata-se do nome de uma cidade do estado brasileiro do Mato Grosso do Sul (cf. Dicionário Houaiss, s. v. amambaiense), que se se inclui no vasto conjunto de topónimos de brasileiros de origem tupi-guarani, como mostra José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa), baseado em Antenor Nascentes (Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa).

Acontece que a pronúncia "Amambai", com ditongo "ai", se generalizou contrariando a etimologia. Hildebrando Campestrini, em Questões Gramaticais Sul-Mato-Grossenses (Campo Grande, Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul, 2003, págs. 27/28), disponível na Biblioteca Electrónica do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul, explica por que razão essa pronúncia é um equívoco:1

«Há, entre os amambaienses, conivência no sentido de não aceitar a forma Amambaí, etimologicamente correcta.

Segundo João Batista de Sousa (em Mato Grosso, Terra da Promissão, São Paulo, 1953, p. 206), até 1930, a pronúncia Amambaí era generalizada; daí por diante, surgiram as dúvidas, eis que, como diziam alguns, os paraguaios, conhecedores do guarani, pronunciava...

Pergunta:

Não estando em campanha contra quem quer que seja, deparo-me, no que respeita ao português falado e escrito, com grandes perplexidades na comunicação social no nosso Portugal.

E até pode ser que seja eu o equivocado nos reparos que faço regularmente ao sempre qualificado Ciberdúvidas, razão pela qual, para meu proveito, continuo inquirindo.

1) — O ministro Rui C. Pereira (Administração Interna) pronuncia "ale(é)rtados"; por mim julgo saber que se deve dizer alertados com e fechado. Quem tem razão?

2) — Ainda na RTP África, de 1/04, vi escrito "antipilético". A eliminação do c antes do t julgo que está bem, segundo a nova ortografia, agora, pelo contrário, não seria de considerar como correto "anti-epilético" (talvez sem hífen: "antiepilético")?

Noto que continuo a escrever epilepsia, pois no português europeu o p pronuncia-se. Será assim?

A propósito: em alguns canais da TV há uma grande confusão na pronúncia das palavras (pré-Acordo 1990)

Egipto, egípcio, egiptologia, egiptólogo

Ou agora

Egito, egípcio, egiptologia, egiptólogo

Na Europa, se estou certo, apenas em Egipto deixamos de pronunciar o p.

É que já ouvi, por mais de uma vez, "egitologia" e "egitólogo".

Poderá Ciberdúvidas ter a bondade de me esclarecer?

No [recente] golpe político/militar da Guiné (Bissau), um António Aly Silva, pelos revoltosos, afirma (sic) que não pode tolerar-se haver ministros analfabetos do Governo agora deposto. Felizmente cá na nossa terra, pa...

Resposta:

A transcrição do infinitivo de alertar é [ɐlɨɾ`taɾ], com e mudo, sempre que a sílaba -ler- for átona (por exemplo: alertamos, com e mudo, mas alerto, com e aberto). Apesar disso, é preciso atentar no que assinala António Emiliano em Fonética do Português: Descrição e Transcrição (Lisboa, Guimarães Editores, 2009, pág. 251) sobre «reposição de vogais átonas não reduzidas em derivados ou em início de palavra»:

«[...] está em franca expansão o número de formas que apresentam vogais átonas não reduzidas, ou seja, formas que contêm excepções ao processo de elevação do vocalismo átono, importante aspecto da fonologia do português europeu que resultou no fechamento generalizado das vogais em posição inacentuada. As formas inovadoras integram-se em diversas rubricas: nalguns casos, a reposição de vogais "abertas" é o resultado da extensão do processo de preservação da vogal tónica da forma simples em derivados (e. g. "al[ɛ]rtar" por "al[ɨ]tar", por influência de "al[ɛ]rta", noutros casos a reposição resulta de simples analogia (e. g. "iter[a]ção" por "iter[ɐ]ção", por analogia com palavras excepcionais como "[a]cção"), noutros casos ainda, a reposição ocorre em posição inicial de palavra, em virtude de spelling pronunciation reforçado pela tendência fonológica do português para a abertura de vogais em posição inicial (e. g. "[a]lerta" por "[ɐ]lerta", "[e]xacto" por "[i]xacto", "[o/ɔ]relha") [...].»

Note-se contudo que esta tendência não é incluída...

Pergunta:

Como grafar em português correctamente a capital da Lituânia? Já vi "Vilnius" e também já vi "Vilna", esta última usada em castelhano.

Estará o termo "Vilna" mais correctamente de acordo com as regras lexicais do português? Tenho um amigo lituano que me colocou esta questão.

Resposta:

A forma Vilna tinha o favor dos filólogos, pelo menos, na década de 40 do século passado. Quem consulte o Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves, publicado em 1947, encontrará Vilna (pág. 361) como equivalente português ao que nessa época se considerava «topónimo alienígena», Wilnius. Dizia Rebelo Gonçalves (op. cit., pág. 361, n. 2):

«[Vilna é] [r]egisto do Vocabulário de Bluteau e do da A. C. L. [Academia das Ciências de Lisboa]. Com tal forma se reproduz o nome que em lituano é propriamente Wilnius, embora por influência russa os Lituanos usem Vìlna, e a que correspondem em russo Vil´na, em polaco Wilno, etc. (informação do St. V. Cocco, assistente da Faculdade de Letras de Coimbra).

Damião de Góis, na Crónica de D. Manuel, II, cap. I, usa a variante Vilno. Não obstante, é preferível a forma em -a, que, sendo também abonada por textos (Bluteau cita um exemplo do Martirológio em Português), tem ainda a recomendá-la o neolatinismo Vilna

Actualmente, escreve-se Vilnius em lituano, e tem sido esta a forma mais corrente em português, ao mesmo tempo que Vilna anda esquecida, talvez porque a Lituânia e a sua capital não têm sido presenças constantes nas culturas de língua portuguesa. De qualquer modo, se atentarmos nas palavras de R. Gonçalves, há boas razões para recuperar a forma mais vernácula. Fica feito o repto.

 

N. E. (11/07/2023) – Sem prejuízo da correção da forma Vilna...