Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na oração «Ele descreve o problema num dos trechos da carta a D. Manuel.», qual seria a função sintática da expressão «a D. Manuel»?

Resposta:

Trata-se de um complemento nominal. O Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos, de Francisco Fernandes, assim o sugere, quando atribui ao substantivo carta regências construídas com as preposições a e para e a locução prepositiva acerca de, à qual podemos juntar outras palavras e expressões sinónimas como sobre e a respeito de.

Pergunta:

A locução conjuntiva «eis que» só pode ser temporal e jamais causal?

Obrigada.

Resposta:

A sequência «eis que» não é uma locução conjuntiva, é apenas a associação da palavra eis, tradicionalmente classificada como advérbio, à conjunção que, introdutora de orações.1 A sequência em apreço encontra-se descrita por Maria Helena de Moura Neves, no Guia de Uso do Português (São Paulo, Editora UNESP, 2003):

«1. Eis é palavra que aponta para adiante no texto, constituindo marca introdutora de informação. Significa, aproximadamente, "aqui apresento", "adiante está". EIS a minha história. [...]

2.Quando se segue uma oração, forma-se a expressão "eis que". E EIS QUE as chuvas se intensificaram [...].»

O que o consulente talvez pretenda é a expressão «eis senão quando», que, assumindo valor temporal, mostra também carácter adverbial, com função textual próxima de «eis que», como refere a fonte consultada (idem):

«3. A expressão "eis senão quando", também marca introdutora de informação, tem valor temporal, indicando subitaneidade. Procura que procura, EIS SENÂO QUANDO, numa volta da floresta, depara nada mais nada menos que com um urso [...].»

1 O consulente Fernando Bueno (Belo Horizonte, Brasil) comunica-me gentilmente que no português do Brasil se está a usar «eis que» como locução conjuntiva causal. Como não encontro este uso descrito em obras normativas publicadas no Brasil (por exemplo, a fonte em referência na resposta ou Moderna Gramática Portuguesa de Evanildo Bechara), confirmo que se trata de um uso incorre{#c|}to, não aceite pela norma b...

Pergunta:

O significado da expressão «carapau de corrida» pertence ao senso comum,  mas qual é a sua origem?

Resposta:

A origem da expressão «carapau de corrida» é obscura, como se regista no livro Puxar a Brasa à Nossa Sardinha, da autoria da jornalista Andreia Vale (editora Manuscrito):

«Não há uma explicação certa para a origem da expressão, mas uma das duas versões plausíveis é a de que os carapaus, mesmo sendo uma espécie de peixe que é rápida, acabam apanhados nas redes de pesca. Podemos daqui deduzir que mesmo os melhores – ou os que se acham melhores – e armados em espertos podem acabar por ser apanhados ou desmascarados.

Outra versão alega que a expressão pode ter nascido nas lotas, onde o peixe era vendido em leilões invertidos. Começava por se anunciar um preço mais alto e depois ia-se descendo até que alguém o comprasse. O peixe mais caro e de melhor qualidade era vendido em primeiro lugar e para o fim ficavam os peixes de menor qualidade. Conta-se que as peixeiras que compravam esse peixe de fim da lota, mais barato, iam a correr até à vila, para tentarem chegar ao mesmo tempo que as primeiras peixeiras, que já lá estavam a vender o peixe mais caro e de melhor qualidade. As peixeiras que chegavam em último tentavam assim enganar os clientes vendendo o peixe ao mesmo preço que as outras. Só que nem todos se deixavam enganar por esta esperteza saloia: alguns fregueses percebiam que aquele era... "carapau de corrida", um peixe de menor qualidade.»

Pergunta:

Quanto ao exemplo de infinitivo aplicado como complemento nominal de alguns adjetivos («Esse exercício é fácil de fazer»), isso também não ocorre com alguns substantivos desde que o substantivo peça algum complemento nominal? Exemplo:

«Ela tem o direito de reivindicar.»

«De reivindicar» também é complemento nominal?

E se a frase fosse: «Ela tem o direito de reivindicar por seus direitos.» Somente nesse caso se teria uma oração subordinada completiva nominal reduzida de infinitivo?

E quanto a uma frase em que o nome não pede complemento, exemplo: «Ele disse novidades de entusiasmar»? «De entusiasmar», aqui, seria então uma oração adjetiva reduzida?

Obrigado.

Resposta:

1. Numa perspectiva tradicional, um complemento nominal liga-se «[...] ao substantivo, ao adjectivo ou ao advérbio cujo sentido integra ou limita» (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, pág. 140)». Por conseguinte, se «de fazer» e «de reivindicar» dependem do adjectivo fácil e do substantivo direito, respectivamente, então é porque são complementos nominais.1 Como os núcleos desses complementos são verbos no infinitivo, dizemos que essas orações são completivas reduzidas de infinitivo; e podemos ainda afirmar, seguindo a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGP), que se trata de completivas-nominais.2

2. Quanto à frase «Ele disse novidades de entusiasmar», a resposta é sim, atendendo ao que Evanildo Bechara exemplifica na sua Moderna Gramática Portuguesa (Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 2002, pág. 516):

«As orações adjetivas reduzidas têm o verbo, principal ou auxiliar, no:

a) infinitivo:

"O orador ílhavo não era homem de se dar assim por derrotado" [Almeida Garrett...].»

Ou seja, orações introduzidas pela preposição de que modifiquem um substantivo são equivalentes a orações adjectivas não finitas: «Ele disse novidades de entusiasmar.» = «Ele disse novidades que entusiasmam/entusiasmavam»; «O orador ílhavo não era homem de se dar assim por derrotado.» = «O orador ílhavo não era homem q...

Pergunta:

Ao fazer a revisão de um texto, corrigi a oração «(...) que aí terá nascido cerca de 1541» para «(...) que aí terá nascido em cerca de 1541».

O autor do texto questionou a validade da correcção, e eu gostaria de saber qual é a forma correcta.

Ao pesquisar o site, apenas encontrei referência à dúvida «nascido em» ou «nascido a», e a explicação apresentada sustenta a minha correcção. A colocação do advérbio cerca permite omitir a preposição?

Obrigada.

Resposta:

Em expressões de tempo relativas a datas exactas, pode-se usar a locução prepositiva cerca de antecedida ou não da preposição em:

«X nasceu em cerca de 1541.»

«X nasceu cerca de 1541.»

Tanto quanto sei, a tradição não prevê qualquer restrição a estes usos nem os distingue por ordem de preferência. Se consultarmos um corpus, por exemplo, o de Mark Davies e Michael Ferreira (Corpus do Português), verificamos que ocorre tanto em cerca de como cerca de, embora a primeira locução seja mais frequente que a segunda; seguem-se alguns exemplos (português brasileiro = PB; português europeu = PE):

A. Em cerca de

«Um primitivo Atlas geográfico teria sido desenvolvido por Cláudio Ptolomeu em cerca de 150 a. C. [...]» (PB)

«Mas, apenas alguns anos mais tarde, em cerca de 1428, eles foram novamente expulsos da região [...].» (PB)

«A criação de bichos-da-seda é designada por sericultura, tendo começado na China em cerca de 2000 a. C.» (PE)

«A enciclopédia literária Suda, que proporciona informações em abundância sobre a literatura clássica e a literatura bizantina, foi compilada em cerca de 975.» (PE)

«Segundo o Antigo Testamento, Abraão foi de Harã para Canaã, em cerca de 1800 a. C. (PE)...»

B. Cerca de

«agulha-de-Cleópatra. Nome atribuído a um dos dois antigo...