Pergunta:
Gostaria de saber se há algum estudo sobre progresso/desenvolvimento que possa estabelecer uma relação entre o domínio da língua/idioma e o desenvolvimento do país. Falo isso porque vejo a língua portuguesa ser massacrada dia após dia, não só em favelas ou escolas públicas, mas também em universidades, empresas e no governo. As pessoas não se importam se está certo ou errado — português é complicado e pronto.
Há um conceito geral de que a língua é um entrave ao desenvolvimento de ideias numa conversa, numa explanação, quando na verdade a compreensão devida de vocabulário e técnicas de linguagem facilitam a comunicação, a compreensão de informação, o desenvolvimento de ideias, e isso tem total relação com criatividade, inovação e autonomia — ao meu ver, ingredientes indispensáveis para o progresso de um país.
A educação no Brasil passa por problemas estruturais, fundamentais, e a cada dia mais e mais jovens de formação medíocre são inseridos no mercado de trabalho, graças a uma formação permissiva e vazia.
Escolas públicas não reprovam mais. E faculdades particulares só se interessam pela devida manutenção de caixa. O mercado de trabalho conta com critérios pouco criteriosos de seleção - e seus dirigentes não chegam a ser exemplo de desenvoltura com a língua portuguesa. A única salvação seria o mercado consumidor, que se vende por preço e não por qualidade, então não interessa muito ser da China, dos EUA ou do Brasil, sendo barato é o que importa.
Não há critério – e sem critério não há desenvolvimento.
Vejo a sociedade cada vez mais ignorante, uma total desconsideração com a língua portuguesa, como se ela fosse apenas uma disciplina chata da escola e ninguém consegue relacionar de fato a ligação que existe entre o desenvolvimento de uma nação e o domíni...
Resposta:
Penso que o problema focado pela consulente passa mais pela relação da escolarização com o acesso à cultura e o que hoje se chama cidadania nas sociedades contemporâneas. A crença na dificuldade do português está disseminada nos diferentes países lusófonos, em grande parte, porque há diferenças maiores ou menores, conforme os países, entre a norma-padrão e os dialectos e os sociolectos da maioria da população: acontece que muitas crianças e jovens, tendo ou não por língua materna um dialecto ou um sociolcto português, só em contexto escolar contactam com a norma-padrão; finda a escolaridade obrigatória, muitos ficarão com um conhecimento imperfeito das diferentes dimensões da língua, porque não activam nem desenvolvem competências em contextos (sociais ou mais especificamente laborais) que favoreçam o desenvolvimento pessoal, autonómo e responsável. Sabendo que vivemos em sociedades massificadas, nas quais se consagram direitos que são universais, como a educação, compreende-se que não é fácil conciliar critérios de exigência com critérios de sucesso, quando à partida os que aprendem falam modalidades linguísticas alheias a áreas de actividade e pensamento tradicionalmente veiculadas pela norma-padrão. Na verdade, o domínio da norma-padrão é também a senha de acesso a instâncias mais complexas de intervenção em sociedade.
Dado que estamos a falar da função em sociedade das variedades de uma língua, recomendo Norma e Variação (Lisboa, Editorial Caminho, 2007), da autoria de Esperança Cardeira e Maria Helena Mira Mateus, que, indo de certo modo ao encontro das reflexões da consulente, traçam o seguinte quadro da situação da norma-padrão no Brasil (pág. 40):
«Tardio, débil, o ensino da língua no Brasil não conseguiu ainda colmatar o fosso entre a língua de uma população forjada na escravatura e na miscigenação e a de uma elite escolarizada segundo padrões ...