Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Seria possível dizerem-me palavras que se integrem no campo lexical (vocabulário) de bosque e lago?

Resposta:

Na pergunta fica-se um pouco na dúvida sobre o que se pede:

a) palavras do campo lexical1 que abrange bosque e lago?

b) ou pretendem-se, por um lado, palavras que pertençam ao campo lexical de bosque e, por outro, palavras que façam parte do campo lexical de lago?

Se a), podemos ter clareira, rio, animal, e as próprias palavras bosque e lago, porque se depreende que o campo lexical em questão seja o de um determinado espaço natural, por exemplo, uma reserva florestal ou um parque.

Se b), árvore, animal, esquilo, ave podem ser designações de elementos que se relacionam com a noção de bosque; as palavras lago, rio ou cascata também poderão fazer parte desse campo lexical. Quanto ao campo lexical de lago, é possível associar-lhe as palavras margem, peixe, água, entre outras.

1 Campo lexical: «Conjunto de palavras associadas, pelo seu sig...

Pergunta:

Outro dia, eu estava pensando na seguinte frase: «Eu o considero como quem não presta», para mim, sintaticamente semelhante a «Eu o considero como amigo». O que me assustou foi a análise sintática que fiz (não contemplada por nenhum gramático, pelo que sei). Assim como «como amigo» exerce função sintática de predicativo do objeto direto, também ocorre a mesma análise para a oração «como quem não presta». Faz sentido classificar a oração «como quem não presta» como oração subordinada substantiva predicativa do objeto direto justaposta ou simplesmente oração subordinada adjetiva restritiva justaposta? Não encaro o quem como pronome relativo sem antecedente, mas um simples pronome indefinido, sujeito do predicado «não presta». 

Obrigado.

Resposta:

Não existe qualquer problema em uma relativa livre (ver resposta As frases relativas livres ou sem antecedente) desempenhar a função de predicativo do objecto directo. A oração «quem não presta» é uma oração subordinada substantiva relativa introduzida com a função de predicativo do objecto directo. Quem é um pronome relativo sem antecedente.

Assinale-se que as relativas livres ocorrem igualmente como predicativo do sujeito:

«Ele é quem não presta.»

A possibilidade de o predicativo do sujeito ser realizado por uma oração substantiva é referida por Celso Cunha e Lindley Cintra, na sua Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pág. 136), apoiando-se nos seguintes exemplos (o negrito é do original):

1. «A verdade é/que eu nunca me ralara muito com isso» (Maria Judite de Carvalho, [Os Armários Vazios, 2.ª ed., Amadora, Livraria Bertrand, 1978]107).

2. «Uma tarefa fundamental é/preservar a história humana» (Nélida Piñón, [A Força do Destino, 2.ª ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1980], 73).

Nestes exemplos, têm função de predicativo do sujeito as orações substantivas completivas, «que eu nunca me ralara muito com isso» (finita) e «preservar a história humana» (não finita). Mas não me parece descabido generalizar a função de predicativo do sujeito e predicativo do objecto directo às orações relativas livres, porque estas são também substantivas.

Pergunta:

Gostaria que me ajudassem numa questão sobre o Novo Acordo Ortográfico (NAO). Aqui no Brasil, antes da entrada do NAO, recomendava-se que se utilizasse o trema nalguns vocábulos: cinquentenário; sagui; pinguim; consequência; ambiguidade; unguento; linguística; subsequente; linguiça; cinquenta; equestre; aguentar; sequestrador; sequela; tranquilidade.

Noutros casos era de uso facultativo: liquidações/liqüidações; liquidificador/liqüidificador; antiguidade/antigüidade; sanguíneo/sangüíneo. É, pois, nesses casos, que reside minha dúvida. Segundo o NAO, em sua Base XIV: «Do Trema, 1. O trema, sinal de diérese, é inteiramente suprimido em palavras portuguesas ou aportuguesadas.» Nos casos em que era facultativo o uso do trema, e cuja pronúncia, consequentemente, também o era, será suprimida a que levava o trema, ou permaneceram ambas pronúncias, só que sem o trema? Há, ainda, alguns vocábulos mais difíceis ou de uso menos frequente em que estava o trema para ajudar na pronúncia. São eles, dentre outros: ágüe/agüemos, alcagüete, apazigüemos, aqüicultura, argüir, bilingüismo, contigüidade, delinqüência, desmilingüir, enxágüe, eqüidistante, <...

Resposta:

Vale a pena transcrever integralmente a Base XIV do Acordo Ortográfico de 1990 (AO 1990): 

«O trema, sinal de diérese[1], é inteiramente suprimido em palavras portuguesas ou aportuguesadas. Nem sequer se emprega na poesia, mesmo que haja separação de duas vogais que normalmente formam ditongo: saudade, e não saüdade, ainda que tetrassílabo; saudar, e não saüdar, ainda que trissílabo; etc.

Em virtude desta supressão, abstrai-se de sinal especial, quer para distinguir, em sílaba átona, um i ou um u de uma vogal da sílaba anterior, quer para distinguir, também em sílaba átona, um i ou um u de um ditongo precedente, quer para distinguir, em sílaba tónica/tônica ou átona, o u de gu ou de qu de um e ou i seguintes: arruinar, constituiria, depoimento, esmiuçar, faiscar, faulhar, oleicultura, paraibano, reunião; abaiucado, auiqui, caiuá, cauixi, piauiense; aguentar, anguiforme, arguir, bilíngue (ou bilingue), lingueta, linguista, linguístico; cinquenta, equestre, frequentar, tranquilo, ubiquidade.

Obs.: Conserva-se, no entanto, o trema, de acordo com a Base I, 3.º, em palavras derivadas de nomes próprios estrangeiros: hübneriano, de Hübner, mülleriano, de Müller, etc.»

Presume-se, portanto, que o trema desaparece mesmo, não havendo lugar para casos de facultatividade. Mas, para quem tenha dúvidas, a Nota Explicativa do AO 1...

Pergunta:

Eu queria saber o significado do provérbio: «Papagaio come milho, periquito leva a fama.»

Obrigada.

Resposta:

Segundo o Dicionário de Provérbios – Francês/Português/Inglês, de Roberto Cortes de Lacerda et al. (Lisboa, Contexto Editora, 2000), o provérbio «Papagaio come milho, periquito leva a fama» é equivalente a outros como:

«O justo paga pelo pecador.»
«Pela abelhas de S. Pedro pagam as de S. Paulo.»
«Todo (o) pássaro come trigo, mas quem paga é o pardal.»
«Todos os pássaros comem trigo, só o pardal tem a culpa.» 

Na fonte consultada, interpretam-se estes provérbios pela paráfrase «Acusam-se sempre os mesmos.»

Pergunta:

Estou fazendo um trabalho sobre um indicador muito conhecido pela sigla em inglês OEE (Overall Equipment Effectiveness). A tradução em português é «Eficácia Global de Equipamentos», e não existe uma sigla reconhecidamente utilizada em português. Em frases do tipo: «O OEE avalia a eficácia global dos equipamentos», que gênero devo utilizar: feminino, ou masculino, ou seja, o correto é «o OEE», ou «a OEE»?

Obrigado.

Resposta:

O ideal era criar, com base na tradução, a sigla EGE, que seria do género feminino. Mas, tratando-se de sigla estrangeira, segue-se o critério de dar o género que se atribuiria à tradução em português. Por causa disso, é de esperar que se diga «a OEE». No entanto, como a sigla representa a designação de um indicador, encontram-se realmente ocorrências no género masculino, como no caso apresentado pelo consulente. Apesar disso, considero que tal uso não é preferível ao de OEE no feminino.