Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

O desenvolvimento da tecnologia é, como se sabe, um duplo desafio para a língua portuguesa, porque, além da fidelidade idiomática pedida pela criação de um novo termo, impõe-se também fazer frente à pressão das línguas em que essa vanguarda tecnológica encontra expressão. São, por isso, de assinalar os esforços que, de modo institucionalizado ou como espontâneas reacções, têm levado a substituir o jargão informático anglo-saxónico por formas mais de acordo com as estruturas fonológica e morfo...

Pergunta:

Será lícito o uso da expressão «actividades prestadas»? Ou seja, é possível empregar o verbo prestar com a palavra actividades? Ou apenas «se prestam serviços»?

É aceitável a frase: «Renovar e diversificar as actividades prestadas aos associados, garantindo o funcionamento e a sustentabilidade da Associação, tendo em conta as novas realidades e os desafios profissionais das instituições onde trabalham»?

Resposta:

Formalmente, a frase não é aceitável, e não se recomenda a expressão «actividades prestadas (a)», sendo preferível substituí-la por «actividades destinadas (a)» ou «actividades dirigidas (a)» Com o particípio prestado é mais adequado empregar palavras como serviço (ou serviços), auxílio, apoio e ajuda.

A fraca ou nula aceitabilidade de «actividades prestadas» deve-se a restrições que operam em dois níveis de análise estreitamente ligados, semântico e lexical, como a seguir se explica com mais pormenor.

1. Nível semântico

A incompatibilidade de prestadas, particípio passado de prestar, com actividades é interpretável no âmbito da especificação das propriedades semânticas dos argumentos do referido verbo, cujo objecto (sintacticamente, o complemento directo) tem por núcleo um substantivo abstracto que designa o propósito ou a finalidade da acção do sujeito, visando um beneficiário: diz-se «auxílio prestado» ou «prestar auxílio», «apoio prestado» ou «prestar apoio», «ajuda prestada» ou «prestar ajuda», porque serviço, apoio, ajuda pressupõem um sujeito que age em benefício de outrem.

Por outro lado, actividades, no plural, ganha uma ideia de concretude, afastando-se do sentido abstracto do seu singular, ao mesmo tempo que veicula uma ideia de acção, que s...

Pergunta:

Agradeço informação sobre onde aprender as regras gerais para abreviar palavras. Como abreviar «Administração de Pessoal e Vencimentos», de forma a não ocupar mais do que 21 espaços (em texto para Internet)?

É mais correcto «Adm. Pes. Vencimento», ou «Adm. Pessoal Vencim.»?

Grata pela atenção dispensada.

Resposta:

Não se pode dizer que haja regras fixas e preexistentes à formação das abreviaturas. Estas dependem sobretudo de convenções que impõem uma segmentação nem sempre sistemática. No entanto, observa-se a tendência para as abreviaturas corresponderem à primeira sílaba e à consoante da segunda sílaba da palavra abreviada. É o que se vê em prof. para professor.

Outra tendência é começar pela primeira letra da palavra ou pela sequência formada pela primeira sílaba e letra inicial da segunda sílaba e terminar com a última letra, como se constata em sr. para senhor, p.e para padre ou prof.ª para professora. Mas muito depende também de como a abreviatura se fixou por tradição. Por exemplo, para administração é frequente usar admin., mas, para pessoal, pode-se propor p., pes. ou pess. Sendo assim, são aceitáveis as duas formulações propostas pela consulente, porque não existem abreviaturas fixadas por convenção para administração, pessoal ou vencimento.

Note-se que na formação de abreviaturas é obrigatório o uso de um ponto, ou a terminar a abreviatura (caso de prof. ou admin.), ou intercalado entre uma sequência de letras iniciais e a letra final, em expoente (prof.ª, p.e).

Pergunta:

Gostaria de saber se está correto dizer "relise" ao invés de "release" para o texto jornalístico enviado por assessorias de imprensa.

Grata.

Resposta:

Parece tratar-se de um aportuguesamento espontâneo de release (ou press release), «material informativo distribuído entre jornalistas antes de solenidades, entrevistas, lançamentos de filmes etc., com resumos, biografias, dados específicos que facilitem o trabalho jornalístico» (Dicionário Houaiss). A forma "relise" pode ter sido criada por ignorância da grafia original da palavra em inglês, mas afigura-se um aportuguesamento ortográfica, fonética e morfologicamente legítimo. Só não está é ainda registado nem em dicionários, nem em prontuários, pelo que me parece mais prudente continuar a escrever release, em itálico ou entre aspas.

Pergunta:

Gostaria de saber se ano pode ser considerado nome colectivo. Obrigada pela ajuda!

Resposta:

Embora a palavra ano possa ser definida como «conjunto de 12 meses» ou «conjunto de 365 dias (ou 366, se for bissexto)1 as obras que consultei2 não o registam como substantivo colectivo. Eu diria que ano como nome não é colectivo, até porque leio num estudo sobre substantivos colectivos o seguinte:

«Os entes contínuos não formam grupos: não se pode tomar como elemento o que é simples medida (dia, ano, verso, etc.). Portanto, não são coletivos termos como TRIÊNIO, LUSTRO, SÉCULO, SEXTILHA, TERCETO, etc. De outro modo, e em arrepio do sentimento lingüístico, teríamos que aceitar como coletivos vocábulos como DIA (24 horas), HORA (60 minutos), QUILO (mil gramas), QUILOWATT (mil watts), QUILÔMETRO (mil metros), etc.» (José Luiz Mercer, "Breve reflexão sobre o substantivo coletivo", Letras, 28, 1979, pág. 139).

Ou seja, ano não é nome colectivo porque a sua subdivisão em meses ou dias não corresponde a elementos individualizados mas, sim, a segmentações numa entidade contínua que é o tempo.

Esta argumentação pode ser discutível, porque parece mais filosófica do que linguística. Seja como for, devo observar que, no contexto escolar, teria o cuidado de apenas trabalhar com palavras acerca das quais gramáticas, dicionários e prontuários mostram consenso quanto a classificá-las como substantivos colectivos.

1  O Dicionário Terminológico define nome colectivo como «[o] que se aplica a um conjunto de objectos ou entidades do mesmo tipo».

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