Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Examine-se a seguinte frase:

«Confrontado com a verdade, o coronel finalmente se deu a conhecer.»

Peço a gentileza de que seja feita a análise sintática da oração «o coronel finalmente se deu a conhecer».

[...] [P]ergunto ainda se a expressão «deu a conhecer» em «Ele nos deu a conhecer o objeto da discussão» é uma locução verbal? Se não, como se analisariam sintaticamente os termos oracionais «nos» e «a conhecer»?

Obrigado.

Resposta:

Há, pelo menos, duas possibilidades de análise:

1. O Dicionário de Usos do Português do Brasil, de Francisco S. Borba (São Paulo, Editora Ática, 2002), regista como subentradas de dar, classificando-as como locuções, as expressões dar a conhecer, «revelar», e dar a entender, «insinuar», o que significa que se comportam como um todo, como expressões fixas. Nesse caso, a análise sintáctica considerará que, por exemplo, dar a conhecer é uma expressão verbal que, globalmente, desempenha determinada função sintáctica, ou seja, considerando os exemplos apresentados pelo consulente:

1. «O coronel finalmente se deu a conhecer»1 

sujeito: «o coronel»

predicado: «finalmente se deu a conhecer»

adjunto adverbial ou modificador: «finalmente»

objecto directo: «se» (reflexo)

 

2. «Ele nos deu a conhecer o objecto da discussão.» 

sujeito: «ele» 

predicado: «nos deu a conhecer o objecto da discussão.» 

objecto indirecto: «nos» 

objecto directo: «o objeto de dicussão»

 

2. Uma alternativa é encarar a construção dar a + infinitivo como integrando uma estrutura oracional em que

Pergunta:

Durante as transmissões futebolísticas através da televisão, vêem-se nos estádios faixas e cartazes com expressões como estas: «É nóis na fita», «Filma nóis Galvão», «Filma eu» e semelhantes... Como vê o Ciberdúvidas tais "manifestações"? Olho para isso com um misto de preocupação e desprazer, pois creio que a língua não deveria ter chegado a semelhante estado de degeneração!

Muito grato!

Resposta:

Do ponto de vista normativo, trata-se de formas inaceitáveis. Numa perspectiva descritiva, são exemplos de variantes marginais da língua, nas suas modalidades brasileiras.

Gostaria também de comentar aquilo que o consulente chama «estado de degeneração», porque é pertinente saber o que se quer dizer por degeneração quando se fala de língua. A descrição do uso linguístico envolve necessariamente o confronto com expressões e estruturas não normativas. As frases em questão são reflexo directo de uma maneira de falar popular, que se identifica com o ambiente dos estádios de futebol, desporto de multidões. A televisão, acabando por difundir e ampliar essas manifestações, pode levar muitos falantes menos escolarizados — entre eles os que ainda frequentam a escolaridade obrigatória — a crerem que essas formas e construções são aceitáveis. Penso que essas formas só serão interpretadas literalmente se na escola e nas famílias não houver o cuidado de informar os mais jovens sobre o carácter dialectal de tais produções. Quanto a mim, trata-se de uma intervenção que visa desenvolver a cultura linguística de cada falante, dando-lhe os meios para saber avaliar a relação das formas linguísticas com o contexto sociocultural em que elas ocorrem.

Mas também considero que condenar liminarmente o que é sinal de variação do português do Brasil pode equivaler a ignorar neuroticamente a realidade de uma língua num determinado território e contexto social: a forma escrita "nóis" não é normativa, mas refle{#c|}te uma realização fonética generalizada na pronúncia do Brasil, mesmo entre as classes cultas; e estruturas normativamente inaceitáveis como «filma nóis» e «filma eu» relevam de certas especificidades históricas do português do Brasil. Convém acrescentar que, no português europeu, formas e construções não normativas como "voceses", "pa" em vez de para, "le" em vez...

Pergunta:

O Dicionário Terminológico apresenta entre as diversas classes morfológicas os «Advérbios de frase» e os «Advérbios conectivos», mas dá poucos exemplos para cada uma. Se eu percebi bem, correspondem, respectivamente, a aquilo que gramáticas da língua inglesa chamam de «Disjuncts» e «Conjuncts». Essas gramáticas listam categorias semânticas para cada uma delas ("fact-evaluating", "modal", "subject-evaluating", "addition", "contrast", "adversity", "example", etc.), mas até hoje não encontrei algo similar para o português. Onde é que posso encontrar uma lista completa (na net ou em livros) de advérbios de frase e de advérbios conectivos?

Desde já, obrigado!

Resposta:

Penso que encontra a classificação que procura em O Advérbio em Português Europeu (Lisboa, Edições Colibri, 2008), de João Costa. Desta obra, é possível extrair, muito resumida, a seguinte lista, que não dispensa a consulta directa (Costa, op. cit., págs. 53-63):

Advérbios modificadores de frase (compreendem duas subclasses):

1. Advérbios avaliativos: «denotam uma avaliação feita sobre o conteúdo da proposição» (idem, pág. 53)

a) advérbios avaliativos orientados para o falante: «fornecem informação sobre a atitude do falante relativamente àquilo que é dito» (idem, pág. 54); exs.: francamente, surpreendentemente, felizmente, infelizmente, sinceramente, honestamente, decididamente, lamentavelmente, estranhamente, incrivelmente, curiosamente, categoricamente, forçosamente, irremediavelmente, fatalmente, necessariamente, visivelmente, manifestamente, ostensivamente, notoriamente, erroneamente, exageradamente, oxalá (cf. ibidem).

b) advérbios avaliativos orientados para o ouvinte: subconjunto de a); ocorrem «em contextos interrogativos [...] e em contextos imperativos [..] com verbos epistémicos (como achar, julgar, considerar), volitivos (querer, desejar) ou declarativos (com...

Pergunta:

Na corruptela "Véio", deve haver acento?

Resposta:

Se a consulente se refere a uma variante dialectal ou popular brasileira de velho, saiba que a forma em causa não está fixada nem em dicionários nem em prontuários. Seria possível, de acordo com o Formulário Ortográfico de 1943 (XII, 6.ª), escrever "véio", com acento em "éi", como forma de indicar que a vogal representada por e é aberta, tal como acontecia com idéia, no português do Brasil. Mas o novo acordo (Base IX, 4) veio alterar este critério: hoje as palavras paroxítonas cuja sílaba tónica tem por núcleo um ditongo aberto (éi, ói) escrevem-se sem acento — daí ideia e, pela mesma lógica, "veio", que acaba por se confundir com veio, 3.ª pessoa do singular do pretérito perfeito do verbo vir, e veio, «filão», substantivo masculino. Mesmo assim, visto manter-se acento gráfico com função diferencial em certos casos de palavras paroxítona (p. ex., pode ~ pôde), não me parece que o acordo seja posto em causa se escrevermos "véio", de modo a distinguirmos de veio (verbo e substantivo).

Resta-me assinalar que a grafia em apreço é legítima na escrita apenas se a intenção do seu uso for reproduzir a fala popular. Não deve, por isso, ser empregada noutras instâncias discursivas.

Pergunta:

Gostaria de saber se vinicius, com as novas regras de ortografia, tem acento ou não?

Obrigada.

Resposta:

Mantém um acento, como palavra proparoxítona que é: Vinícius (com maiúscula inicial, porque é nome próprio).