Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Estou a escrever uma dissertação sobre o tema das alterações climáticas. Encontrei um termo em inglês, NAPA, que significa «National Adaptation Programmes of Action». A minha dúvida prende-se com a forma como deverei traduzir isto para português: «Programas Nacionais de Acção de/para Adaptação»; «Programas de Acção Nacional(ais) de Adaptação»? Deverá ser «Programas de Acção Nacionais» ou «Programas Nacionais de Acção»? Qual é a regra?

Bem hajam pelo trabalho desenvolvido no Ciberdúvidas.

Resposta:

Começo por dizer que a expressão em inglês é ambígua, porque national pode modificar toda expressão «adaptation programme of action», ou simplesmente a palavra adaptation. Uma consulta na Internet indica que a primeira leitura deve ser favorecida, visto tratar-se de programas de adaptação à mudança climática à escala nacional.

Devo também advertir que em inglês é muito produtiva a composição nome + nome, como acontece no caso de «adaptation programme» (nome + nome), não estando sujeita, como em português, a um processo de fixação ou cristalização como unidades lexicais (lexicalização). Nesse tipo de compostos ingleses, o nome modificador pode ser traduzido de muitas maneiras em português, porque a interpretação abarca diferentes relações semânticas e não se restringe ao valor da construção portuguesa «[substantivo] de X». Ou seja, «aircraft engine» traduz-se como «motor de avião», mas relativamente a «tea lady doctor» é possível traduzir como «senhora com quem se costuma tomar chá», «senhora que vende chá», «senhora a quem pede chá (num estabelecimento comercial, por exemplo)».1 Não existe, portanto, uma regra para a tradução de expressões como estas, a não ser talvez certos padrões de interpretação que não poderão ser aqui definidos por causa das limitações que uma resposta como esta envolve.

Literalmente, a expressão inglesa corresponde a «programas de acção de adaptação nacionais», mas acontece que esta sequência não é aceitável em português, porque: a) o adjectivo fica demasiado afastado do substantivo com que concorda; b) «de Acção de Adaptação» dá azo a ambiguidades — [Programas [de Acção de Adaptação]] vs. [[Programas de Acção] de Adaptação].

Sendo assim, «programme o...

Pergunta:

Gostava de saber qual a origem do nome da rua de Guimarães que é a seguinte: Rua Val de Donas, sabendo que essa rua já era referenciada em 1268 e que nela existiu um convento, mas o porquê do termo val.

Aguardo vossa resposta.

Resposta:

O termo val é uma variante de vale. Há quem considere (ver páginas da Guimarães TV) que o topónimo urbano Val de Donas alude às senhoras (donas) de famílias abastadas que residiam nessa rua de Guimarães. Trata-se de uma hipótese que é reiterada em artigo sobre a toponímia de Guimarães, disponível nas páginas de Internet da câmara municipal daquela cidade:

«Ornamentada por uma varanda rotulada das últimas existentes em Guimarães, outrora vila cerrada por rótulas e gelosias, principia a rua de Val-de-Donas, romântico nome a resistir ao tempo, evocativo de fidalgas damas, remotas, longínquas, as brumas a envolverem-nas no passado, a não deixarem conhecê-las no presente.»1

Outra hipótese, considerando a pista dada pelo consulente, é a de se tratar da identificação de um lugar pelo convento aí existente, isto é, um lugar onde viviam religiosas, respeitosamente referidas como donas. No entanto, a informação que obtive2 aponta não para um convento, mas antes para um refúgio ou simples casa de oração. À palavra vale, que significa também «trincheira», «valado» (cf. Dicionário Houaiss), poderia atribuir-se, por extensão semântica, o valor de «cerca» ou até «muro». Nesta perspectiva, sugiro que a rua vimaranense documenta a permanência de um espaço com função religiosa aonde ocorriam mulheres em geral, não necessariamente religiosas que professassem numa ordem.

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Pergunta:

Qual seria o gentílico do Havre, cidade francesa?

Muito obrigado.

Resposta:

Sabendo que o gentílico francês é havrais, cujo sufixo -ais é cognato de -ês e -ense (todos do latim -ense), afiguram-se possíveis as formas havrês e havrense. Mas trata-se de palavras que não parecem estar dicionarizadas, certamente por se tratar de cidade pouco ou nada presente nem nas tradições culturais nem na comunicação social em língua portuguesa.

Pergunta:

Desde já vos felicito pelo excepcional serviço que prestam à língua portuguesa.

Tenho uma dúvida em relação a uma expressão coloquial de registo popular usada na zona onde moro, mas cuja grafia e origem me são desconhecidas. Nunca a vi escrita em lado nenhum e há tendência popular para deturpar certas expressões de uso oral. Assim, diz-se de pessoa oriunda de sítio remoto e subdesenvolvido que vem ou é «d´anhenha» (desconfio desta grafia).

Espero que me consigam elucidar e desde já vos agradeço pela atenção.

Resposta:

Não conhecíamos a expressão, que não encontramos registada nem em dicionários gerais nem em dicionários mais específicos, de linguagem popular e regional. À primeira vista, parece uma palavra motivada por onomatopeia, talvez como ridicularização de certa maneira de falar, considerada ininteligível. Mas trata-se de simples conjectura, que terá de ser revista certamente. Note-se ainda que a expressão não deve ter apóstrofo, nem mesmo à luz do Acordo Ortográfico de 1990, sendo preferível a grafia «de anhenha».

Pergunta:

Na frase do tipo interrogativo «Não vais comigo à biblioteca?», o advérbio de negação não tem uma ideia de negação; penso que será apenas um intensificador que dá à frase uma forma enfática, pois na sua forma neutra a frase apresentar-se-ia: «Vais comigo à biblioteca?» Assim sendo, a minha questão é se a frase se classifica, em termos de forma, como afirmativa ou negativa.

Obrigada.

Resposta:

Classifica-se como frase interrogativa negativa. Sobre a particularidade de lhe correponder uma resposta afirmativa, leia-se o que M. H. Mira Mateus et al. apontam na Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Caminho, 2003, págs. 462, n. 30):

«As interrogativas negativas são normalmente orientadoras de uma resposta afirmativa. Vejam-se os exemplos seguintes: (i) Não estás de acordo comigo? (ii) Não é verdade que gostas de comer bem? (iii) Não te disse para teres cuidado com o fogo? Em qualquer dos casos o locutor pressupõe a verdade de uma proposição que faz parte dum saber partilhado pelo locutor e pelo alocutário, ou que já ocorreu no discurso anterior, e utiliza-a como uma estratégia para levar o alocutário a confirmar, por meio de uma resposta afirmativa, a verdade dessa proposição.»