Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Vi no site da Academia Brasileira de Letras a expressão «os cidadãos integravam-se à polis», que me parece uma asneira grossa, sendo que as expressões correctas seriam «integrar a polis» ou «integrar-se na polis».

Tenho razão?

Resposta:

Não se trata de «asneira grossa». No português do Brasil, integrar, na acepção de «fazer integrar-se», ou usado reflexivamente (integrar-se), admite regência construída com a preposição a, como mostram as seguintes abonações do Dicionário Houaiss (DH) e do Dicionário Aurélio (DA):

1. «A arquitetura integrava-se perfeitamente à paisagem.» (DH)

2. «É preciso integrar o novo aluno ao grupo.» (DH)

3. «Demorou a integrar-se à vida do país.» (DH)

4. «Integrou o baixista à orquestra.» (DA)

No português europeu, prefere-se a preposição em: «A arquite{#c|}tura integrava-se perfeitamente na paisagem.», «É preciso integrar o novo aluno no grupo.», etc.

Quando significa «incluir» e «fazer parte de alguma coisa», integrar é verbo transitivo directo (tem complemento directo) nas duas variedades em causa (exemplos respeitantes ao português europeu do dicionário da Academia das Ciências de Lisboa — DACL):

5. «[Era] uma empresa que integra diferentes ramos de actividade.» (DH)

6. «A orquestra integra músicos de todo o mundo.» (DACL)

7. «Os partidos que integram o governo estão em desacordo.» (DACL)

Pergunta:

Pode usar-se, para a palavra inglesa staff, o termo "stafe" em português?

Resposta:

Apesar de "stafe" ter sido o aportuguesamento proposto pelo dicionário da Academia das Ciências de Lisboa em 2001, a verdade é que essa forma não conseguiu vingar entre os meios envolvidos com a monitorização da norma-padrão em Portugal. Deste modo, o aportuguesamento disponível é o que foi criado no Brasil, estafe. No português europeu, no entanto, prefere-se a pronúncia [staf], sem e no início de palavra (vogal protética), pelo que acaba por ter mais uso a forma inglesa staff (geralmente em itálico ou entre aspas, como estrangeirismo que é), que permite essa articulação.

De qualquer modo, em lugar de staff, aconselha-se o uso de expressões vernáculas como «(quadro de) funcionários», «(quadro de) empregados» ou «(quadro de) pessoal».1

1 Sugestão de Luciano Eduardo de Oliveira.

Pergunta:

O que é intertextualidade em poema? Como falar especificamente? Exemplos.

Resposta:

O Dicionário Houaiss apresenta uma acepção da palavra intertextualidade, acompanhada de exemplo, que constitui uma forma sintética de definir o termo:

«influência de um texto sobre outro que o toma como modelo ou ponto de partida, e que gera a atualização do texto citado Ex.: Mensagem, de Fernando Pessoa, apresenta i[ntertextualidade] com a épica camoniana.»

Pergunta:

A questão que pretendo colocar prende-se com a dúvida sobre como se pronuncia a palavra "poliban". Tenho um colega que insiste que se diz "pUliban", enquanto os restantes defendem a tese de ler como se a vogal o tivesse acento, ou seja, "pÓliban". Será que me conseguem esclarecer? Bem sei que é uma palavra original francesa, no entanto estou interessada em saber como se pronuncia a mesma em português correcto, sem qualquer sotaque.

Obrigada desde já.

Resposta:

No português europeu-padrão, o prefixo poli- é geralmente pronunciado com o aberto em vocábulos como policopiar, poliglota, polissemia, polissílabo, polivalente (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa). Há, no entanto, certas oscilações, decorrentes do facto de tal o se encontrar em sílaba átona e, assim, tornar-se susceptível de se fechar: daí pronúncias alternativas como p[u]licopiar ou p[u]liglota, que não são incorrectas. Sendo assim, a palavra poliban ou polibã, «banheira pequena, de forma quadrada, com chuveiro e repuxo» (cf. idem1), costuma ter a pronúncia "pòlibã" (transcrição fonética [pɔli'bɐ̃]). Tal não significa que a pronúncia "pulibã" seja de condenar por incorrecta.

1 O dicionário da Academia das Ciências de Lisboa não confirma a origem francesa, antes sugerindo que a palavra é empréstimo do castelhano.

Pergunta:

Alguns colegas meus afirmam com convicção que a expressão «de todo» só pode ser utilizada em reforço de negação (ex.: «não, de todo») e nunca no sentido oposto (ex.: «sim, de todo»).

A meu ver, «de todo» refere-se a «totalidade», pelo que ambas as formas de utilização são correctas. Certo?

Gostaria ainda que me elucidassem relativamente à classificação gramatical da mesma expressão.

Resposta:

A expressão «de todo», sinónima de «totalmente, completamente», pode ser usada em frases afirmativas e negativas (exemplos de Énio Ramalho, Dicionário Estrutural, Estilístico e Sintáctico da Língua Portuguesa):

1. «Aquele rapaz anda tolo de todo [...].»

2. «Não se podem considerar ainda de todo esclarecidas as razões que o levaram a demitir-se do cargo.»

3. «O traço da dureza faltava de todo no estilo daquele escritor.»

No entanto, deve-se observar que «de todo» se associa a adjectivos, particípios passados e verbos que têm conotação depreciativa (por exemplo, tolo), disfóricas («andar perdido de todo») ou negativas (faltar = «não existir»). É, portanto, estranho ou mesmo inaceitável que se diga que «ele anda inteligente de todo», «estão de todo esclarecidas as razões» e «esse traço existia de todo no seu estilo».