Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Ouvi hoje uma palavra horrível que não ouvia há imenso tempo: lambisgoia.

Por curiosidade, fui perceber de onde vinha tal palavra, e o dicionário sugere origem em lambiscar, que significa depenicar ou comer pouco.

É possível explicar a evolução da palavra e qual é a sua origem?

Melhores cumprimentos à equipa do Ciberdúvidas.

Resposta:

O substantivo do género feminino lambisgóia,1 parece ter relação com lamber, pelo menos, no que se refere ao radical lamb-, que a palavra exibe. No entanto, torna-se difícil determinar com precisão a origem da sequência -(i)sgóia. José Pedro Machado, no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, propõe como hipótese que lambisgóia se ligue a  lambiscar, «comer pouco, depenicar» (cf. Grande Dicionário da Língua Portuguesa, também de José Pedro Machado), por sua vez derivado de lamber. O Dicionário Houaiss indica apenas que se trata de «voc[ábulo] expressivo pej[orativo], prov[avelmente] cunhado a partir de lamber».

1 Segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (que já aplica o Acordo Ortográfico de 1990), lambisgóia é palavra usada nas seguintes acepções: «1. [Informal, Depreciativo]  Mulher desenxabida. 2. [Informal, Depreciativo]  Mulher pretensiosa e antipática. = CONVENCIDA 3. [Informal, Depreciativo]  Mulher intriguista. = METEDIÇA, MEXERIQUEIRA»

Pergunta:

Tenho uma prima que é cônsul, a questão é: como é feminino, diz-se «a minha prima é consulesa», ou a «minha prima é cônsul»?

Obrigado.

Resposta:

Pode usar cônsul também em referência a um indivíduo do sexo feminino.

Em princípio, o feminino correspondente a cônsul será consulesa, tendo em conta que esta forma se encontra dicionarizada na acepção de «funcionária do Ministério dos Negócios Estrangeiros de um país que exerce a sua atividade em país estrangeiro e tem a seu cargo a defesa dos interesses dos seus compatriotas e das boas relações comerciais entre os dois países», a par da mais tradicional «esposa do cônsul» (Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, disponível na Infopédia).

Contudo, verifica-se actualmente a tendência para usar cônsul como substantivo uniforme («o/a cônsul»), independentemente de se tratar de um funcionário ou de uma funcionária, conforme explica Evanildo Bechara na sua Moderna Gramática Portuguesa (2002, pág. 134):

«As convenções sociais e hierárquicas criaram usos particulares que nem sempre são unanimemente adotados na língua comum. Todavia já se aceita a distinção, por exemplo, entre a cônsul (= senhora que dirige um consulado) e a consulesa (= esposa do cônsul), a embaixadora (= senhora que dirige uma embaixada) e Embaixatriz (= esposa do embaixador).»

Pergunta:

Marmáride é o gentílico da Marmárica, antiga região entre a Líbia e a Cirenaica, funcionando como substantivo de dois gêneros e também como adjetivo. Neste último caso, parece ser também de dois gêneros.

Quanto a marmárico, gostaria de saber se o mesmo deve ser entendido apenas como adjetivo, ou como adjetivo e substantivo.

Muito obrigado.

Resposta:

A palavra marmáride é realmente usada como adjectivo e substantivo, com o significado de «relativo a ou habitante da Marmárica, região da Líbia, na África» (cf. Dicionário Houaiss e Aulete Digital). Já marmárico aparece registado apenas como adjectivo com dois significados: «que diz respeito à Marmárica, região da Líbia, entre o Egito e a Cirenaica», sinónimo de marmáride (Aulete Digital); e «do mar de Mármara» (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa).

Refira-se que Rebelo Gonçalves, no seu Vocabulário da Língua Portuguesa, regista não marmáride, mas marmárida, como adjectivo e substantivo dos dois géneros, e marmárico apenas como adjectivo. A forma com maiúscula inicial, Marmáridas, é também acolhida por este filólogo, que a classifica como etnónimo masculino plural.

Pergunta:

Já tinha visto a resposta 5161 antes de enviar a minha questão, no entanto a minha dúvida subsiste: é correcto alterar apenas o primeiro Y e manter o segundo?

Resposta:

O nome da cidade australiana, em inglês, é com dois yy: Sydney. Existe uma forma vernácula, Sídnia, que, no entanto, não conseguiu impor-se no uso. Por outras palavras, Sydney é o nome usado também em português.

Pergunta:

Quero saber a etimologia da palavra narrar.

Resposta:

O verbo narrar tem origem no verbo latino narro, as, āvi, ātum, āre, «contar, expor narrando, narrar, dar a saber», por sua vez derivado do adjectivo gnārus, a, um, «que conhece, que sabe» (Dicionário Houaiss). A raiz deste adjectivo remonta ao indo-europeu *gene-, *gno-, «conhecer», reconhecível no verbo latino «nōsco (antigo gnōsco, atestado pelos gramáticos e pelas inscrições), is, nōvi, nōtum, nōscĕre, "começar a conhecer, aprender a conhecer, tomar conhecimento; conhecer"» e identificável também no grego, por exemplo, em gnôsis, eós, «ação de conhecer, conhecimento, ciência, sabedoria», que está na origem do elemento -gnóstico, que integra a palavra diagnóstico. Refira-se ainda que o verbo inglês to know tem origem na mesma raiz indo-europeia.