Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

O arquiduque austríaco Franz Ferdinand, assassinado em Saraievo em 28 de junho de 1914, fato este que foi o estopim para o início da Primeira Guerra Mundial, tem o seu nome, que é alemão, aportuguesado no Brasil como Francisco Ferdinando, única forma em uso entre nós, brasileiros. O nome foi aportuguesado ou acastelhanado, já que em português Ferdinand é Fernando, e não "Ferdinando", que é o prenome espanhol correspondente tanto ao nosso como ao alemão.

Diante destes fatos, suspeito que estamos perante um pseudoaportuguesamento, pois a forma usada no Brasil deveria ser "Francisco Fernando", esta, sim, legitimamente portuguesa.

Qual é a usada em Portugal?

Os preciosos comentários do Ciberdúvidas, por favor.

Muito obrigado.

Resposta:

Em Portugal usa-se (ou usava-se) a forma Francisco Fernando (cf. Dicionário Prático Ilustrado Lello). Tal não impede que Rebelo Gonçalves acolha no seu Vocabulário da Língua Portuguesa a forma Ferdinando, ao lado de Fernando. José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, parece sugerir que a forma Fernando tem mais tradição em português do que Ferdinando, podendo esta ter provindo do francês Ferdinand ou ter podido resistir graças à influência do nome francês. De qualquer forma, quer Fernando, que seria precedido pela forma alto-medieval Fredenandus (séc. X), quer Ferdinando são cognatos «do gótico Frithunanths, de frithus, "paz", e nanthjan, "ousar, arriscar" (Machado, op. cit.).

Pergunta:

Uma pessoa é abstémia (na sua vida quotidiana não costuma consumir bebidas alcoólicas). Qual é o substantivo relativo à situação apresentada por este adjectivo, da mesma maneira que, por exemplo, uma pessoa que é feia tem fealdade?

Grato pela resposta possível.

Resposta:

A «qualidade ou caráter de abstêmio» (Dicionário Aurélio) é a abstemia, sinónimo de sobriedade (cf. idem; ver também Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Agradeço que me esclareçam o seguinte:

Qual é a pronúncia da palavra metrologia?

Obrigada pela atenção dispensada.

Bem hajam pelo vosso excelente trabalho.

Resposta:

De acordo com a transcrição fonética do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, a palavra é pronunciada com o chamado "e mudo" no elemento metro-: [mɨtɾuluˈƷiɐ].

Pergunta:

Sempre conheci a palavra gabar, mas nunca a alternativa "gavar", que vim a encontrar nalguns dicionários. Esta última é correcta? Utiliza-se?

Obrigado.

Resposta:

Gavar é realmente uma variante de gabar, registada pelo Dicionário Houaiss, pelo Dicionário Aurélio e pelo Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Trata-se, é claro, de uma variante muito pouco usada, mas que tem o interesse de atestar oscilações entre [b] e [v], como se encontram, por exemplo, nos pares vassoura e bassoura (vocábulo classificado como forma arcaica; cf. Dicionário Houaiss), covarde e cobarde, ou ainda avejão e abujão, «fantasma».

Pergunta:

Vi recentemente uma frase que me chamou a atenção, numa notícia publicada num jornal brasileiro, na qual se utiliza, com sentido negativo, a expressão «graças a», à qual sempre atribuí um caráter positivo, sendo que, para as coisas negativas, a meu entender, empregam-se «devido a», «por causa de», «em consequência de».

Fui procurar no Dicionário Houaiss, mas, a definição que achei não me satisfaz: «por causa de, com o auxílio de, devido a», inclusive o exemplo que se dá, logo a seguir, tem um aspecto negativo: «Escapou de perder o ano, graças aos amigos.» Eu seria mais propenso a dizer: «Conseguiu o emprego tão almejado, graças à intervenção dos amigos.»

Confesso-lhes que nunca havia visto antes essa utilização em sentido negativo, razão pela qual lhes escrevo essas linhas, no intuito de saber se há uma regra, que eu desconheço, que determina o emprego dessa locução.

Obrigado.

Resposta:

Sobre a locução «graças a», transcrevo o que comentário de Maria Helena de Moura Neves, no seu Guia de Uso do Português (São Paulo, Editora Unesp, 2003):

Pela origem da palavra graça (lat. gratia), a expressão significa "em débito a", "com recurso a", "com ajuda de", o que implica um complemento de valor positivo (eufórico), em construção em que se faz referência a uma obtenção afortunada. Contudo, não posso deixar de recohecer que, GRAÇAS A esses sucessos, a "tensão" em relação a mim diminuiu muito. [...]

Entretanto, a expressão também tem o significado mais genérico de "por causa de", "devido a", usando-se, portanto, também com complemento de valor negativo (disfórico), ou neutro. Assim, GRAÇAS À sua desimportância estratégica e à sua maldição, a villa se conservou, com seus tesouros de arte. [...] E assim fiquei sem saber exatamente o que tenho, ou mesmo se tenho, GRAÇAS À enciclopédica ignorância do doutorzinho que me atendeu (...).

Em suma, para os mais ciosos da etimologia e da semântica de graças, recomenda-se que a locução «graças a» se empregue apenas com complementos de valor positivo.