Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Quando queremos referir um espaço temporal, por exemplo, de 1935 a 1950, devemos escrever 1935-1950, ou 1935 – 1950? Devemos optar pelo hífen, ou pelo travessão?

Obrigada.

Resposta:

Quando se trata de intervalos expressos por números relativos aos anos ou a páginas de um livro, usa-se o hífen. Escreve-se, portanto, «a guerra de 1914-1918» ou «o período de 1935-1950», tal como se escreve «o conteúdo das pp. 20-25» (também é possível «o conteúdo das págs. 20-25»).

Pergunta:

Uma Aventura na Ilha de Timor, Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, Editorial Caminho, Lisboa, 2011, página 107.

Passo a citar o excerto para análise:

— Ele paga-me! Ele paga-me! É só deitar-lhe a mão e vocês vão vê-lo a ganir.

— Cuidado, chefe! Não convém que nos ouçam!

O mecânico também ficara piurso por ter sido inútil a sua habilidade.

— Conte comigo para o desfazer assim que o encontrar.

A questão é: neste contexto, o que significa realmente o adjectivo "piurso"? Esta palavra encontra-se aceite na língua portuguesa? Será um neologismo? Consultei o dicionário de língua portuguesa da Texto Editora, de 2006, mas a palavra não se encontrava lá registada. Gostaria que os senhores me pudessem esclarecer.

Grato pelo comentário possível.

Resposta:

O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa acolhe piurso como palavra do registo informal do português europeu, com o significado de «muito zangado, chateado» e sinónimo de furioso. Guilherme Augusto Simões (Dicionário das Expressões Populares Portuguesas, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1993), também dá entrada a piurso, atribuindo-lhe o sentido de «pior que urso». Esta acepção,  leva-me a sugerir que a palavra foi criada como amálgama de uma expressão metafórica («ficar muito zangado» = «ficar pior que um urso»), mas tom-se o que digo como mera hipótese, que não encontro confirmada nem infirmada em nenhuma fonte. Não se trata, porém, de neologismo: é antes vocábulo característico do português europeu familiar e popular. 

Pergunta:

A qual classe gramatical pertence o termo etc.?

Resposta:

Comecemos por dizer que etc. é uma abreviatura. A partir daqui cabe perguntar: abreviatura de que palavra ou palavras? Da expressão latina «et cetera», que significa «entre outras coisas» e «assim por diante», segundo o Dicionário Houaiss. O mesmo dicionário classifica esta expressão como locução conjuntiva, visto «encerra[r] enumeração como informação genérica e, ao mesmo tempo, conclusiva, definitiva ou comprobatória da extensão do que vinha sendo enumerada». Esta classificação não é consensual nem aconselhável, pelo que é melhor apenas considerar que a expressão é uma simples locução, sem designação especial na classificação gramatical, tal como faz o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, que a descreve como sendo usada «[...] para indicar "e o resto", numa enumeração em que não se referem todos os elementos».

Pergunta:

Como deverá ser pronunciado Walter — "valter", ou "ualter"? Como William ("uilian") ou Wilson "uilson"?

Resposta:

Depende. A forma Walter pode ser inglesa ou alemã. No primeiro caso, pronuncia-se aproximadamente como "uálter"; no segundo, como "válter". Recorde-se que este nome tem vários aportuguesamentos: Válter (também escrito Valter), Gualter, Gualtério e Gualtero.

Pergunta:

Aquando de uma pesquisa através de um motor de busca da Internet, relativamente à expressão utilizada na área da culinária, encontrei a seguinte expressão nas páginas de Portugal: «pato confitado». Como conheço bem a cozinha francesa, associei de imediato esta expressão a uma receita tipicamente francesa chamada "confit de canard", que consiste num prato onde a carne de aves, neste caso de pato, é cozida e conservada na própria gordura.

A minha questão recai sobre a utilização do adjetivo "confitado", este termo é utilizado com frequência em receitas, mas não se encontra em nenhum dicionário ou glossário da área. Podemos utilizar este termo como o equivalente português do termo confit em francês, uma vez que este acabou por ser adotado e amplamente utilizado neste domínio?

Gostaria de receber o vosso parecer relativamente a esta questão.

Desde já, obrigada.

Resposta:

O adjectivo confitado está registado no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, com as seguintes acepções, todas elas respeitantes ao domínio da culinária:

1. «Que foi cozinhado em gordura, sem fritar, lentamente e a baixas temperaturas (ex.: polvo confitado).»

2. «Que foi banhado em calda de açúcar para ficar revestido de uma camada de açúcar depois de seco (ex.: fruta confitada) = CRISTALIZADO.»

É também usado como substantivo masculino, significando «prato ou ingrediente preparado de uma destas maneiras (ex.: confitado de pato, confitado de abóbora)» (idem).

A forma confitado é também particípio passado do verbo confitar, «Cozinhar em gordura, sem fritar, lentamente e a baixas temperaturas.»

Note-se que confitado e confitar têm ambos como base de derivação o francês confit, «preparação de certas carnes cozidas e conservadas na própria gordura», forma de particípio passado de confire, «pôr de conserva», «cozer frutos com açúcar», de cujo radical se formou confiture, ou seja, «compota, doce de fruta» (cf. Dicionário Francês-Português da Porto Editora).