Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Tenho a seguinte dúvida: Quando o adjetivo funciona sintaticamente como predicativo, e quando funciona como adjunto adnominal?

Grato.

Resposta:

O adjectivo é predicativo quando forma predicado com um verbo de ligação: «ser feliz», «estar contente», «ficar triste». É adjunto adnominal quando, «junto de um substantivo, delimita ou especifica o significado do mesmo (p. ex., pão duro, pão integral [...]).» (Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Na frase: «A mãe pediu protecção a Deus para o seu filho», como analisar sintacticamente «para o seu filho» de acordo quer com a antiga, quer com a nova terminologia (DT)?

Nos exames do ensino básico coexistem as duas terminologias.

Resposta:

Como o constituinte «para o filho» se refere ao beneficiário da protecção que é pedida, diz-se que se trata de um dativo de interesse, conforme definição de Evanildo Bechara, em Moderna Gramática Portuguesa, Lisboa (Editora Lucerna, 2002, pág. 425), onde se dá como exemplo a frase «Ele só trabalha para os seus». O valor desta construção é o de uma circunstância de fim ou proveito (idem), pelo que, nos termos de uma classificação tradicional ensinada nas escolas portuguesas, «para o filho» seria encarado como um complemento circunstancial de fim. Na perspectiva do Dicionário Terminológico, o constituinte leva a designação de modificador do grupo verbal.

Pergunta:

Gostaria que fizessem o favor de informar se o termo "contra-assinante" existe na língua portuguesa e se, caso tal se verifique, tem a mesma significação que "contra-signatário"? Aproveito ainda para pedir que esclareçam sobre a nova grafia dos termos em análise!

Muito obrigado.

Resposta:

Não encontro dicionarizadas as palavras apresentadas, que, no entanto, estão bem formadas. Assinante pode ser sinónimo de signatário, na acepção de «que ou aquele que assina ou subscreve um texto, um documento etc.», mas é vocábulo que costuma ser mais usado nos sentidos de «que ou aquele que assina um jornal, revista etc.» e «que ou aquele que tem contrato com uma empresa para receber determinado serviço».

Quanto à grafia, em Portugal, as palavras em causa deveriam escrever-se contra-assinante e contra-signatário, no âmbito de aplicação do Acordo Ortográfico de 1945. Com a adopção do Acordo Ortográfico de 1990, a primeira, contra-assinante, mantém o hífen, enquanto a segunda o perde, para os seus elementos se aglutinarem: contrassignatário.

Pergunta:

Em Santa Cruz do Bispo existe uma rua denominada: «Rua do Azemel».

Qual a presumível origem deste nome de rua?

Resposta:

Azemel é nome com origem no substantivo comum azemel, «almocreve», do árabe az-zamāl, «idem» (cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, s. v. Azeméis). Assim, este topónimo de Matosinhos, como o seu congénere da Batalha (Leiria), que o apresenta («Rua do Azemel»), significa «rua do azemel», isto é, rua que ficou conhecida por um certo indivíduo que era azemel, ou seja, almocreve. Sobre quem seria este azemel, não tenho acesso a fontes que o esclareçam.

Pergunta:

1.° caso — Mandaram 3.ª pessoa, plural do pretérito mais-que-perfeito do indicativo

2.º caso — Mandaram 3.ª pessoa, plural do pretérito perfeito do indicativo.

A pergunta é: Podemos dizer que no 1.° caso a desinência de número-pessoal é apenas o M, já que RA é desinência modo-temporal do pretérito mais-que-perfeito do indicativo, e que no 2.° caso RAM é desinência de número-pessoal, já que não se repete nas outras pessoas do pretérito perfeito do indicativo. Certo ou errado?

Resposta:

O que o consulente propõe está quase certo. Evanildo Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa (Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 2002, págs. 233-235), dá indicações no sentido de interpretar a terminação -ram do pretérito mais-que-perfeito como a associação da desinência modo-temporal átona -ra- com a desinência número-pessoal -m. Por seu lado, -ram do pretérito perfeito resulta da junção da desinência -ra- do pretérito perfeito, exclusiva da 3.ª pessoa do plural (nas restantes pessoas não há desinência, ou melhor, diz-se que é zero — ø: cante-i, canta-ste, canto-u, etc.) e da desinência número-pessoal -m.

Noutra perspectiva, Alina Villalva, no capítulo que dedica à morfologia do português (M.ª Helena Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, p. 936) refere-se à homofonia dessas formas verbais:

[...] [A] ambiguidade que afecta as formas de terceira pessoa do plural do pretérito mais-que-perfeito e pretérito perfeito do indicativo (cf. falaram) é uma ambiguidade fonética mas não estrutural: o sufixo amálgama de tempo-modo-aspecto e pessoa-número (i.e. -ram) que está presente nas formas do pretérito perfeito é distinto da sequência constituída por um sufixo de tempo-modo-aspecto (i.e. -ra) e um sufixo de pessoa-número (i.e.. -m), que integra as formas do pretérito mais-que-perfeito.