Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Podem, por favor, indicar a origem da expressão «à babuja», no sentido de «à pala»/«à borla»?...

I.e., por exemplo, «O João vai a Londres e o outro vai à babuja» = «O outro aproveita-se do João e também vai a Londres, sem pagar...»

Conheci a expressão assim no outro dia, através de um amigo, pois só conhecia com o sentido de «à superfície» (?)...

Obrigado!

Resposta:

Não se encontra registo exato da expressão «à babuja» nos dicionários aqui disponíveis1, nem mesmo nos de regionalismos. No entanto, verifica-se que em páginas da Internet, a expressão equivale às expressões «à superfície» e «à beira-mar», como regionalismo algarvio, e a «à borla», sem identificação precisa da extensão regional do uso2.

Além disso, o dicionário Infopédia consigna a expressão «à babugem de», de que «à babuja» é sem dúvida variante, com o significado de «à superfície de; à tona». O vocábulo babuja é variante de babugem (ou babuge), que significa genericamente «espuma produzida pela água que se agita ou que está poluída» (idem, ibidem).

O significado de «à borla» associado a «à babuja» terá surgido por extensão semântica de «à superfície», em alusão ao isco ou pão que, à beira-mar, se atira à água para atrair peixes à superfície32. A imagem pretendida é a de que os animais aproveitam a oportunidade da comida abundante que lhes é oferecida.

 

1 Foram consultados o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das C...

Pergunta:

Qual é a regência do nome compulsão?

Compulsão a/para algo ou em algo?

Segundo o [Dicionário Prático de Regência Nominal de Celso Pedro] Luft , quando o nome pedir complemento, teremos apenas o a ou para. Em muitos dicionários, não achei o em.

Porém... recentemente, observei a seguinte frase: «A compulsão EM procurar não deve se sobrepor [...].»

Desde já, agradeço a enorme atenção.

Resposta:

A palavra compulsão constrói regência com um leque variado de preposições.

As regências recomendadas no dicionário de Celso Pedro Luft são efetivamente as construídas com as preposições a e para, que podem ser seguidas tanto por expressões nominais como por infinitivos.

Contudo, consultando os textos literários que fazem parte do Corpus do Português, de Mark Davies, observa-se que a palavra pode também selecionar a preposição de antes de infinitivo:

(1) «Essa compulsão de falar também tem o seu lado de doação.» (Otto Lara Resende, O Braço Direito, 1963, incluído em )

Outras regências atestadas pelo uso são «compulsão por»  e «compulsão em»:

(2) «compulsão por jogos/compras»

(2) «essa compulsão em fazer figuras tristes» (jornal desportivo Record).

Em conclusão, a opção indiscutivelmente correta é a regista por Celso Pedro Luft. No entanto, a regência com de está longe de incorreta – pelo menos, não está quando se trata de ligar infinitivos. As regências com por e em parecem ter tido menos atenção normativa, mas são, no mínimo, aceitáveis.

Pergunta:

Ao escrever a palavra aventureiro no diminutivo, fi-lo da forma que me parecia mais natural, qual seja, aventureirinho, assim como ocorre com brasileiro → brasileirinho.

No entanto, o corretor ortográfico marcou a palavra como errada, e, diante da dúvida, fiz uma pesquisa na Internet e acabei com ainda mais dúvidas. O site Infopedia.pt indica que o diminutivo correto do termo é aventureirozinho, e o site meudicionario.org indica que é aventureirozito (forma diminutiva mais própria do espanhol).

Então gostaria de saber: qual a forma diminutiva correta da palavra aventureiro? É possível usar "aventureirinho"?

Desde já, muito grato.

Resposta:

Não há qualquer incorreção na forma aventureirinho, tal como não há erro em formas como ferreirinho (← ferreiro) ou dinheirinho (← dinheiro).

Empregam-se como diminutivos todas as formas indicadas na pergunta, podendo os diminutivos formar-se quer com -inho, quer com -zinho. Estes são os sufixos predominantes no Brasil, mas, em Portugal, as formas com -ito e -zito são igualmente correntes. Deste modo, aventureirozito não tem necessariamente de configurar uma forma própria do espanhol.

Note-se que a forma aventureirinho é aceite pela Infopédia, que também regista aventureirito e aventureirozito. O mesmo se verifica no meudicionario.org.

Pergunta:

Gostaria de saber se o nome do famoso personagem do conto infantil, o Barba Azul, se escreve com hífen ou sem hífen.

Uma pesquisa pela net mostra que não parece haver uma regra clara...

Muito obrigado desde já.

Resposta:

No caso do nome próprio, não há de facto ortografia clara.

Há quem escreva com hífen, e há registos sem este sinal. O mesmo acontece, com Barba-Roxa/Barba Roxa, ou, ainda, Barba-Ruiva/Barba Ruiva1.

Quanto ao nome comum composto, não há dúvida, pois escreve-se com hífen: barba-azul2.

Por outras palavras, Barba-Azul é forma correta, atendendo até à forma do nome comum3. No entanto, também se aceita Barba Azul.

 

1 No Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves, escreve-se Barba Roxa, sem hífen, mas no Vocabulário Onomástico da Língua Portuguesa (1999), da Academia Brasileira de Letras, hifeniza-se Barba-Roxa e Barba-Ruiva; infere-se, portanto, que Rebelo Gonçalves teria escrito Barba Ruiva sem hífen, se tive registado este nome próprio. Observe-se que os vocabulários ortográficos atualizados não contêm a grafia de nomes próprios, e, sendo assim, convém consultar fontes anteriores à aplicação do Acordo Ortográfico de 1990.

2

Pergunta:

Como é que se pronuncia drone?

Resposta:

Em português, a palavra drone não tem uma pronúncia fixa que se considere como mais correta1;

Assim, este empréstimo proveniente do inglês:

– pode pronunciar "droune", aproximando-se da pronúncia inglesa (a qual soa mais ou menos como "drâune");

– pode também ler-se como se escreve, isto, como "drone", a rimar com cone.

O vocábulo drone denomina «uma aeronave não tripulada, com controlo remoto, usada em missões e operações militares» ou «qualquer veículo não tripulado e controlado remotamente, geralmente provido de aparelho para registo e/ou transmissão de imagens» (Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa).

1 Cf. a duas transcrições fonéticas apresentadas pelo Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa (Porto Editora).