Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Fui um dos primeiros a utilizar as diversas funcionalidades da Internet em Portugal, quando ainda muito pouca gente sequer sabia o que isso significava, e desde o início os meus professores da área de informática, já lá vão mais de 20 anos, afirmavam que o browser Mosaic (navegador) permitia a utilização dos motores de pesquisa tais como o Excite, e daí em diante tenho sempre utilizado o termo «motor de pesquisa» e sempre que alguém utiliza o termo «motor de busca» tento alertar para o facto de no português de Portugal esse termo ser incorrecto; no Brasil e em Espanha, eles, sim, utilizam esse termo, nós aqui, na Europa, não. Inclusivamente tenho falado com várias pessoas da comunicação social e também aos mais jovens e às pessoas de outras áreas e tento chamar a atenção para que ninguém faz buscas na Net, faz, sim, pesquisas.

Qualquer utilizador, quando procura algo na Net, o que faz é uma pesquisa, mesmo que saiba onde e o que procura.

Aliás, o Google utiliza o termo «motor de pesquisa», mas o Sapo utiliza incorrectamente o termo «motor de busca», será influência do Brasil ou de Espanha?

A minha questão é a seguinte: falando em termos de informática, o termo mais correcto a utilizar é «motor de pesquisa»?

Resposta:

Eu não seria assim tão perentório acerca da incorreção do uso de «motor de busca», até porque, se se usa entre falantes brasileiros,1 é porque a expressão pertence à língua portuguesa. De qualquer modo, é verdade que, na história recente do português europeu, se usou mais «motor de pesquisa» do que «motor de busca». Pelo menos, é o que sugere a consulta do Corpus do Português (Mark Davies e Michael Ferreira), onde «motor de pesquisa» ocorre mais vezes (7) do que «motor de busca (2) — apesar de as ocorrências terem todas origem na mesma fonte, o semanário português Expresso.

Além disso, deve reconhecer-se que a opção por «motor de pesquisa» se revela mais coerente com o uso do verbo pesquisar no contexto da navegação na Internet, o qual significa muitas vezes o mesmo que «usar o motor de pesquisa». Resta-me acrescentar que é mais provável que a expressão «motor de busca» tenha sido introduzida na variedade portuguesa por contacto com o português brasileiro.

1 Segundo o consultor Luciano Eduardo de Oliveira (agradeço-lhe a informação), a pesquisa  de páginas brasileiras por meio do Google indica que «motor de busca» tem mais ocorrências (4 100 000 resultados) do que «motor de pesquisa» (1 350 000), muito embora no "site" da

Pergunta:

A palavra substantivamente seria um anglicismo (tradução do inglês substantively, usado juridicamente)? Ela tem existência historicamente independente deste? Há alguma diferença entre esse advérbio e substancialmente? Me parece que os dois querem dizer a mesma coisa, estaria eu errado?

Resposta:

A consulta do sítio Linguee indica que substantively é geralmente traduzido por substancialmente (= «de modo substancial; fundamentalmente; em suma»). Não é que substantivamente seja impossível em português; o que se passa é que significa «de forma substantiva», expressão onde o adjetivo substantivo tem valor filosófico, nas aceções de «relativo a um ser real ou metafísico» e «relativo a substância» (cf. Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Gostaria de ver esclarecida a seguinte dúvida:

Na frase «Descobriu-se recentemente que as células estaminais têm o poder de curar doenças mortais, que são "semente" de tecidos e órgãos nobres, que podem dar vida a quem perspetivava sofrimento e morte», os que são todos completivos, ou os dois primeiros são completivos e o terceiro é relativo?

Resposta:

Depende da interpretação:

a) todos os que são conjunções subordinativas completivas, porque as orações por estas introduzidas são coordenadas assindéticas (sem conjunções coordenativas que as liguem), com a função de complemento direto do verbo da frase matriz, descobriu-se;

b) há a possibilidade de que ser também classificado como pronome relativo nas duas últimas completivas, muito embora isso implique aceitar um uso do pronome relativo que é controverso do ponto de vista estilístico e até gramatical, dada a distância do antecedente (presumivelmente «células estaminais» no primeiro caso e «tecidos e órgãos nobres»).

Pergunta:

Não é a primeira vez que vos faço uma pergunta, mas aqui vai outra (na verdade, vão 3 ou 4, mas é para disfarçar): a utilização da vírgula consoante as normas gramaticais inglesas pode ser adaptada ao português?

É que tenho vários livros sobre pontuação, etc., mas todos em inglês. Estarei a cometer um erro se levar demasiado em conta os conselhos/regras e adaptando-as à forma como escrevo em português?

Existe alguma obra em língua portuguesa que me explicite melhor o funcionamento da vírgula? Curiosamente, tenho 7 ou 8 livros de gramática da Língua Portuguesa, todos eles adquiridos recentemente, mas os capítulos referentes à pontuação são ténues em conteúdo, por assim dizer.

O último livro de gramática que adquiri foi o Gramática da Língua Portuguesa, da editora Caminho, um livrão com quase 1000 páginas, mas... não consigo encontrar nada referente à vírgula, nem mesmo no índice remissivo.

Última (peço desculpa, já agora): podem recomendar-me algum livro sobre conselhos de escrita, como escrever melhor, etc., mas em português?

Muito obrigado!

Resposta:

Cada língua tem as suas regras e critérios de pontuação, logo, o uso da vírgula em inglês não é necessária e diretamente adaptável ao português. Por exemplo, o MHRA Style Guide (Londres, Modern Humanities Research Association, 2008, pág. 25) recomenda que numa enumeração se coloque uma vírgula antes da conjunção and:

1. «The University has departments of French, German, Spanish, and Portuguese
within its Faculty of Arts.»

Em português, a tendência é não usar vírgula numa na tradução correspondente:

2. «A Universidade tem departamentos de Francês, Alemão, Espanhol e Português na sua Faculdade de Letras.»

Em suma, os critérios de pontuação aplicados ao inglês nem sempre coincidem com o português, pelo que é sempre melhor orientar-se por obras normativas e descritivas sobre o português escrito.

Quanto à Gramática da Língua Portuguesa, de M.ª Helena Mira Mateus, não é de esperar que aí se fale de pontuação, porque se trata de uma obra de descrição linguística e não sobre a escrita. Uma gramática escolar, um prontuário ou uma gramática normativa é que costumam incluir indicações sobre as regras de escrita.

Para pontuar melhor, existe a Guia Alfabética de Pontuação (Lisboa, Clássica Editora, 1989), de Rodrigo de Sá Nogueira, que se encontra esgotada e que precisa certamente de uma atualização. Mas pode consultar com muito proveito o capítulo sobre pontuação da Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pág. 664), de Celso Cunha e Lindley Cintra.

Pergunta:

Como podemos mostrar a evolução das seguintes palavras quando nos referimos ao próprio latim?

corona < coroa

freno < freio

avena < aveia

lana <

coelu < céu

Resposta:

O que a consulente apresenta não se refere apenas ao próprio latim, porque representa a evolução do latim para o português. Podemos é dizer que todos os exemplos em questão representam a queda do -n- e -l- latinos intervocálicos, fenómeno que caracteriza a evolução dos dialetos galego-portugueses, face ao latim, do ponto de vista diacrónico, e aos outros sistemas dialetais românicos, do ponto de vista sincrónico (cf. espanhol corona, freno, avena, lana, cielo).