Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

É possível utilizar a palavra geronto como substantivo significando «idoso», dado que o prefixo geronto- é aceite como elemento de formação de palavras referentes à velhice?

Obrigado!

Resposta:

É de duvidosa correção o uso de geronto como palavra autónoma.

É verdade que a forma geronto está a ser usada em artigos especializados como sinónimo de idosos1. Contudo, há razões que o desaconselham:

1. A forma geront- ocorre como radical (não é prefixo2), seguida do elemento de ligação o, em palavras compostas como gerontocracia, «gestão exercida por anciãos», e gerontologia, «estudo dos fenómenos associados ao envelhecimento do ser humano»3. Não funciona geralmente como palavra autónoma.

2. Existe a forma geronte, que seria a correta dado configurar-se como adaptação correta do grego. No entanto, emprega-se geronte como termo das ciências históricas e políticas, com um significado muito específico: «entre os gregos antigos, indivíduo idoso, membro da gerúsia» (Dicionário Houaiss).

Em síntese, não se recomenda geronto, parecendo preferível utilizar idoso ou ancião. Não obstante, é preciso alguma atenção ao uso de geronto como palavra autónoma, pois, se se difundir e se enraizar como termo especializado, acabará por encontrar legitimidade normativa.

 

1 Ver "IPPPI – Instituto Português de Protecção à Pessoa Idosa", de Carlos Gamito (documento em linha consultado em 31/08/2023).

2 Sobre a diferença entre radicais e prefixos, e as dificuldades que surgem, por vezes, nessa distinção, ver "Prefixos e radicais (DT)".

3 Cf. <...

<i>Politicólogo</i> e <i>politólogo</i>
Uso lexical, morfologia e eleições em Espanha

É frequente encontrar muitos comentadores televisivos identificados como politólogos. Menos corrente, pelo menos, em Portugal, parece ser a forma politicólogo, que figurou no oráculo de um serviço noticioso, a respeito das eleições espanholas de 23 de julho de 2023. Um apontamento do consultor Carlos Rocha.

Pergunta:

Surpreendi no mural do escritor Mário Cláudio a expressão «põe-lhe sal na moleirinha», dita por alguém referindo-se de forma crítica à relação da nora com o filho.

Pesquisei e vi outras formulações com alteração do verbo inicial, tais como: «bota-lhe sal na moleirinha» ou «joga-lhe sal na moleirinha», e outras tantas em que moleirinha é substituído por moleira.

Os sentidos, do que averiguei numa pesquisa breve, podem ser diferentes e ir desde a crítica, sendo o equivalente a «mói-lhe o juízo», «inferniza-lhe a cabeça», «põe-lhe coisas na cabeça», «põe-no a cismar», como em «Se a seus afins não põe ao largo do seu beiral, queira ou não queira, hão de lhe o sal pôr na moleira!», até ao elogio, com o sentido de «põe-lhe juízo na cabeça», visível em: «Deus põe sal na minha moleira para me dar mais juízo». Ou mesmo ter um sentido equivalente a «salgar a terra», na qual depois nada nasce, visível nos versos: «Eu não quero mais amar / Nem achando quem me queira / O primeiro amor que tive / Botou-me sal na moleira».

Podem, por favor, esclarecer os vários sentidos da expressão?

Resposta:

«Pôr o sal na moleira» (ou «na moleirinha») é expressão idiomática que encontra registo no dicionário de Caldas Aulete:

«Pôr o sal na moleira 1. a alguém (pop.), fazer perder a paciência, não se poder aturar, dar que fazer ou que pensar.»

O dicionário da Academia das Ciências de Lisboa inclui também esta e outras expressões no artigo referente a moleira, vocábulo genericamente definível como «abóbada do crânio», mas que também ocorre no sentido de «juízo, tino»:

«pôr (o) sal na moleira a alguém: 1. fazer perder a paciência a alguém; 2. dar uma lição a alguém; fazer com que seja mais ponderado»

«ser duro da moleira: ser pouco inteligente»

«ter já a moleira dura: já ser velho de mais para aprender».

Pergunta:

Qual a história por detrás da expressão «mandar o Bernardo às compras»?

Obrigado.

Resposta:

Não temos explicação factual para esta expressão brejeira, que se usa com o significado de «ter relações sexuais».

Só por si, a frase é pouco elucidativa, mas pode pensar-se que "Bernardo" e "ir às compras" sejam metáforas, respetivamente, do órgão genital (com toda a probabilidade masculino, dado o género masculino do nome próprio Bernardo) e da sua atividade, ou seja, da sua fricção durante as relações sexuais.

No entanto, uma consulta de páginas da Internet revela que a expressão pode também que ver com a necessidade de privacidade, levando a afastar gente importuna – cf.  "'Ao mandar o Bernardo às compras...' Is this an idiom?", StackExchange (2015) .

A expressão tem registo no Dicionário de Calão (versão de junho de 2023), de João José Almeida, com a indicação de que é usada no sul de Portugal.

Pergunta:

Escreve-se "judeo-bolchevismo" ou "judeu-bolchevismo"?

Resposta:

Em compostos nominais, como é o caso, recomenda-se a forma judeo-, pelo que a forma correta é judeo-bolchevismo, ou, sem hífen, judeobolchevismo, cujo significado será, por inferência da significação dos elementos constituintes, «doutrina bolchevista de origem judaica ou defendida por judeus».

De acordo com o Dicionário Houaiss (edição de 2009), judeo- é um «antepositivo, formado a partir do vocábulo judeu, em compostos do tipo afro- [afro-brasileiro, afrolatria], cuja lógica lhe é totalmente aplicável». Por «lógica aplicável», parece entender-se a possibilidade de judeo- figurar em compostos em coordenação com uma forma adjetival plena: judeo-alemão, judeo-cristão. Quando o composto é adjetival,  judeo é substituível por judaico: por exemplo, judaico-alemão, interpretável como adjetivo a quem é ao mesmo tempo «judeu e alemão»; e judaico-cristão», isto é, «judaico e cristão». Contudo, quando judeo é o primeiro elemento de um nome composto, tal substituição torna-se estranha, se não mesmo inviável: diz-se e escreve-se judeo-alemão, como sinónimo de iídiche, e não "judaico-alemão"1.

É de notar ainda que nos compostos que envolvem gentílicos ou palavras de funcionamento semelhante (por exemplo, apelativas dos seguidores de certa doutrina, como acontece com cristão ou bolchevista), é corrente tratar os primeiros elementos como prefixos e, como tal, só excecionalmente escrevê-los com hífen. Deste modo, considerando um caso como lusotropicalismo, «tese de