Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Li numa gramática de referência que o índice temático não está presente na forma que serve de base a outra palavra. Por exemplo: casa – casota.

Tenho dúvidas na palavra casario.

Nesta palavra a base é formada pelo radical cas- mais o índice temático a e depois pela junção do sufixo -io, sendo -r- uma consoante de ligação. Este exemplo não corresponde ao que é dito na referida gramática.

Agradeço a vossa explicação.

Resposta:

No caso de casa e de casota, omite-se o índice temático e afixa-se o sufixo -ota. Contudo, o índice temático pode estar presente, quando toda uma palavra é a base para a derivação de outra: é o caso de praiazinha, vocábulo derivado da palavra praia, a qual exibe o índice temático -a.

Quanto a casario, não é clara a sua formação e há, pelo menos, duas possibilidades de análise:

(1) «casa + -r- (de ligação, ou conexo com outros sufixos com -r, tais como -aria "noção de coletivo"; -arão "aumentativo" etc.) + -io, com noção de "coletivo"» (análise do Dicionário Houaiss) – neste caso a base de derivação é a própria palavra.

(2) Casario procede da substituição do índice temático -a de casaria pelo índice temático -o, e, sendo assim, a base de derivação é cas- e o sufixo ari-.

Poderá ainda pensar-se que casario tem por base a palavra "casar", hipotética variante nominal de casal. Contudo, não foi aqui possível achar registos de tal variante, e, portanto, a relação apontada é mera conjetura.

Pergunta:

Estou a fazer a revisão de um livro cujo original apresenta dupla grafia para o nome de uma localidade no Hawai, «Iwilei» e «Iwelei», sem motivo aparente.

Vinha perguntar se me podem esclarecer sobre a grafia correta.

Muito obrigada, desde já.

Resposta:

Iwilei é como se escreve o nome de uma rua em Honolulu, capital do Havai (ou Havaí), estado insular dos EUA.

É um topónimo que, em Honolulu, denomina uma antiga zona portuária, também procurada por aí haver casas de prostituição. O nome terá origem em iwilei, que nos dialetos da língua havaiana denotava o osso da clavícula e uma unidade de medida de comprimento equivalente a uma jarda (91,44 cm, de acordo com o Dicionário Houaiss)2. Trata-se, ao que parece, de uso metafórico aplicado à descrição geográfica.

Este nome não tem aportuguesamento óbvio, visto ser pouco ou nada usado em português.

 

1 Sobre a história desta área de Honolulu, ler Na Lama Kui, Research Division, Land, Culture, and History Section, ficha informativa, fevereiro, 2013.

2 Consultar a pesquisa de dicionários do Ulukau ou Biblioteca Eletrónica Havaiana.

Pergunta:

Na oração «Ele comia privativamente em seu chalé e fazia caminhadas longas e rápidas a cada manhã», deve-se usar ou não a preposição a antes de cada?

A frase foi traduzida do inglês: «He ate privately in his cottage and took long, fast walks each morning» (do Livro Talking Peace, p.14, Puffin Books, segunda edição, 1995, de Jimmy Carter, falando de Anwar Sadat nas reuniões de Camp David).

Seria aquela a melhor tradução para «each morning»?

Resposta:

A expressão «a cada manhã» (ou «cada manhã», sem preposição) está correta, mas também é possível e até corrente a construção com todas: «todas as manhãs»1.

Por outro lado, convém observar que é muito discutível traduzir privately por privativamente. Na verdade, o advérbio de modo inglês tem vários equivalentes, entre eles, a locução «em privado»2, mas privativamente não se conta nessas traduções porque este advérbio significa «de modo especial, de modo exclusivo», como se infere de dois exemplos retirados do Corpus do Português:

(1) «pelo que respeita à Antonomásia, que aquillo que mais privativamente a caracteriza, é a relação do individuo com os seus accessorios» (Francisco Freire de Carvalho, Lições Elementares de Eloquência Nacional, 1840).

(2) «A capela era pequena, mas muito bem tratada. Ao rés do chão, à esquerda, perto do altar, uma tribuna servia privativamente à dona da casa, e às senhoras da família ou hóspedas, que entravam pelo interior [...]» (Machado de Assis, Casa Velha, 1886)

Sugere-se, portanto, uma formulação alternativa para a frase em questão:

«Ele comia em privado no seu chalé e fazia caminhadas longas e rápidas todas as manhãs.»

 

1 Pode dizer-se  que «cada manhã» traduz a expressão inglesa each morning e que «todas as manhãs» corresponde a every morning (cf.

Pergunta:

Gostaria de saber a etimologia da palavra alcar e/ou o seu significado.

Apenas sei que deriva do árabe: al-qārah.

Obrigada

Resposta:

O nome maculino alcar denomina um «arbusto vivaz, da família das Cistáceas, nativo da região mediterrânica (é espontâneo e frequente em Portugal), [que] apresenta folhas elípticas, com pelos na face superior e flores de pétalas amarelas» (dicionário da Infopédia). O nome científico é Helianthemum tuberaria (ibidem; ver também o Dicionário Priberam , o dicionário de Caldas Aulete e o Dicionário Houaiss). Os dicionários consultados indicam igualmente que esta planta é ainda conhecida pelos nomes de sargaço-híspido, erva-das-sete-sangrias e sete-sangrias.

Já quanto à etimologia, há consenso quanto à origem árabe, mas menos clara se torna a palavra exata que dá o étimo. Parte dos dicionários em referência apresentam formas que variam entre al-qar, al-qara e al-qārah, sem que se consiga identificar um significado inequívoco. O dicionário Infopédia apresenta alkara, no sentido de «marroio» ou «marrúbio», nome que designa plantas do género Marrubium, da família das labiadas (cf. Dicionário Houaiss e Infopédia).

Pergunta:

É mais correta a designação de «o meu cunhado» ou a de «o meu ex-cunhado» para referir o irmão da minha ex-mulher?

Resposta:

Se se trata de fazer referência, numa situação de divórcio, ao irmão da ex-mulher, a expressão adequada é ex-cunhado.

A pergunta é de natureza jurídica e envolve aspetos extralinguísticos, conceptuais e técnicos, que não dependem de um juízo gramatical. Mesmo assim, pode apurar-se que o uso de ex-cunhado é correto, uma vez que, numa situação de divórcio, termina também a afinidade com os parentes do ex-cônjuge.

Por outras palavras, assim como se diz ex-sogra e ex-sogro, também se dirá ex-cunhado, porque com o divórcio, cessam os laços de afinidade, conforme se observa nos seguintes esclarecimentos relativos à definição dos laços de afinidade no quadro jurídico português:

(1) «Se o casamento terminar por morte de um dos cônjuges, mantêm-se os laços de afinidade. Neste caso, a sogra continua a ser sogra.

Mas se o casamento terminar por divórcio, de acordo com a actual legislação, em vigor desde 1 de Novembro de 2008, cessam os laços de afinidade.

Agora, pode dizer-se com toda a propriedade “ex-sogra”.»

(Edgar Valles, "Sogra ou ex-sogra", Consultório de Justiça, in Público)

(2) «A afinidade [com os parentes do cônjuge] não cessa com a dissolução do casamento por morte de um dos cônjuges. Mesmo tendo um deles falecido, o outro continua a ser afim dos seus parentes. Já se ocorre a dissolução do casamento por divórcio, as relações de afinidade cessam» (Laura Teixeira, "Relações familiares", 05/06/2021).

Acresce que afinidade é termo e conceito jurídico, definido em Portugal como «o vínculo que liga cada um d...