Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na letra da "Pronúncia do Norte" dos GNR, diz-se: «Os antigos chamam-lhe "renho".» Tenho procurado "renho" em muitos dicionários sem conseguir encontrar.

Podem ajudar?

Resposta:

A palavra em questão é relho, que se usa no sentido de «rígido, duro, muito velho»1

O vocábulo relho ocorre em expressões fixas como «velho e relho», que significa «muitíssimo velho», e «sem relho nem trambelho», «sem razão, sem organização»2. A palavra raramente ocorre sozinha, o que faz, portanto, do verso «os antigos chamam-lhe relho», da letra do grupo GNR, uma exceção.

Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa.

2 Idem, ibidem.

Pergunta:

Qual o significado e a forma correta de escrever o nome ?

Resposta:

Atualmente, na escrita, aceitam-se as duas formas Job e , conforme prevê o Acordo Ortográfico de 1990, na sua Base I, secção 5:

«As consoantes finais grafadas b, c, d, g e h mantêm-se, quer sejam mudas, quer proferidas, nas formas onomásticas em que o uso as consagrou, nomeada­mente antropónimos/antropônimos e topónimos/topônimos da tradição bíblica; Jacob, Job, Moab, Isaac, David, Gad; Gog, Magog; Bensabat, Josafat. [...] Nada impede, entretanto, que dos antropónimos/antropônimos em apreço sejam usados sem a consoante final Jó, Davi e Jacó

Quanto ao significado etimológico de Job, a origem é claramente hebraica, da forma Īyyōv, embora não haja consenso quanto à palavra ou expressão exatas donde este nome próprio se desenvolveu. Há quem considere que Īyyōv significava literalmente «odiado, perseguido» e vinha de ayyabh, usado no sentido de «ele era hostil (a alguma coisa/alguém) e relacionado com o nome ebhah, «inimizade, hostilidade». Também se defende que o significado original do nome era o de «aquele que é paciente»1.

1 Sobre este assunto, ver o Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, e, em inglês, o Online Etymology Dictionary.

Pergunta:

É possível utilizar a palavra geronto como substantivo significando «idoso», dado que o prefixo geronto- é aceite como elemento de formação de palavras referentes à velhice?

Obrigado!

Resposta:

É de duvidosa correção o uso de geronto como palavra autónoma.

É verdade que a forma geronto está a ser usada em artigos especializados como sinónimo de idosos1. Contudo, há razões que o desaconselham:

1. A forma geront- ocorre como radical (não é prefixo2), seguida do elemento de ligação o, em palavras compostas como gerontocracia, «gestão exercida por anciãos», e gerontologia, «estudo dos fenómenos associados ao envelhecimento do ser humano»3. Não funciona geralmente como palavra autónoma.

2. Existe a forma geronte, que seria a correta dado configurar-se como adaptação correta do grego. No entanto, emprega-se geronte como termo das ciências históricas e políticas, com um significado muito específico: «entre os gregos antigos, indivíduo idoso, membro da gerúsia» (Dicionário Houaiss).

Em síntese, não se recomenda geronto, parecendo preferível utilizar idoso ou ancião. Não obstante, é preciso alguma atenção ao uso de geronto como palavra autónoma, pois, se se difundir e se enraizar como termo especializado, acabará por encontrar legitimidade normativa.

 

1 Ver "IPPPI – Instituto Português de Protecção à Pessoa Idosa", de Carlos Gamito (documento em linha consultado em 31/08/2023).

2 Sobre a diferença entre radicais e prefixos, e as dificuldades que surgem, por vezes, nessa distinção, ver "Prefixos e radicais (DT)".

3 Cf. <...

<i>Politicólogo</i> e <i>politólogo</i>
Uso lexical, morfologia e eleições em Espanha

É frequente encontrar muitos comentadores televisivos identificados como politólogos. Menos corrente, pelo menos, em Portugal, parece ser a forma politicólogo, que figurou no oráculo de um serviço noticioso, a respeito das eleições espanholas de 23 de julho de 2023. Um apontamento do consultor Carlos Rocha.

Pergunta:

Surpreendi no mural do escritor Mário Cláudio a expressão «põe-lhe sal na moleirinha», dita por alguém referindo-se de forma crítica à relação da nora com o filho.

Pesquisei e vi outras formulações com alteração do verbo inicial, tais como: «bota-lhe sal na moleirinha» ou «joga-lhe sal na moleirinha», e outras tantas em que moleirinha é substituído por moleira.

Os sentidos, do que averiguei numa pesquisa breve, podem ser diferentes e ir desde a crítica, sendo o equivalente a «mói-lhe o juízo», «inferniza-lhe a cabeça», «põe-lhe coisas na cabeça», «põe-no a cismar», como em «Se a seus afins não põe ao largo do seu beiral, queira ou não queira, hão de lhe o sal pôr na moleira!», até ao elogio, com o sentido de «põe-lhe juízo na cabeça», visível em: «Deus põe sal na minha moleira para me dar mais juízo». Ou mesmo ter um sentido equivalente a «salgar a terra», na qual depois nada nasce, visível nos versos: «Eu não quero mais amar / Nem achando quem me queira / O primeiro amor que tive / Botou-me sal na moleira».

Podem, por favor, esclarecer os vários sentidos da expressão?

Resposta:

«Pôr o sal na moleira» (ou «na moleirinha») é expressão idiomática que encontra registo no dicionário de Caldas Aulete:

«Pôr o sal na moleira 1. a alguém (pop.), fazer perder a paciência, não se poder aturar, dar que fazer ou que pensar.»

O dicionário da Academia das Ciências de Lisboa inclui também esta e outras expressões no artigo referente a moleira, vocábulo genericamente definível como «abóbada do crânio», mas que também ocorre no sentido de «juízo, tino»:

«pôr (o) sal na moleira a alguém: 1. fazer perder a paciência a alguém; 2. dar uma lição a alguém; fazer com que seja mais ponderado»

«ser duro da moleira: ser pouco inteligente»

«ter já a moleira dura: já ser velho de mais para aprender».