Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Sei que 18 tanto se pode ler "dezôito" como "dezóito" e que ambas estão corretas, fiz várias pesquisas e em tempos encontrei uma justificação diferente que já não consigo encontrar. É mesmo só por motivos regionais, ou há mais alguma justificação? Porque em piada é bastante comum ouvir dizer «então porque não se diz "biscóito" em vez de "biscoito"?» Foi só porque alguém não se "lembrou" de começar a dizer dessa forma e não de outra? Fica a questão...

Obrigada.

Resposta:

Em Portugal, a pronúncia de dezoito com o aberto ("dezóito"), considerada como a da língua-padrão1, é vista como a evolução da forma "dezaoito" (ainda hoje existente no galego normativo). Sobre a história de dezoito e a variação da sua pronúncia, diz Leite de Vasconcelos (Lições de Filologia Portuguesa, Lisboa, Oficinas Gráficas da Biblioteca Nacional, 1926, pág. 296; manteve-se a ortografia original):

«[...] Dezóito tem ói (ao passo que oito tem normalmente ô), porque resulta das formas arcaicas dezooito < dezaoito; esta última é paralela a dezanove, dezasete, e dezaseis. Em alguns sítios, por exemplo, em Vila-Real de Trás-os-Montes, diz-se dezôito, com ô, por influência do de ôito, que também aí se usa.»

Note-se igualmente que, já desde o século XIX, se regista não só a forma com o fechado, "dezôito", mas também a forma "óito", com o aberto, geralmente atribuindo-se ambas as formas aos falares do Norte de Portugal (cf. Gonçalves Viana, "Materiais para o estudo dos dialectos portugueses", Revista Lusitana, vol. I, 210).

Sobre o favor que a forma "dezôito" tem na tradição normativa portuguesa, refira-se que Vasco Botelho de Amaral, no Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português, pág. 1122), era perentório, quando escrevia: «Dezoito. Lê-se com ói aberto: dezóito, e não dezôito [...].» No entanto, ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1945 (AO), ...

Pergunta:

O 7.º conde de Soure (1798-1838) chamava-se D. Henrique José da Costa Carvalho Patalim Sousa Lafetá. Relativamente aos apelidos, parecem-me originais e inéditos os de Patalim e Lafetá.

Será que me poderiam explicar a origem e o significado destes dois apelidos?

Muito obrigado!

Resposta:

Sobre os apelidos (ou sobrenomes) Lafetá e Patalim, transcrevemos o que regista Manuel de Sousa, em As Origens dos Apelidos das Famílias Portuguesas:

«Lafetá – Apelido de origem italiana usado por uma notável família da cidade de Cremona, no ducado de Milão, da qual um ramo passou à Flandres, na pessoa de Carlos d´Alfaiati – nome que naquela terra se grafou "Affaytadi" – ali se tendo dedicado ao negócio na segunda metade do século XV. Seria provavelmente seu irmão João Francisco d´Alfaiati, que veio instalar-se em Portugal durante o reinado de D. Manuel I, aqui se chamando de Lafeitar, Lafetat ou Lafetá, sendo esta última a forma que veio a prevalecer. Aquele João Francisco pôde reunir grande fortuna graças ao comércio de especiarias vindas da Índia, vindo a ser fidalgo da Casa de D. João III e comendador do Mogadouro, na Ordem de Cristo. Com a grande fortuna granjeada instituiu dois importantes morgados em favor de seus filhos naturais, cuja descendência continuou o apelido. As armas dos Lafetás são idênticas às dos Alfaiati italianos: de azul, com um castelo de ouro. Timbre: o castelo do escudo.»

«Patalim – Apelido que deve ser proveniente de alcunha e que já em 1319 era usado por Lopo Rodrigues Patalim e sua mulher D. Mor Pires, que instituíram um morgado na freguesia de São Pedro de Évora. Este apelido foi continuado pelo filho dos precedentes, Rui Rodrigues Patalim. São armas desta família: escudo esquartelado, sendo o primeiro e o quarto de ouro, com quatro faixas de azul, e o segundo e o terceiro de vermelho, com um castelo de ouro. Timbre: o castelo do escudo.»

A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira tem informação praticamente igual, e o mesmo se encontra em forma mais abreviada no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José P...

Pergunta:

A forma «há de ser» é uma forma arcaica, ou, ao contrário, moderna, em comparação com a construção que usa o verbo no futuro do presente?

Exemplo:

«Ela há de ser feliz» e «Ela será feliz».

Há diferenças entre elas além da diferença estilística?

Pode-se dizer que uma seja mais ou menos formal que outra? A depender do contexto, torna-se preferível uma, ou outra? Verifica-se desuso?

Contentar-me-ia muito uma resposta competente como as vossas respostas, do excelente Ciberdúvidas.

Desde já, obrigado.

Resposta:

A forma «há de ser» não é propriamente um arcaísmo. Historicamente, é uma construção alternativa ao futuro do presente, que, no período de transição do latim ao português, correspondia a uma perífrase com haver: «há ser» e «ser há» (> será)*. As duas variantes da construção com haver especializaram-se, e, embora «há-de ser» e será refiram situações futuras, atribui-se a «haver de» um valor modal que marca uma intenção ou um vaticínio sobre uma situação ou acontecimentos futuros («hei de vencer»; «há de haver fome»).

* «O FUTURO DO PRESENTE e o FUTURO DO PRETÉRITO são formados pela aglutinação do INFINITIVO do verbo principal às formas reduzidas do PRESENTE e do IMPERFEITO do auxiliar haver: amar + hei, amar + hia (por havia), etc.» (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pág. 391). Note-se que haver como auxiliar numa perífrase verbal pode ser usado noutros tempos verbais, com novas significações: «seguido de de mais pres. do infinitivo de outro v., exprime futuridade promissiva com idéia de 1) `desejar com intensidade´: haveremos de lá chegar; hás de pagar o mal que fizeste; há de haver dinheiro para nós ali 2) `ter fatalmente de´: todos havemos de morrer 3) `ser do propósito (de alguém)´: haveríamos de comer todas aquelas delícias; decidiu que haveria de ir; nunca hei de lá voltar c) se o v. está num tempo passado, o valor promissivo atenua-se, passando a expressar um dever ou uma possibilidade ou uma dúvida: por que havia ela de empanturrar-se de doces?; se tivesse estado entre nós antes, haveria de nos apoiar agora; haviam de ser umas onze horas;...

Pergunta:

A elipse só se dá após o vocábulo, verbo, etc. já terem sido referidos inicialmente no texto? Por exemplo, na seguinte frase pode-se dar a elipse do que está entre parênteses?

«Em termos de mastites subclínicas, os custos variaram entre os 53 EUR/vaca e os 120 (EUR/vaca), para CCSLT inferiores ou (para CCSLT) superiores às 100 000 células/ml de leite e às 400 000 (células/ml de leite), respectivamente.»

A parte inicial da frase acima também poderá ser escrita da seguinte forma:

«Em termos de mastites subclínicas, os custos variaram entre os 53-120 EUR/vaca (…)»

Agradeço antecipadamente por qualquer ajuda com a minha questão.

Resposta:

Há casos de elipse por antecipação (regressiva, ou seja, «em que o material elíptico precede o antecedente», Gramática do Português, Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, pág. 2374-2375; exemplo da fonte consultada):

(1) «A Maria gosta, mas tu detestas praia.» = «A Maria gosta de praia, mas tu detestas praia.»

Mas não é bem este o caso que apresenta o consulente, que pretende definir como intervalo o valor atribuído a uma determinada unidade ou relação («EUR/vaca»). Sendo assim, a construção gráfica e sintática mais adequada à representação por intervalos é a indicada por último na própria pergunta:

(2) «Em termos de mastites subclínicas, os custos atingem os 53-120 EUR/vaca...»

Pergunta:

Como classificar a subordinada da frase complexa seguinte: «Blimunda não tinha outro recurso que chamar-se Blimunda.»

Obrigado.

Resposta:

Pode considerar-se que a frase não é propriamente complexa, antes incluindo uma construção que Evanildo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 2002, p. 564) denomina «expressão exceptiva». Sob este termo agrupa o referido gramático as construções «não... senão» (ex.: «não se viam senão refugiados»), «não... mais que/do que» (ex.: «não se viam mais que/do que refugiados») e «outro... que» (ex.: «não se viam outras pessoas que refugiados»). Deste modo, a frase «Blimunda não tinha outro recurso que chamar-se Blimunda» é equivalente a «Blimunda não tinha outro recurso senão chamar-se Blimunda», que acaba por ser praticamente o mesmo que «Blimunda só tinha o recurso de chamar-se Blimunda», em que é um advérbio de exclusão.