Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual a origem do nome próprio Bessa?

Resposta:

O apelido ou sobrenome Bessa, também escrito como Beça, é provavelmente um nome que provém do topónimo espanhol Baeza (José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, 2003). D. Luiz de Lancastre e Tavora, no Dicionário das Famílias Portuguesas (Lisboa, 2010, p. 99), reitera esta proveniência do seguinte modo: «No tempo do nosso rei D. Fernando I fixou-se em Portugal Juan Alfonso de Baeza, que daquele soberano recebeu as vilas de Alter do Chão e do Vimieiro. Juan, depois João Afonso, casou aqui e teve descendência, que começou por aportuguesar o nome em Baeça e depois em Beça [...].»

Baeza, que é como se chama uma cidade da província de Jaén, na Andaluzia, é topónimo que evoluiu por via do árabe (Bayyāsa) a partir das formas Beatia e Vivatia, atribuídas a uma villa romana e derivadas do nome próprio Vivatius (Jairo J. García Sánchez, Andalucía y sus topónimos IV, Centro Virtual Cervantes). Há autores que contestam que as famílias com este apelido provenham diretamente de Baeza, considerando que com este nome vários cavaleiros procuravam prestigiar-se aludindo à sua participação na conquista da cidade aos árabes; assim se explica que, na Idade média, a família mais conhecida com este apelido procedia de Valdepeñas, na comunidade de Castela-La Mancha (Blasonari. Genealogía e heráldica).

Perante a hipótese de uma origem espanhola, é de assinalar que a grafia mais adequada é a que exibe um ç, uma vez que esta é uma das letras correspo...

Pergunta:

Com a entrada da República da Guiné Equatorial [na CPLP], muitos jornalistas utilizaram os gentílicos guinéu-equatoriano e equato-guineense para o país, distinguindo-os assim dos da República da Guiné-Bissau (e também da República da Guiné, conhecida muitas vezes entre nós pelo oficioso Guiné-Conacri). Sabendo que este assunto já foi superficialmente tratado aqui no Ciberdúvidas, gostava no entanto de saber se é legítimo o uso de "equato-guineense"? É que nunca tinha ouvido falar do prefixo "equato-". E quanto ao "bissau-guineense" (usado por analogia com o inglês Bissau-Guinean)? Não seria uma boa alternativa para casos em que seja necessário distinguir os gentílicos das três Guinés?

Muito obrigado pelo esclarecimento.

Resposta:

O Dicionário Houaiss, o Dicionário Priberam (DP) e o Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora (DLP-PE),  registam guinéu-equatoriano. No entanto, o primeiro dos referidos  dicionários também dá outra pista ao registar a forma equatoro-guineo- como antepositivo usado em compostos em que se coordenam dois gentílicos (cf. afro-asiático); Sendo assim, poderia propor-se a forma não atestada "equatoro-guineense". Por outro lado, o DP e o DLP-PE já registam uma forma com o elemento de composição equato- (não é um prefixo, mas também não é a rigor um radical; é um elemento de composição obtido por truncação): equato-guineense.

Quanto ao gentílico da Guiné-Bissau, não se afigura descabido propor, em alternativa ao decalque do inglês "bissau-guineense", as formas não atestadas guinéu-bissauense ou guinéu-bissanense, que incluem os gentílicos correspondentes a Bissau, bissauense e bissanense (cf. DP e DLP-PE).

Cf. Sem Ano-Bom, a Guiné Equatorial não tem nenhum vínculo com a CPLP

Pergunta:

Gostaria de saber qual a diferença entre régio e real.

Quando devo usar uma ou outra palavra?

Resposta:

Não se pode dizer que haja uma diferença nítida entre as duas palavras. O seu uso parece depender das palavras a que se associam preferencialmente (colocações) e com as quais funcionam quase como expressões idiomáticas. Por exemplo, emprega-se muito mais «carta régia», «iniciativa régia» ou «autorização régia», em comparação com «carta real», «iniciativa real» e «autorização real» (cf. Corpus do Português, de Mark Davies e Michael Ferreira). Assinale-se, contudo, que real tem sentido genérico, abrangendo régio, como termo mais específico que significa sobretudo «emanado do rei» (Dicionário Houaiss). E observe-se que, mesmo assim, há expressões que podem aceitar ambos os sinónimos: «absolutismo real/régio», «poder real/régio», «tesouro real/régio», «erário real/régio» (cf. idem).

Pergunta:

Escreve-se «16 avos de final», «16 avos-de-final», «dezasseis avos-de-final», ou «dezasseis avos de final»? Ou todas as expressões são incorrectas?

Resposta:

Tendo em conta que se escreve «oitavos de final» (antes oitavos-de-final) e «quartos de final» (antes quartos-de-final), deve escrever-se «dezasseis avos de final» (no Brasil, «dezesseis avos de final»), por extenso, sem hífen. Esta grafia segue a Base XV, 6.º, do Acordo Ortográfico de 1990 (AO 90), em que se prevê que os compostos com elementos de ligação perdem o hífen (exceto alguns casos1 e as denominações de espécies botânicas e zoológicas). Ao abrigo do acordo anterior (o de 1945), é de supor a grafia «dezasseis avos-de-final». Note-se que, tradicionalmente, o fracionário avos não se liga com hífen ao numeral que o precede («dezasseis avos»), apesar de ambos os acordos serem omissos quanto a este ponto.

1 Sobre a controvérsia que rodeia a interpretação da Base XV, 6.º, do AO 90, ler Acerca de ´cor de rosa` e cor-de-laranja.

Pergunta:

Sempre uma viagem ao Alentejo tem os seus impactes na cadência da nossa fala. Apercebemo-nos de que nos falares desta região não só o ritmo estranha, como também há uma tendência à monotongação do “ditongo” (depois do rol de mensagens a este propósito, as aspas são compreensíveis) [ɐj] em [e]. Ilustrativamente, vejamos pasmaceira > "pasmacêra". Também há regiões do país onde não menos frequente é ouvir-se "mê" em vez de meu. Há gente que pronuncia "côsa" em vez de coisa e "na" [nɐ] em desproveito de não [nɐ~w~]*. Em contraponto, noutras regiões do país, há uma tendência à ditongação (arquipélagos e Norte, a bem dizer).

Impõem-se a seguintes perguntas:

♦ O caso alentejano faz prova da fragilidade das semivogais em português (veja-se, porém, que nunca ouvi dizer [pa] por pai – penso nomeadamente no timbre vocálico/na abertura vocálica...)?

♦ Como justificar esta tendência (biológica?) à monotongação ou, vice-versa, à ditongação?

Quaisquer outros comentários a este propósito serão bem-vindos.

* Por razões técnicas, não foi possível sobrepor o til aos símbolos fonéticos ɐ e w, de modo a representar a representar o ditongo nasal.

Resposta:

É próprio das línguas variarem, e é próprio da sua institucionalização como veículos da administração de um país reduzir essa variação, com a elaboração da chamada norma-padrão. Os casos de monotongação1 apresentados são característicos de grande parte dos falares centro-meridionais de Portugal: sul da Beira Baixa, parte da Estremadura, Ribatejo, Alentejo e Algarve. Não há razão biológica especial para a monotongação: esta pode ser devida a uma situação histórica (um substrato, isto é, uma língua anterior à implantação do latim ou do português, que não tinha ditongos) ou à pópria deriva do sistema fonológico do português nessas regiões.

Refira-se ainda que a perda de ditongo em meu e a sua manutenção em pai não parece traduzir uma fragilidade que se generalize a todos os ditongos nos falares do Sul de Portugal. O que acontece é mais a fragilidade dos ditongos em palavras que não têm acento próprio e que se subordinam ao de outras, como sejam os pronomes átonos e muitas formas de determinantes, entre elas, a do possessivo no género masculino da 1.ª pessoa do singular, ou seja, meu: daí dizer-se, com frequência nos dialetos centro-meridionais, «o mê pai», em lugar de «o meu pai». A palavra pai conserva melhor o ditongo, pelo menos, antes de pausa, não se sujeitando à monotongação que pode ocorrer em meu: «Viste o mê pai?» (e não «viste o mê pá»).

Por último, importa dizer que os dialetos portugueses que incluem ditongos não têm propriamente uma «tendência a ditongar»; talvez seja mais adequado dizer que tendem a conservar os ditongos. Nestas variedades, que em Portugal se identificam sobretudo com os chamados dialetos setentrionais, os ditongos são resultado da evolução dos ditongos do latim (AURU > ouro) ou da deslocação de segmentos na palavra, ou ...