Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber qual a grafia correta, segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, dos termos médicos: "equino-varo"; "cavo-varo" e "equino-cavo-varo". Penso que o correto seria "equinovaro", "cavovaro" e "equinocavovaro". O que vocês acham?

Obrigado.

Resposta:

Termos especializados, formados por elementos de origem grega ou latina, não costumam apresentar hífen, aglutinando-se os seus elementos constituintes. Assim, não exibe hífen o adjetivo equinovaro, «que tem uma combinação de pé equino e pé varo» (Dicionário de Termos Médicos na Infopédia), constituído por equino-, elemento equivalente ao adjetivo equino, «que se parece com o cavalo», e -varo, «que está voltado ou virado para dentro»). O mesmo se pode afirmar acerca de cavovaro, formado pelos radicais cavo- («elemento de composição que significa cavalo, côncavo ou relação com cavidade», idem) e -varo (elemento de composição equivalente ao adjetivo varo) ou do composto que associa os três radicais, equinocavovaro (ver «pé quinocavovaro» neste artigo).

Pergunta:

Qual é a origem da expressão «de vão-de-escada»?

Obrigada!

Resposta:

Nas fontes disponíveis, não foi possível encontrar informação sobre as circunstâncias históricas que levaram a fixar a expressão «de vão de escada», que é característica do português de Portugal.

Esta expressão aplica-se adjetivalmente e tem o seguinte significado, segundo uma definição disponível numa página da Internet:

«Diz-se de uma [e]scola, de uma loja, de um escritório, etc., com pretensões, mas que afinal é coisa mixuruca e irrelevante. Pode dizer-se de um curso, que seja dado no "vão de escada", ou seja, em condições péssimas, em instalações indignas, com professores de segunda ou terceira categoria.»

No Corpus do Português de Mark Davies e Michael Ferreira encontra-se apenas um exemplo de uso desta expressão, num texto produzido em Portugal:*

«Depois de duas incursões pelo país das maravilhas, os deputados de o PSD fizeram-se ao Vale do Ave para espreitar a crise. Não propriamente o Vale profundo das empresas falidas ou das subindústrias de vão de escada. Mas o Ave dos sobreviventes que chegaram com a mão aos fundos.»

Observe-se que a expressão não se aplica apenas a lugares, podendo também caracterizar pessoas: «psicólogos de vão de escada». Ocorre ainda associada a conversa, em «conversas de vão de escada», como o mesmo que «coscuvilhices».

«Vão de escada» significa o mesmo que «espaço compreendido entre os degraus de um andar e o outro que lhe fica superior». É possível que a expressão tenha começado a ser usada por alusão espacial (isto é, por

Pergunta:

Na frase «O silêncio é um dos argumentos mais difíceis de se rebater» (Josh Billings), por que o infinitivo «rebater» não está flexionado? O se é pronome apassivador, podendo a frase escrever-se «O silêncio é um dos argumentos mais difíceis de serem rebatidos»? Ou o se é partícula expletiva podendo, portanto, ser retirado da frase, que ficaria com a redação «O silêncio é um dos argumentos mais difícies de rebater»?

Antecipadamente grato.

Resposta:

O caso em questão é classificado e descrito pela Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, pág. 1961) como uma construção de elevação do objeto:

«Na construção de elevação do objeto, o sujeito da oração principal corresponde, do ponto de vista semântico, ao complemento direto da oração subordinada, representado pelo segundo "[-]" nos exemplos [a seguir] (cf. arranjar esses relógios, aturar essas crianças, encontrar a rua onde ela mora e encontrá-las):

[...]

a. Esses relógios são difíceis de [Or [-] arranjar [-]].

b. Essas crianças são impossíveis de [Or [-] aturar [-]].

c. A rua onde ela mora é fácil de [Or [-] encontrar [-]].

[...]

Outra característica da construção de elevação do objeto é o facto de ser obrigatoriamente preposicionada, sendo de a preposição introdutória quando o predicador da oração principal é de natureza adjetival.

A elevação do objeto ocorre tipicamente em frases copulativas com predicadores adjetivais de sentido modal ou semelhante, incluindo chato, difícil, fácil, impossível e maçador, sendo mais aceitável quando o sentido destes predicadores é negativo. [...]»

Note-se que esta construção não impede, na oração subordinada, o uso do verbo na passiva (com auxiliar ou partícula apassivadora) (cf. João Peres e Telmo Móia, Áreas Críticas da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 1995, pág. 214-217):

(1) Este...

Pergunta:

Só para tentar entender.

Se na grafia Paraguai há um tritongo, por que na grafia guaiuba não tem?

Se tem por que compará-la com baiuca para informar a perda do acento gráfico após um ditongo decrescente.

É vasto o território de minha ignorância, mas, no meu entender, guaiuba, como peixe, não deveria nunca ser acentuada graficamente, já que o u é após um tritongo. Perdão, se falei bobagem.

Resposta:

Ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990, a palavra guaiuba* não é acentuada graficamente. Contudo, de acordo com a norma anterior à aplicação do novo acordo ortográfico – a qual, no Brasil, corresponde ao Formulário Ortográfico de 1943 –, a palavra em apreço tem a grafia guaiúba.

Note-se que guaiuba apresenta um tritongo (uai) seguido de vogal (u). Em Portugal, o Acordo Ortográfico de 1945 estipulava que as vogais i e u que são núcleo de sílaba, precedidas de ditongo, não recebiam acento gráfico (Base XV): «Dispensa-se o acento agudo nas vogais tónicas i e u de palavras paroxítonas, quando elas são precedidas de ditongo; nos ditongos tónicos iu e ui, quando precedidos de vogal; e na vogal tónica u, quando, numa palavra paroxítona, está precedida de i e seguida de s e outra consoante. Exemplos dos três casos: baiuca, bocaiuva, cauila, tauismo; atraiu, influiu, pauis; semiusto.» Ou seja, casos como o de baiuca não tinham acento gráfico, aplicando um critério que também se afigura válido para casos em que i ou u são precedidos de tritongo. Esta regra mantém-se no AO 90.

* «[P]eixe teleósteo, perciforme, da fam. dos lutjanídeos (Ocyurus chrysurus), encontrado no Atlântico, com até 70 cm de comprimento, dorso pardo, ventre...

Pergunta:

Qual é a real diferença entre os conceitos de verbo irregular e anômalo?

Já pesquisei infinitas gramáticas e todas os conceituam de forma semelhante. Ou seja:

«Sofrem alteração no radical durante a conjugação de modo e tempo. As terminações do verbo (desinências verbais) não seguem o padrão dos verbos regulares.»

Portanto, qual a diferença entre essas duas classificações (irregular e anômalo)?

Ficarei muito grato se puderem me esclarecer.

Resposta:

Segundo Evanildo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, 2002, p. 226), um verbo anómalo é um verbo irregular «[...] que apresenta, na sua conjugação, radicais primários diferentes: ser (reúne o concurso de dois radicais, os verbos latinos sedēre e ĕsse) e ir (reúne o concurso de três radicais, os verbos latinos ire, vadēre e ĕsse». O mesmo gramático observa também que «[o]utros autores consideram anômalo o verbo cujo radical sofre alterações que o não podem enquadrar em classificação alguma: dar, estar, ter, haver, "ser", poder, ir, vir, ver, caber, dizer, saber, pôr, etc.» Ou seja, aplica-se a expressão «verbo anómalo» a um subtipo de verbo irregular, mas o mesmo termo também se emprega em alternativa a «verbo irregular».