Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na expressão «Deus ajuda a quem madruga», qual é a função de «a» na frase? Porque não se diz «Deus ajuda quem madruga»?

Normalmente o verbo ajudar rege a mais infinitivo ou em mais substantivo...

Obrigada desde já pela resposta e atenção.

Resposta:

Como muitos provérbios, o uso a que se refere é um arcaísmo, que ainda se encontra no português dialetal. Com efeito, em certas variedades do português é possível encontrar ocorrências de ajudar com objeto indireto: «ajudar a alguém».

Este uso sintático pode também ter aproveitamento literário, como se verifica numa passagem escrita por José Saramago, na História do Cerco de Lisboa:

«[...] Alá não costuma ajudar a quem a si próprio se não ajude, e esses cinco barcos de cruzados que aí estão fundeados no rio há seis dias [...] (cf. Corpus do Português).

Pergunta:

Gostaria de conhecer a origem da expressão «é o pões».

Muito obrigado.

Resposta:

Sobre a origem histórico-factual da expressão, as fontes consultadas (ver mais adiante) são omissas sobre o assunto. No entanto, do ponto de vista descritivo, é possível dizer que expressão «é o...», seguida de uma forma verbal no modo indicativo, se usa com valor de dúvida ou negação, como diz Guilherme Augusto Simões, no seu Dicionário de Expressões Populares Portuguesas (Lisboa, Edições D. Quixote, 1993), a propósito do caso concreto de «é o dás»:

«É o dás. Diz-se quando se duvida de que alguém dê o que diz dar, ou quando se dá uma nega ("Querias que ele te desse? É o dás!").»

Anote-se, porém, que a construção «é o» + verbo não se limita ao verbo dar, ocorrendo frequentemente como comentário que marca a atitude de alguém que fala e considera improvável ou impossível uma dada situação:

(1) «Julgas que pões o carro a funcionar? É o pões!»

Outras vezes, como diz G. A. Simões, marca uma negação:

(2) «Quiseram que eu falasse, mas é/era o falas, com tantas pessoas a protestar!»

Pergunta:

Gostaria de conhecer a origem da expressão «depois é que foram elas».

Muito obrigado.

Resposta:

Não se sabe como surgiu historicamente a expressão em causa. No entanto, existem várias expressões populares em que ela e elas ocorrem no discurso sem uma referência precisa, mas são interpretáveis como «coisa» e «arrelias, dificuldades»: «ela por ela» = «não haver grande grande diferença de qualidade ou quantidade entre duas coisas»; «elas por elas» = «de igual modo, da mesma forma»; «agora/aí/aqui é que são elas!» (a expressão em causa na pergunta) = «exclamação com que o orador reconhece estar perante uma séria dificuldade»; «andar com ela fisgada!» = «estar a preparar qualquer coisa secretamente; estar premeditando qualquer medida, golpe, vingança, etc.»; «dar por ela» = «notar descobrir alguma coisa secreta»; «saber como elas me, te, etc. doem/mordem» = «estar consciente das consequências sérias que decorrem de determinado ato, atitude, etc.» (António Nogueira Santos, Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas – Português, Lisboa, edições João Sá da Costa, 2006).

Pergunta:

No contexto de [uma] derrota do Benfica (em 14/05/2014), surgiu na boca de muito boa gente a expressão «os benfiquistas ficaram com um melão...».

Gostaria de perguntar se alguém sabe de onde vem a expressão...

Grato pela atenção.

Resposta:

Nas fontes de que disponho não encontro uma explicação factual nem exata de como a expressão surgiu. No entanto, o Dicionário de Expressões Correntes (Lisboa, Editorial Notícias, 2000), de Orlando Neves, regista que, com o mesmo significado («apanhar uma grande deceção/desilusão»), existem expressões como «ficar com uma cabeça», «ficar com uma grande cachola», «ficar com uma grande pinha/mona». Afonso Praça, no seu Novo Dicionário do Calão (Lisboa, Casa das Letras, 2005), observa que todas essas expressões são sinónimas de «ficar com uma grande cabeça» (manteve-se a ortografia original):

«Ficar com um grande cabeça – Ser ludibriado; ficar desapontado, desiludido; sofrer uma grande decepção. [Existem diversas expressões correspondentes a "ficar com uma grande cabeça". Temos, assim, "ficar com uma grande cachola; ficar com um grande melão; ficar com uma grande mona; ficar com uma grande pinha. Tanto "cachola" como "melão", "mona" e "pinha" significam "cabeça". Mas, em vez de "ficar com uma grande cabeça", podemos dizer ainda: "ficar com um grande pneu", "ficar com um grande nariz" e "ficar com uma grande penca". Enfim, é tudo o mesmo que "ficar de beiça caída" ou, então, "ficar de orelha murcha".]»

Acrescente-se que melão é metaforicamentre o mesmo que cabeça. Sendo assim, fica por desvendar o motivo que levou a criar «ficar com uma grande cabeça». Contudo, pode supor-se que cabeça esteja também por expressão ou cara, já que «ficou com uma cara» se emprega em referência a uma situação semelhante à aqui descrita, ou seja, quando alguém ficou espantado ou desapontado por alguma razão.

 

Cf. 

Pergunta:

Solicito que me esclareçam se existe a palavra sequelar que tantas vezes vejo escrita em relatórios de imageologia.

Muito obrigado.

Resposta:

O adjetivo sequelar não tem registo em dicionários gerais, mas figura no Dicionário de Termos Médicos, de Manuel Freitas e Costa (disponível na Infopédia). Significa «pertencente ou relativo a uma sequela» e pronuncia-se com ditongo crescente ue: sequelar, "secuelar".