Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se há alguma diferença entre usar «a menos» e menos em frases do tipo «Marina tem vinte anos, eu tenho dois anos a menos» (ou «menos»); «Naquela época, eu tinha três anos menos» (ou «a menos»).

Obrigado.

Resposta:

A locução «a menos» significa «menos que o devido», «em quantidade menos que a esperada» (cf. Maria Helena de Moura Neves, Guia de Uso do Português Contemporâneo, Editora UNESP, 2003).

Recorrendo à intuição de falante do português de Portugal, parece-me que, para referir simplesmente a diferença etária, se usa «menos» da seguinte maneira:

(1) «Marina tem vinte anos, eu tenho dois anos menos.»

(2) «Marina tem vinte anos, eu tenho menos dois anos.»

Pergunta:

Na frase «Gostei muito de ter assistido a este espetáculo» – «ter assistido» está em que tempo?

Resposta:

Trata-se do infinitivo impessoal composto ou pretérito.

No Dicionário Terminológico (DT), trata-se do modo infinitivo, uma forma verbal não finita que, como tal, não varia em tempo. Uma gramática que aplica o DT – a Domínios – Gramática da Língua Portuguesa (Plátano Editora, 2011, pág. 99 e 114), de Zacarias S. Nascimento e M.ª Céu Vieira Lopes – recupera terminologia mais antiga para classificar formas constituídas pelo infinitivo do auxiliar ter e um particípio passado como «forma composta do infinitivo impessoal». Nessa mesma gramática, dá-se a esta forma uma interpretação aspetual perfetiva, isto é, relativa a uma ação ou um processo concluídos.

Pergunta:

Gostaria de confirmar se o uso distinto que faço das locuções «de modo a» e «de molde a» se justifica, ou se as duas são afinal permutáveis.

Escreverei assim «A proposta apresentada é de molde a permitir um consenso» (ou seja, «pela sua natureza ou características, a proposta é suscetível de permitir um consenso»). Escreverei, em contrapartida, «Apresentei uma proposta, de modo a permitir um consenso» (ou seja, «para que cheguemos a um consenso, apresentei uma proposta», sem que haja nexo causal – ou gramatical – direto entre a natureza da proposta e o possível consenso).

Desde já agradeço a vossa resposta.

Resposta:

Pode substituir uma expressão pela outra, quando se trata de introduzir uma oração subordinada adverbial final:

1) «Apresentei uma proposta, de modo/molde a permitir um consenso.»

Isto mesmo confirma o Dicionário Estrutural, Estilístico e Sintático da Língua Portuguesa (Livraria Chardron e Lello & Irmãos Editores, 1985), de Énio Ramalho, que recolhe exemplos de ambas as locuções com valor final:

2) «O plano foi concebido de molde a satisfazer as classes mais desfavorecidas.»

3) «Recomeçaram as conversações no sentido de se chegar a acordo e de modo a permitir a normalização da vida empresa.»

Em 2 e 3, não nos parece haver restrições à substituição de uma locução pela outra.

Acresce que na mesma fonte se atesta também o uso das duas locuções com o verbo ser:

4) «As opiniões que recolhemos são de molde a reforçar a nossa convicção.»

5) «A sua divisão administrativa será de modo a promover o desenvolvimento do país.»

Observe-se, contudo, que há maior preferência por usar a sequência «ser de molde a» como um todo, deixando a locução «de modo a» ocorrer noutros contextos. Com efeito, o Corpus do Português de Mark Davies e Michael Ferreira, apresenta ocorrências de «é de molde a» (1), «foi de molde a« (1) e «era de molde a» (5), todas elas representativas do uso de «ser de molde a» como expressão feita, mas, na mesma fonte, são praticamente nulas as ocorrências de «é/foi/era de modo a»1. Por outras palavras, é mais frequente e, portanto, mais natural dizer-se que «algo é de molde a...» do que «algo é de modo a......

Pergunta:

Qual a subclasse do advérbio sequer? Quando sequer se utiliza com valor enfático em contexto negativo, classifica-se como um advérbio de negação?

«A Ana participou no concurso de leitura, mas nem sequer leu a obra.»

Resposta:

O Dicionário Terminológico não inclui nem e sequer entre os seus exemplos. No entanto, a Gramática do Português, da Fundação Calouste Gulbenkian (2013, pág. 1672), classifica nem como advérbio de inclusão em frases negativas, em correspondência com até, que ocorre em frases afirmativas. Na mesma fonte, o advérbio sequer é apenas referido como tal, sem determinação de subclasse.

Pergunta:

Atualmente estou a viver na cidade de Rostock, na região de Mecklenburg-Vorpommern da Alemanha, e, ao visitar a página da Wikipédia sobre a cidade, verifiquei que o nome da mesma aparecia adaptado à língua portuguesa, ou seja, como Rostoque. Gostaria de saber quem regula/define os nomes das cidades e regiões de países estrangeiros e se o mesmo é verdade.

Desde já, obrigado.

Resposta:

Relativamente a Rostock/Rostoque, não parece haver tradição de uso da forma portuguesa, que, reconheça-se, é adequada ortográfica e fonologicamente. Como se trata de uma cidade que, até agora, pouca projeção tem tido nas culturas de língua portuguesa, parece provável que mantenha a grafia alemã. O mesmo acontece em relação a outras cidades da Alemanha que, apesar de terem nome português, são referidas pela forma alemã (cf. Mainz, que tem nome correspondente em português, Mogúncia, de uso escasso ou nulo).

Refira-se que, em Portugal, a entidade que tem podido definir (não tanto «regular») a forma a dar em português aos topónimos estrangeiros é a Academia das Ciências de Lisboa, que é órgão consultivo em matéria de fixação linguística. No entanto, atualmente há também que ter em conta o Instituto Internacional da Língua Portuguesa, que tem desenvolvido vários projetos, entre eles o do Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa, com vista a uma política de língua conjunta no seio da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Esperemos que as duas entidades se pronunciem mais cedo ou mais tarde sobre a questão da fixação da toponímia estrangeira.