Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Em Capitães da Areia, 1937, Jorge Amado põe João José, o Professor, a responder a João Grande: «Uma história zorreta, seu Grande – seus olhos brilhavam.»

Encontro Zorreta como apelido (sobrenome), mas não como adjetivo em nenhum dos dicionários que consultei. A palavra não figura sequer no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa editado em 2009 pela Academia Brasileira de Letras.

Podem ajudar-me a entender o que significa «uma história zorreta»?

Muito obrigado por tudo o que têm feito em prol da língua portuguesa.

Resposta:

A expressão «história zorreta» parece significar o mesmo que «história maluca».

Não encontro registo dicionarístico de zorreta. Contudo, considero que o contexto apresentado permite interpretar zorreta como «incrível» ou «inacreditável», o que me leva a supor, pela configuração e pela semântica semelhantes, que é variante do brasileirismo zureta, usado informalmente com o significado de «um tanto maluco; que se encontra fora do juízo, confuso, atordoado ou transtornado» (Dicionário Houaiss). A forma zureta também se encontra registada no Dicionário Aulete (versão em linha) e no Dicionário UNESP do Português Contemporâneo.

Refira-se que zureta tem origem em azoretado, alteração de azoratado, «perturbado, transtornado, distraído» (Dicionário Houaiss). Este adjetivo participial é conversão do particípio passado de azoratar, por sua vez um derivado de zorate por parassíntese (idem). Finalmente, zorate terá surgido, segundo o filólogo português Leite de Vasconcelos, como redução produzida por reanálise da expressão «casa dos orates» (orate = «doido»; cf. idem). Quanto à génese de zorreta, se for realmente variante de zureta, talvez nela se detete a ação da analogia com outras formas; assim, sugiro que a sequência eta foi interpretada como o sufixo -eta, com passagem da vibrante simples a vibrante múltipla por interferência concomitante do modelo induzido por palavras como porreta, «bom, simpático», forreta, «pessoa avarenta», ou jarreta, «pessoa com ...

Pergunta:

«As ondas são despolarizantes em relação a um eletrodo de referência e particularmente proeminentes [preeminentes] no lobo frontal.»

Na frase acima, qual termo é mais adequado?

Obrigado.

Resposta:

Como sinónimo de saliente, deve usar-se proeminente. É este o adjetivo mais adequado ao contexto apresentado.

Transcrevemos o que sobre os dois parónimos escreveu Vasco Botelho de Amaral, no Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português (1958), s. v. preeminente – manteve-se a ortografia original:

«Preeminente, isto é, superior, excelso, nobre, distinto, sublime. É mais usado no sentido moral. Proeminente, que significa propriamente saliente, surge às vezes também na acepção de preeminente, notável, excelso, no que influi o francês proéminent. Nos clássicos apresenta-se a grafia preminente [...].»

 

N.E.

O substantivo preeminência e o adjetivo preeminente escreve-se com duplo e.

Pergunta:

Aproveito este espaço para pedir o vosso esclarecimento sobre a forma correcta de escrever o nome da vila e concelho de Castro Daire (distrito de Viseu). Esta dúvida surge depois de terem sido colocadas diversas placas informativas de trânsito nas aldeias que fazem parte do concelho de Castro Daire, nas quais o nome surge escrito com um apóstrofo – Castro D’aire.

Antecipadamente agradecido.

Resposta:

A grafia que está fixada, pelo menos, desde 1966, no Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves, é Castro Daire. Mais recentemente, já aplicando o Acordo Ortográfico de 1990, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Porto Editora conserva esta forma. Não se vendo, portanto, razão para recomendar "Castro D´aire" ou "Castro D´Aire", deve continuar-se a escrever Castro Daire.

Pergunta:

Gostaria de saber a etimologia do verbete truísmo.

Obrigado!

Resposta:

Truísmo é adaptação do inglês truism, derivado de true, «verdadeiro», por sufixação de -ism, equivalente ao sufixo português -ismo (Dicionário Houaiss). Um truísmo é uma «verdade banal, evidente; trivialidade» (Dicionário da Língua Portuguesa, da Infopédia).

Pergunta:

Ouço muitas vezes o verbo "empaliar" usado no sentido de «empatar, adiar, prorrogar». Parece ser uma variante de "paliar" que entretanto remeteu a forma inicial apenas para o domínio da poesia. Este "empaliar" soa-me bastante mal, mas não sei porquê... Será a minha estranheza empolada por imaginar que afinal o sujeito terá faltado ao compromisso por ter sido empalado pelo príncipe da Valáquia? Será apenas uma idiossincrasia minha? A verdade é que não encontro a variante "empaliar" registada nos principais dicionários. Ouço-a em pessoas oriundas das Beiras. Será uma variante usada somente nessa região? Também a ouço com a acepção de «confuso»: «aquilo está muito empaliado». Sem querer "empaliar" mais, queiram, por favor, desculpar caso a minha questão tenha ficado porventura um nada-tudo "empaliada".

Resposta:

O verbo em referência tem registo em dicionário, não com a grafia apresentada, mas com a forma empalear.

Trata-se um coloquialismo que significa genericamente «não despachar (uma tarefa); demorar muito tempo a fazer (alguma coisa)» (Dicionário da Língua Portuguesa, da Infopédia); é também um regionalismo quando significa «fazer render qualquer serviço, trabalhando pouco» (idem). O verbo terá origem em paleio: em- + pale(io) + -ar (cf. idem); contudo, é também plausível que derive do radical de um verbo pouco usado, palear, «tornar manifesto ou público; manifestar, revelar», o qual se terá formado com base no radical pal-, do latim palam, «publicamente, às claras» (Dicionário Houaiss).

Observe-se que o significado deste verbo regista algumas variações regionais, que permitem explicar o uso de empaleado (uso adjetival do particípio passado) como sinónimo de confuso. Três dicionários de regionalismos acolhem-no, revelando tal variação:

Vítor Fernando Barros, Dicionário de Falares das Beiras, Âncora Editora/Edições Colibri, 2010: «EMPALEAR, v. tr. e int. 1 Pagar, satisfazer [do Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado]. 2 Empatar; entreter, ir andando (Figueira de Castelo Rodrigo).»

Vítor Fernando Barros, Dicionário do Falar de Trás-os-Montes e Alto Douro, Âncora Editora/Edições Colibri, 2006: «EMPALEAR, v. tr. e int. Empatar; ir andando (Lagoaça – Freixo de Espada à Cinta).»

Vítor Fernando Barros e Lourivaldo Martins Guerreiro, Dicionário de Falares do Alent...