Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Em português, temos a expressão «estar na berlinda» com sentido de «ser objeto de comentários, atenção ou curiosidade» ou «ver-se em evidência embaraçosa, por motivo não lisonjeiro», conforme Houaiss (2009). Mas não consigo explicar para meus alunos a origem da extensão de sentido metafórico dado a esta expressão. Vocês poderiam me ajudar?

Resposta:

Existem várias hipóteses sobre a origem da expressão em apreço, mas nenhuma se confirma ou sobressai como mais plausível. Das fontes disponíveis, duas registam a expressão, mas, sobre a sua origem, só em parte coincidem, como a seguir se mostra.

– Orlando Neves, no seu Dicionário de Expressões Correntes (Lisboa, Editorial Notícias, 2000), considera que «estar na berlinda» tem que ver com o italiano «Essere alla berlina», «[...] expressão italiana com o mesmo sentido que a nossa: "estar em evidência, em foco", às vezes com conotação chocarreira ou ridícula». Este autor pergunta: «Donde provirá a frase? Dizem certos autores que se originou do nome dado a uma elegante carruagem (existem algumas no Museu dos Coches), em francês berline. Teria sido em Berlim que, pela primeira vez, se construiu uma carruagem desse tipo, ao que se crê para o eleitor de Brandeburgo, Frederico Guilherme. "Estar na berlinda" seria, assim, sinónimo de ostentação e riqueza, donde a expressão passada a linguagem popular. Mas bem mais curiosa, contraditória e adequada ao significado primitivo (depois atenuado) me parece ser outra versão. Segundo José Pedro Machado, berlinda é a palavra proveniente do italiano berlina, cujo equivalente português é o termo picota. Ora, a picota era um poste de madeira, erguido em praça pública, em cuja extremidade superior se expunham as cabeças dos justiçados ou, quando guarnecido de argolas e correntes, nele se executavam penas de açoites, expondo os delinquentes ao escárnio público. Estar na picota (berlinda) era, de facto, estar bem em evidência.»

– Sérgio Luís de Carvalho, em Nas Bocas do Mundo (Lisboa, Planeta Manuscrito, 2010, p. 155), propõe outra hipótese, mas também expõe a de a expressão ter origem no nome de um veículo: «"Estar na berlinda" [...] como significando alguém que está a ser alvo de comentários alheios. Segundo parece, ist...

Pergunta:

Gostaria que me dessem, por favor, o vosso parecer inequívoco sobre o problema de saber se se escreve "maturo" ou "maduro". De preferência, agradecia que me dissessem pelo menos qual a melhor opção (se é que ambas são válidas), sem alegar que o importante é «sentir a língua», como por vezes tenho visto respondido em perguntas de mais difícil resposta (julgo que não é o caso desta).

Muito obrigado pela vossa ajuda ao longo destes últimos tempos.

Resposta:

Na aceção de «completamente formado, desenvolvido», deve dizer e escrever maduro:

1 – «Este fruto está maduro

Maduro é, historicamente, o resultado da evolução linguística por via popular do latim maturus, a, um, «que se produz no bom momento, na hora favorável» e «maduro, que chega a pleno desenvolvimento, oportuno, tempestivo» (Dicionário Houaiss).

Sinónimo de maduro, mas introduzido no português por via erudita, existe também maturo, dicionarizado, por exemplo, no Dicionário Houaiss, no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa e no  Dicionário UNESP do Português Contemporâneo:

2 – «Aos 30 anos, muitos homens ainda não estão maturos» [ver maturo no Dicionário UNESP do Português Contemporâneo, São Paulo, Editora UNESP, 2004).

Maduro e maturo são, portanto, palavras divergentes, isto é, são unidades lexicais «que se originam de uma mesma palavra, como, p. ex., as palavras másculo e macho em português, que vêm do latim masculu-» (ver divergente no Dicionário Houaiss).

É de realçar, porém, que as fontes consultadas – exceto o Dicionário UNESP – ...

Pergunta:

Na frase «olhou para um e outro lados», podem dizer-me se "lados" deve ir para o plural, ou ficar no singular? «Olhou para um e outro lado»?

Muito obrigado.

Aproveito para lhes dar os parabéns e manifestar-lhes a minha gratidão por terem criado este site que, não o parecendo, contribui, mais do se pensa, para falarmos e escrevermos um português digno.

Saudações.

Resposta:

Deve dizer «olhou para um e outro lado», ou seja, fica no singular o substantivo (lado) que ocorre depois de «um e outro».

O substantivo que se segue à expressão «um e outro» fica no singular, mas o verbo correspondente ao todo da expressão pode ficar ou no singular ou no plural, conforme prescreve Evanildo Bechara, na sua Moderna Gramática Portuguesa (Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 2003, págs. 547/548):

«Com um e outro, põe-se no singular o determinado (substantivo), e no singular ou no plural o verbo da oração, quando estas expressões aparecem como sujeito:

Alceu Amoroso Lima (...) teve a boa ideia de caracterizar e diferençar o ensaio e a crônica, dizendo que um e outro gênero se afirmam pelo estilo.

Parou um momento e, olhando para um e outro lado, endireitou a carreira..." [Alexandre Herculano, Eurico, 1, 1876, 107]

Mas uma e outra cousa duraram apenas rápido instante." [idem, p. 218].»

Saliente-se que a gramática em referência é brasileira, mas duas das abonações do uso de «um e outro» pertencem a Alexandre Herculano e, portanto, são também válidas para o português de Portugal.

Por último, em nome do Ciberdúvidas, agradeço ao consulente as generosas palavras de apreço e estímulo.

Pergunta:

Certa vez, numa conversa com um amigo meu, eu disse «ele não se enxerga», com o sentido de «ele não tem noção do que faz/diz». Ao que o meu amigo respondeu: «Estás a falar segundo o novo Acordo Ortográfico» – já que é um lugar-comum dizer-se que escrever no novo Acordo Ortográfico é escrever como os brasileiros... De facto, reconheço esta expressão mais como brasileira, mas pergunto: é errado em Portugal dizer-se ou escrever-se «ele/ela não se enxerga» com o sentido de «ele/ela não tem noção do que faz/diz» ou «não vê o defeito que tem em si mesmo/a»? É que a expressão «ele não se enxerga» parece-me mais expressiva! Também já ouvi a expressão «ele não se manca».

Desde já agradeço a vossa resposta.

Resposta:

Para começar, algumas palavras sobre uma eventual identificação entre o Acordo Ortográfico e «falar/escrever à brasileira». Se a pergunta incide sobre o uso de duas expressões, estando, portanto, relacionada com questões de léxico (frases feitas, por exemplo) e discurso, não se pode dizer que o problema levantado se deva à nova norma ortográfica, porque esta encontra o seu campo de aplicação numa vertente linguística muito diversa, a escrita. Por outras palavras, a introdução em Portugal de modismos vocabulares e fraseológicos do Brasil não decorre diretamente da ortografia (já a influência cultural de um país sobre o outro e os sinais desse processo constituem outro assunto). Além disso, aplicar o Acordo Ortográfico em Portugal não é o mesmo que escrever (nem falar) à brasileira, e a prova disso está em os portugueses continuarem a escrever facto – com c escrito, para indicar que a consoante correspondente é efetivamente pronunciada –, ou passarem a escrever receção, quando no Brasil se grafa recepção.1

1 – O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (edições brasileiras de 2001 e 2009), elaborado no Brasil, consigna o uso pronominal de enxergar, atribuindo-lhe, sem outra indicação,  o significado de «cair em si, perceber-se a si mesmo. Ex.: aquele menino não se enxerga!» Contudo, no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, em subentrada incluída no verbete correspondente a enxergar, regista-se a expressão «não se enxergar», descrita como «brasileirismo familiar» que significa «não reconhecer as próprias incapacidades». Uma consulta do Corpus do Português permite identificar 20 ocorrências da sequência «não se enx...

Pergunta:

Não posso concordar [quando se diz] que é aceitável dizer «eu disse para fazeres isso». Correcto é (e sempre foi assim): «Eu disse que fizesses isso.» E porquê? Porque eu disse: «Faz isso!» Logo, fica: «eu disse que fizesses isso»; mas nunca «eu disse para fazeres isso», pois tal não faria sentido nenhum. Da mesma maneira que se diria: «eu ordenei que fizesses isso», e nunca «eu ordenei para fazeres isso», nem «eu mandei para fazeres isso», mas, sim, «eu mandei que fizesses isso»; pois a ordem, ou o mandado, foi: «Faz isso.» E o mesmo se aplica ao verbo pedir: Eu pedi: «Faz isso.» «Eu pedi que fizesses isso»; e não: «Eu pedi para fazeres isso».

O uso de para seria correto neste caso: «Eu disse aquilo, para te animar»; «eu pedi aquilo, para te animar». Esse erro parece-me, mais, ser uma corrupção pelo inglês, em que se costuma dizer: «I told/ask you to do that», que, vertido literalmente para português, seria, efectivamente: «Eu disse-vos/pedi-vos para fazerdes isso»; mas cuja tradução em português correcto é: «Eu disse-vos/pedi-vos que fizésseis isso» («eu disse-vos/pedi-vos: Fazei isso»). Isto, sim, faz pleno sentido. Erros devem ser condenados prontamente; e não devem ser tolerados, só porque são muitos os que os cometem. E os doutores têm a obrigação de fazer isso mesmo. Quando prevaricam, o erro espalha-se velozmente.

Resposta:

As fontes de que dispomos não confirmam que a construção em causa – «dizer para» + infinitivo – seja resultado de uma deturpação provocada pela influência da língua inglesa. Com efeito, a Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, pág. 1929) inclui o verbo dizer entre os verbos diretivos («designam atos de fala que representam ordens ou pedidos») que «selecionam orações infinitivas introduzidas pela preposição para, entre os quais dizer, implorar, insistir e pedir» (exemplos da mesma fonte: «a professora disse para (tu) não copiares»; «eu insisti para os jardineiros cortarem essa árvore»; «o prisioneiro implorou/pediu para os guardas o libertarem»).

Observe-se que a gramática referida tem um propósito descritivo e, portanto, poderá pensar-se que os exemplos que apresenta sejam o retrato de um uso que a norma tradicional não aceita. Mas não é bem isto que se verifica, porque mesmo os gramáticos normativos aceitam em parte ou totalmente a associação da preposição para ao verbo dizer (a discussão abrange também «pedir para...» + infinitivo). Assim:

1. Napoleão Mendes de Almeida (NMA), que, no seu Dicionário de Questões Vernáculas (artigo "Pedir que..."; foi consultada uma impressão de 2001, mas a obra é muito anterior), condenava o uso de dizer e pedir com para (a introduzir oração de infinitivo) e «para que» (no começo de oração finita), concedia legitimidade, pelo menos, a «pedir para» e «dizer para» + infinitivo, que os clássicos literários abonavam (exemplos do autor em referência): (i) «Um cavaleiro... pede para falar com o conde.» (Herculano) (ii) «Padre Antônio... pediu para ficar só comigo.» (Camilo) (iii) «Minha mãe ficou perple...