Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Não posso concordar [quando se diz] que é aceitável dizer «eu disse para fazeres isso». Correcto é (e sempre foi assim): «Eu disse que fizesses isso.» E porquê? Porque eu disse: «Faz isso!» Logo, fica: «eu disse que fizesses isso»; mas nunca «eu disse para fazeres isso», pois tal não faria sentido nenhum. Da mesma maneira que se diria: «eu ordenei que fizesses isso», e nunca «eu ordenei para fazeres isso», nem «eu mandei para fazeres isso», mas, sim, «eu mandei que fizesses isso»; pois a ordem, ou o mandado, foi: «Faz isso.» E o mesmo se aplica ao verbo pedir: Eu pedi: «Faz isso.» «Eu pedi que fizesses isso»; e não: «Eu pedi para fazeres isso».

O uso de para seria correto neste caso: «Eu disse aquilo, para te animar»; «eu pedi aquilo, para te animar». Esse erro parece-me, mais, ser uma corrupção pelo inglês, em que se costuma dizer: «I told/ask you to do that», que, vertido literalmente para português, seria, efectivamente: «Eu disse-vos/pedi-vos para fazerdes isso»; mas cuja tradução em português correcto é: «Eu disse-vos/pedi-vos que fizésseis isso» («eu disse-vos/pedi-vos: Fazei isso»). Isto, sim, faz pleno sentido. Erros devem ser condenados prontamente; e não devem ser tolerados, só porque são muitos os que os cometem. E os doutores têm a obrigação de fazer isso mesmo. Quando prevaricam, o erro espalha-se velozmente.

Resposta:

As fontes de que dispomos não confirmam que a construção em causa – «dizer para» + infinitivo – seja resultado de uma deturpação provocada pela influência da língua inglesa. Com efeito, a Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, pág. 1929) inclui o verbo dizer entre os verbos diretivos («designam atos de fala que representam ordens ou pedidos») que «selecionam orações infinitivas introduzidas pela preposição para, entre os quais dizer, implorar, insistir e pedir» (exemplos da mesma fonte: «a professora disse para (tu) não copiares»; «eu insisti para os jardineiros cortarem essa árvore»; «o prisioneiro implorou/pediu para os guardas o libertarem»).

Observe-se que a gramática referida tem um propósito descritivo e, portanto, poderá pensar-se que os exemplos que apresenta sejam o retrato de um uso que a norma tradicional não aceita. Mas não é bem isto que se verifica, porque mesmo os gramáticos normativos aceitam em parte ou totalmente a associação da preposição para ao verbo dizer (a discussão abrange também «pedir para...» + infinitivo). Assim:

1. Napoleão Mendes de Almeida (NMA), que, no seu Dicionário de Questões Vernáculas (artigo "Pedir que..."; foi consultada uma impressão de 2001, mas a obra é muito anterior), condenava o uso de dizer e pedir com para (a introduzir oração de infinitivo) e «para que» (no começo de oração finita), concedia legitimidade, pelo menos, a «pedir para» e «dizer para» + infinitivo, que os clássicos literários abonavam (exemplos do autor em referência): (i) «Um cavaleiro... pede para falar com o conde.» (Herculano) (ii) «Padre Antônio... pediu para ficar só comigo.» (Camilo) (iii) «Minha mãe ficou perple...

Pergunta:

Gostaria de saber se em Portugal também se chama alguém bonito de gato ou gata e qual é a origem dessa forma de expressão.

Resposta:

O uso de gato e gata no sentido que refere é conhecido e tem difusão, mas ainda é considerado como típico do português do Brasil. Não temos fontes que esclareçam como surgiu essa aceção da palavra, mas supomos que tenha sido por metáfora, equiparando a sedução de uma pessoa ao comportamento voluptuoso e muitas vezes selvagem dos felinos.

Pergunta:

Num livro que estou a rever, a autora escreve «clariaudiente» e precisa que o termo significa o oposto de «clarividente». [...] Este termo existe mesmo?

Muito obrigado. E parabéns pelo vosso trabalho: é uma ajuda preciosa!

Resposta:

O termo clariaudiente é possível e ocorre mesmo ao lado de clarividente, por exemplo, no Dicionário Houaiss, não como entrada, mas como forma que faz parte do artigo dedicado ao elemento de composição clari-:

«[clar-] antepositivo, do latim clarus, a, um, "claro"; observam Ernout e Meillet: "Aparentado a clamo e calo, clarus deve ter-se aplicado à voz e aos sons, clara vox etc. (cf. declaro; clarisonus, tradução do grego ligúphthoggos); estendeu-se depois às sensações visuais, clara lux, clarum caelum, 'claro, brilhante', depois às coisas do espírito, clara consilìi, exempla etc., e mesmo aos indivíduos e às coisas: "ilustre, brilhante, glorioso" (por oposição a obscurus), donde a fórmula vir clarissimus; ocorre em vocábulos já originariamente latinos, já formados à sua feição, atestados desde as origens do idioma: [...] clariaudição, clariaudiência, clariaudiente, [...] clarividência, clarividente [...].»

Note-se que neste verbete ocorrem, a par de clariaudiente, outros substantivos que encerram a raiz aud-, alusiva à audição – clariaudição e clariaudiência.

Pergunta:

Como se escreve o topónimo Mira-Sintra (com, ou sem, hífen)?

Resposta:

Trata-se de um caso cuja grafia ainda não estabilizou, existindo, portanto, pelo menos, duas maneiras de o escrever. Será necessário que a administração fixe a forma do topónimo. De qualquer modo, dois brevíssimos comentários:

1 – A Base XV, 2, do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, determina que se empregue «[...] o hífen nos topónimos/topônimos compostos iniciados pelos adjetivos grã, grão ou por forma verbal ou cujos elementos estejam ligados por artigo: Grã-Bretanha, Grão-Pará; Abre-Campo; Passa-Quatro, Quebra-Costas, Quebra-Dentes, Traga-Mouros, Trinca-Fortes; Albergaria-a-Velha, Baía de Todos-os-Santos, Entre-os-Rios, Montemor-o-Novo, Trás-os-Montes» (sublinhados meus). Ora, tendo em conta que, na toponímia e no vocabulário comum, a forma mira tem origem na 3.ª pessoa do singular do verbo mirar («fitar, olhar»), dir-se-ia que a forma mais correta é Mira-Sintra. Contudo, a grafia de outros topónimos mostra que o elemento mira- ocorre aglutinado ao segundo elemento; exemplos: os tradicionais Miragaia e Miramar, bem como o mais recente Miratejo. Não parece ser este o caso de Mira-Sintra – ou Mira Sintra –, que não se encontra atestado como "Mirassintra".

2 – Verifica-se que a

Pergunta:

O feminino do adjetivo entradote não existe? É correto dizer «a mulher era um bocado entradote»?

Resposta:

Deve dizer-se «a mulher era um bocado entradota».

O feminino de entradoteum tanto idoso») é entradota, tal como o de velhote é velhota.

Sobre o uso dos sufixos -ote e -ota, diz o Dicionário Houaiss (desenvolveram-se as abreviaturas): «[...] nos casos seguintes, há o sufixo -ota diminutivo, já meramente dimensivo, já indicativo de outra coisa, já meramente afetivo, grupáveis em correlação com o masculino, de forma padrão, a saber: a) -ota /ó/:-ote /ó/ (i. e., feminino:masculino): acabadota, atrevidota, azedota, baixota, bonitota, fidalgota, fracota, frangota, galeota, garrota, gordota, grandota, ilhota, lindota, meninota, negrota, novilhota, palhota, pelota, pequenota, peticota, picota, relhota, risota, serrota, velhota, vigota [...].»