Pergunta:
Não posso concordar [quando se diz] que é aceitável dizer «eu disse para fazeres isso». Correcto é (e sempre foi assim): «Eu disse que fizesses isso.» E porquê? Porque eu disse: «Faz isso!» Logo, fica: «eu disse que fizesses isso»; mas nunca «eu disse para fazeres isso», pois tal não faria sentido nenhum. Da mesma maneira que se diria: «eu ordenei que fizesses isso», e nunca «eu ordenei para fazeres isso», nem «eu mandei para fazeres isso», mas, sim, «eu mandei que fizesses isso»; pois a ordem, ou o mandado, foi: «Faz isso.» E o mesmo se aplica ao verbo pedir: Eu pedi: «Faz isso.» «Eu pedi que fizesses isso»; e não: «Eu pedi para fazeres isso».
O uso de para seria correto neste caso: «Eu disse aquilo, para te animar»; «eu pedi aquilo, para te animar». Esse erro parece-me, mais, ser uma corrupção pelo inglês, em que se costuma dizer: «I told/ask you to do that», que, vertido literalmente para português, seria, efectivamente: «Eu disse-vos/pedi-vos para fazerdes isso»; mas cuja tradução em português correcto é: «Eu disse-vos/pedi-vos que fizésseis isso» («eu disse-vos/pedi-vos: Fazei isso»). Isto, sim, faz pleno sentido. Erros devem ser condenados prontamente; e não devem ser tolerados, só porque são muitos os que os cometem. E os doutores têm a obrigação de fazer isso mesmo. Quando prevaricam, o erro espalha-se velozmente.
Resposta:
As fontes de que dispomos não confirmam que a construção em causa – «dizer para» + infinitivo – seja resultado de uma deturpação provocada pela influência da língua inglesa. Com efeito, a Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, pág. 1929) inclui o verbo dizer entre os verbos diretivos («designam atos de fala que representam ordens ou pedidos») que «selecionam orações infinitivas introduzidas pela preposição para, entre os quais dizer, implorar, insistir e pedir» (exemplos da mesma fonte: «a professora disse para (tu) não copiares»; «eu insisti para os jardineiros cortarem essa árvore»; «o prisioneiro implorou/pediu para os guardas o libertarem»).
Observe-se que a gramática referida tem um propósito descritivo e, portanto, poderá pensar-se que os exemplos que apresenta sejam o retrato de um uso que a norma tradicional não aceita. Mas não é bem isto que se verifica, porque mesmo os gramáticos normativos aceitam em parte ou totalmente a associação da preposição para ao verbo dizer (a discussão abrange também «pedir para...» + infinitivo). Assim:
1. Napoleão Mendes de Almeida (NMA), que, no seu Dicionário de Questões Vernáculas (artigo "Pedir que..."; foi consultada uma impressão de 2001, mas a obra é muito anterior), condenava o uso de dizer e pedir com para (a introduzir oração de infinitivo) e «para que» (no começo de oração finita), concedia legitimidade, pelo menos, a «pedir para» e «dizer para» + infinitivo, que os clássicos literários abonavam (exemplos do autor em referência): (i) «Um cavaleiro... pede para falar com o conde.» (Herculano) (ii) «Padre Antônio... pediu para ficar só comigo.» (Camilo) (iii) «Minha mãe ficou perple...