Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na frase «Carinhosa, a avó mostrou o álbum de fotografias à neta», qual a função sintática desempenhada pela palavra carinhosa?

Obrigada.

Resposta:

Trata-se de um aposto, embora não seja um exemplo típico.

No âmbito da gramática tradicional e mesmo no quadro do Dicionário Terminológico, destinado a apoiar o ensino da gramática na escola básica e secundária em Portugal, os apostos são sempre exemplificados com grupos nominais que ocorrem depois do núcleo do grupo nominal de que fazem parte, como a seguir se apresenta, adaptando a frase em questão:

1 – «A avó, mulher carinhosa, mostrou o álbum de fotografias à neta.»

Contudo, a Gramática do Português, da Fundação C. Gulbenkian (2013, p. 1111), contempla a possibilidade de o aposto ocorrer em posição pré-nominal, tal como acontece com adjetivos pré-nominais com a função de modificadores do nome; por exemplo:

2 – «A carinhosa avó mostrou o álbum de fotografias à neta» [o adjetivo pré-nominal é um modificador].

3 – «Carinhosa, a avó mostrou o álbum de fotografias à neta» [o adjetivo é um aposto].

A Gramática do Português faz este paralelo, quando discute a possibilidade de o aposto ocorrer antes de um grupo nominal que não inclua determinante; de qualquer modo, esta discussão acaba por evidenciar que os apostos podem ser pré-nominais, conforme se diz na fonte consultada:

«Quando o adjetivo é um aposto [...], pode ocorrer mesmo quando um nome próprio não é especificado pelo artigo: cf. apressada, Maria saiu de casa de manhã cedo ou Maria, apressada, saiu de casa de manhã cedo. [...]»

Esta citação permite, portanto, concluir que, pelo menos, neste tipo de descrição gramatical, um caso como o da ocorrência de «carinhosa» na frase em causa é classi...

Pergunta:

Como se pronuncia este apelido, “Bívâr”, ou “Bívár”?

Parabéns e muito agradecido pelo excelente trabalho e serviço público.

Resposta:

Regista-se o nome Bivar com esta grafia, no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves. Desta grafia, depreende-se que a pronúncia do apelido (sobrenome) corresponde a "bivár", ou seja, o nome mencionado é uma palavra aguda, e o a da última sílaba (que é tónica) é aberto. Há, no entanto, a referir a variante Bívar, cujo a, embora pronunciado com oscilações, é preferencialmente aberto.

Sobre o apelido (sobrenome) Bivar, escreve D. Luiz de Lancastre e Távora, no seu Dicionário de Famílias Portuguesas (Lisboa, Quetzal Editores, 2010, págs. 104-105):

«A esta família, cujo nome é de raízes toponímicas, atribuem os genealogistas antiquíssimas e nobilíssimas origens, pois que os fazem provir de D. Fruela, rei das Astúrias no século VIII, dizendo que o fundador da família propriamente dita dos "de Bivar" seria o lendário Ruy Díaz de Vivar, cognominado El Cid Campeador, de quem se dizem descender os Bivares portugueses e de Castela, se bem que para tanto não existam as menores provas documentais. Ignora-se, aliás, em que época aproximada se instalaram no nosso país alguns desses Bivares [...].»

Pergunta:

"Folheável" não existe? Exemplo: «O codex veio substituir o volumen, em forma de rolo. Era um objeto já "folheável"...»

Obrigada.

Resposta:

O adjetivo não está dicionarizado, mas é possível e está bem formado, pelo que o seu uso não pode ser considerado incorreto. Trata-se de um derivado do tema do verbo folhear.

Pergunta:

Para o habitante da região de Campos Gerais, grafa-se "geraizeiro", ou "geraiseiro"?

Obrigado.

Resposta:

Em relação a Campos Gerais, no estado brasileiro de Minas Gerais, o gentílico registado pelo Dicionário Houaiss é campos-geraiense, que, numa consulta da Internet, se pode verificar ter uso corrente. Também se deteta o emprego de "campos-geraisense" (derivado de Campos Gerais), mas, nos dicionários consultados (HouaissAulete e Michaelis, em versão digital), não se regista tal termo. Observe-se, no entanto, que, geralmente, a derivação de um gentílico tendo como base um topónimo terminado em -ais, com configuração de plural, tem em muitos casos a terminação -lense: Cascais > cascalense; Cristais (Minas Gerais) > cristalense. Mesmo assim, o facto de campos-geraiense estar dicionarizado permite supor que, apesar da sua formação discutível, o gentílico terá sido consagrado pelo uso.

* A forma "campos-geraizense" não é de recomendar porque o seu -z- não tem qualquer apoio na grafia do topónimo.

Pergunta:

A expressão «passadas duas horas, ela foi ver de nós» (no sentido de «foi à nossa procura») está correcta?

Resposta:

É uso legítimo, por analogia de «saber de»:

1 – Foi saber de nós.

2 – Foi ver de nós.

O Dicionário de Verbos e Regimes (Rio de Janeiro/Porto Alegre/São Paulo, Edição da Livraria do Globo, 1947), de Francisco Fernandes, regista «ver de» na aceção de «concluir, deduzir»: «como se vê desta carta». Não é este o caso em questão, que se afigura como um emprego analógico de «saber de alguém/alguma coisa», na aceção de «saber onde se encontra alguém/alguma coisa».