Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Deve dizer-se «a pessoa ajoelhou», ou «a pessoa ajoelhou-se»? Trata-se de uma dúvida que nunca vi respondida e muito menos explicada por ninguém.

Obrigado.

Resposta:

Geralmente, no português de Portugal, usa-se ajoelhar como verbo reflexo não causativo (ajoelhar-se) ou causativo («alguém ajoelhar alguém» = alguém pôr alguém de joelhos»). Contudo, os dicionários elaborados em Portugal ou os que têm como referência a norma linguística de Portugal não deixam de conter atestações do uso não causativo:

1 – «Custódio ajoelhou no chão, pousou a cabeça sobre a cama, e começou a produzir pequenos gemidos de intolerável mágoa» [Agustina Bessa-Luís, A Sibila, citada em ajoelhar, Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, 2001].

2 – «Maria ajoelhou atrás dele, que semelhava continuar indiferente à sua súplica» [Urbano Tavares Rodrigues, Vida Perigosa, Amadora, Livraria Bertrand, 1974, citado em ajoelhar, Dicionário Sintático de Verbos Portugueses, dir. Wienfried Busse, Coimbra, Almedina, 1994].

Refira-se, porém, que o uso do pronome -se se regista como opcional em dois dicionários brasileiros – Dicionário Houaiss (2001) e Dicionário UNESP do Português Contemporâneo (2004) –, o que sugere que, no português do Brasil, a ocorrência de ajoelhar sem o referido pronome está mais presente na descrição da língua do que em Portugal. De qualquer modo, registe-se o que, na perspetiva brasileira, diz Maria Helena de Moura Neves, no seu Guia de Uso do Português (São Paulo, Editorial UNESP, 2004, p. 51)1 : «Usa-se indiferentemente a forma simples ou a forma pronominal do verbo. AJOELHOU na hortelã-do-campo. Queria rezar. ♦ (COB) AJOELHOU-SE, os olhos tristes, segurou a mão de Emíl...

Pergunta:

Escrevo-vos no sentido de esclarecer a classificação do advérbio efetivamente, uma vez que tenho encontrado diferentes opiniões relativamente ao seu enquadramento nas diversas gramáticas.

Devo concluir, portanto, que o mesmo pode ser classificado como de frase, afirmação ou conectivo?

Consideremos o seguinte exemplo, retirado de um caderno de exercícios: «Realmente fui muito feliz naquele lugar. Efetivamente, não me lembro de mais nenhum espaço que me faça sorrir e ter esperanças como aquele.» Como se classifica, neste contexto, o advérbio e porquê?

Agradeço, desde já, a enormíssima ajuda que o Ciberdúvidas tem dado àqueles que se preocupam e estudam a língua portuguesa. 

Resposta:

No contexto em questão, efetivamente pode ser classificado quer como advérbio conectivo, quer como advérbio de frase, tendo em conta o Dicionário Terminológico (DT), destinado a apoiar o ensino da gramática nas escolas básicas e secundárias de Portugal*.

Como advérbio conectivo, é equivalente a «de facto» e, portanto, tem a função de confirmar o conteúdo da frase ou das frases precedentes. Por outro lado, ao conferir à frase em que ocorre uma função confirmativa, é um advérbio de frase; também o é, se o interpretamos como o mesmo que realmente, e, nesse caso, o advérbo dá ênfase a toda a frase, permitindo esta perspetiva a mesma classificação.

Quanto a tratar-se um advérbio de afirmação, é certo que as gramáticas escolares recentes assim o classificam. Aceitando este ponto de vista, e tendo em conta a definição que o Dicionário Terminológico dá a «advérbio de afirmação» – «advérbio utilizado em respostas a interrogativas totais ou como modificador de um constituinte cujo significado contribui para asserir ou reforçar o valor afirmativo de um enunciado» –, poderíamos dizer que efetivamente acumula também a função afirmativa. Contudo, é preciso notar que há linguistas que não incluem efetivamente entre os advérbios de afirmação; é o caso de João Costa, em O Advérbio em Português Europeu (Lisboa, Colibri, 2008, pág. 73/74).

Em suma, e pensando no contexto do ensino não universitário, a formulação de uma questão sobre a classificação de efetivamente supõe sempre deixar claro em que contexto – textual ou frásico – se pretende classificar este advérbio.

* Record...

Pergunta:

É correto dizer-se «debruçar-se na varanda»?

Resposta:

É correto dizer-se «debruçar-se na varanda», como simplificação de «debruçar-se sobre o parapeito da varanda». Este uso está atestado no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, no verbete correspondente a debruçar-se: «D. Mariquinhas debruçou-se o mais que pôde na varanda a ponto de deixar cair o xaile» (A. Victorino d'Almeida, História de Lamento, in Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa).

Pergunta:

Gostaria que me informassem se há alguma designação correta, em português, para o termo "bibliopaper".

Obrigada.

Resposta:

A palavra "bibliopaper", que é usada como nome de uma atividade ou estratégia pedagógica («pesquisa bibliográfica organizada na biblioteca escolar como um concurso em que os alunos participam respondendo a uma lista de perguntas-enigma»), não existe em inglês, nem se encontra registada em francês, italiano ou espanhol, o que leva a supor que é – talvez surpreendentemente – uma criação de falantes do português de Portugal (também não se encontra no português do Brasil). No Ciberdúvidas, já se falou de "pedipaper", que tem a mesma estrutura, integrando o elemento de composição paper, de origem inglesa. Em lugar de "bibliopaper", poderia sugerir-se «pesquisa bibliográfica», mas esta é uma expressão a que falta a conotação de divertimento que se associa a "bibliopaper". Adaptando paper à grafia portuguesa, obter-se-ia "pâiper", que também não parece especialmente aliciante quando transposto para a palavra em questão: "bibliopâiper". Em suma, não se encontra palavra capaz de substituir "bibliopaper", que é forma discutível, mas que parece ter-se tornado corrente no contexto da motivação escolar.

Pergunta:

Antes de mais, muitos parabéns por este espaço, pelo rigor, pela persistência, pela presença.

Gostaria de saber se o termo alumni é corretamente utilizado por empresas para se referirem a antigos colaboradores, como, por exemplo, [se encontra em certo] site, ou apenas poderá ser usado por instituições de ensino.

Obrigado.

Resposta:

Agradecemos as palavras de apreço que nos dirige.

O uso do termo latino alumnus («aluno») e do seu plural alumni, para fazer referência a antigos alunos de uma instituição de ensino, é um anglicismo que não se recomenda em português. A expressão mais corrente continua a ser «antigos alunos». Quanto ao emprego de alumni para referir antigos colaboradores de uma empresa, trata-se efetivamente de uma possibilidade da língua inglesa que já está contemplada, por exemplo, pelo dicionário Merriam-Webster e pelo McMillan Dictionary (ver também artigo em inglês na Wikipedia). É esta uma possibilidade que ainda menos se aceita em português.