Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Um dicionário diz que um dos significados de accredited é «considerado como», o que me parece errado. Tenho ouvido muitos jornalistas dizer «eleito como presidente», «considerado como o melhor atleta», etc.

Estranhei porque julgo que esses dois verbos não pedem a conjunção como. Mas como me esforço por não ser arrogante e admito a hipótese de estar errado, agradecia que me elucidassem. Os erros nos jornalistas são diários, mas num dicionário accreditedreconhecido, autorizado», «a que se dá crédito»]?

Resposta:

Sobre «eleito como...» e «considerado como», não se pode dizer que o uso da conjunção esteja incorreto ou que seja novidade no português. Com efeito, «considerado como» já se atesta, por exemplo, no século XVI:

1. «... posto que o Amor considerado como apetite carnal seja excesso de um desejo fora da razão...» (Francisco Rodrigues Lobo, Corte na Aldeia e Noites de Inverno in Corpus do Português)

A gramática de Celso Cunha e Lindley Cinta (Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, p. 147) também atesta esta possibilidade da ocorrência de como:

«... o [predicativo] do OBJECTO pode vir antecedido de preposição, ou do conectivo como:

Quaresma então explicou porque o tratavam por major. (Lima Barreto, TFPQ, 215)

Considero-o como o primeiro dos precursores do espírito moderno. (Antero de Quental, C, 313)»

Com eleger, parece ser esse uso menos frequente ou de atestação menos antiga, se se tiver em conta que, por exemplo, no Corpus do Português, quase só se identificam abonações do século XX:

2. «Marcelo Rebelo de Sousa apadrinhou Carlos Andrade, sexta-feira passada, elegendo-o como o salvador de uma Guarda que "parou no tempo"» (Diário As Beiras, 6/26/1997 in Corpus do Português).

Mas encontram-se ocorrências do século XIX:

3. «Fê-la rainha a ciência e, ao vê-la, a musa

Pergunta:

Que sinónimos tem a palavra prosmeiro?

Resposta:

A palavra prosmeiro encontra-se registada como um regionalismo de Trás-os-Montes,

Encontra-se, por exemplo, no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, assim definida: «[Portugal: Trás-os-Montes] Que usa prosmas, tretas; que tem lábia.» No Dicionário de Transmontanismos (Chaves, Associação Rotary Clube de Chaves, 2005), de Adamir Dias e Manuela Tender, define-se prosma como substantivo do género feminino, que significa «palavreado, tretas, lábia, arenga»; esta mesma fonte acolhe também o adjetivo prosmeiro, que se aplica à pessoa «que usa prosma» e é sinónimo de impostor, vaidoso, adulador, bem como ainda o substantivo prosmice, «prosma, qualidade de prosmeiro». O dicionário Língua Charra – Regionalismos de Trás-os-Montes e Alto Douro (Lisboa, Âncora Editora, 2013) apresenta todos estes vocábulos e acrescenta o verbo prosmeirar, «agir com modos de prosmeiro».

É desconhecida a etimologia de prosma e dos demais itens desta família de palavras. José Pedro Machado, no seu Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, aventa a possibilidade de prosma se relacionar com prosa, mas o Dicionário Houaiss observa prudentemente que a sua origem é obscura. Refira-se que prosma

Pergunta:

Penso que a forma correcta de nos referirmos a algo que acontece inúmeras vezes é «vezes sem conto». No entanto, vejo ser cada vez mais utilizada a expressão «vezes sem conta». Qual é a forma correcta?

Obrigado.

Resposta:

As locuções «sem conta» e «sem conto» são formas corretas e são sinónimas.

A expressão «sem conta» é correta, tendo grande tradição na língua portuguesa. Por exemplo:

1. «Entro em casa no dia seguinte, às oito horas, depois de ter vindo escutar os rumores de dentro, vezes sem conta, à fechadura» (Fialho de Almeida, Os Gatos in Corpus do Português).

Mas também é legítimo o uso de «sem conto» associado a «vezes», como atesta a seguinte frase do escritor português José Rodrigues Miguéis (1901-1980):

2. «Mas a visão repete-se vezes sem conto» (José Rodrigues Miguéis, Páscoa Feliz, 1932, idem).

Encontra-se o registo de «vezes sem conta», por exemplo, no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (como subentrada de conta) e no Dicionário Estrutural, Estilístico e Sintático da Língua Portuguesa, de Énio Ramalho. «Sem conto» também figura no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (como subentrada de conto).

Pergunta:

Deparei-me com o que julgo tratar-se mesmo de um erro de concordância verbal na revista do semanário Expresso de 10 de setembro [de 2016].  É esta frase, na crónica de Clara Ferreira Alves (Nós por cá todos bem):

«(...) Não temos futuro. Quatro em cinco jovens está disposto a emigrar. (...)»

Obviamente que devia ter sido escrito «Quatro em cinco jovens estão dispostos a emigrar». Estou certo?

Resposta:

Com efeito, trata-se de um erro de concordância, porque a frase em questão deverá ser a seguinte: «Quatro em cinco jovens estão dispostos a emigrar.»

A justificação é simples: o sujeito da frase é «quatro», o que significa que se trata de uma pluralidade, e o verbo pluraliza, bem como o adjetivo disposto, observando-se assim as regras gerais da concordância verbal e adjetival.

N. E. (19/09/2016) – Um consulente (Diogo Lourenço, que nos contactou pelo Facebook) considera que a concordância no singular está correta, porque «quatro em cinco» corresponde a 4/5 («quatro quintos») e, portanto, é menos que 1 («um»). É uma posição, no mínimo, muito discutível, porque as regras de concordância e a categoria de plural se enquadram numa perspetiva linguística, não referindo diretamente entidades matemáticas. Assim, no plano da concordância verbal, o verbo ocorre no plural, de acordo com as regras gerais, sempre que, num número fracionário, o número cardinal (o numerador) que designa o número de partes da unidade (o denominador) seja superior a um. Refira-se que não encontramos esta regra explícita nas gramáticas a que temos acesso; no entanto, para referir, por exemplo, a de Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pág. 368), vemos que estes autores, não abordando diretamente a concordância com números fracionários, facultam exemplos – «três quintos» e «quinze avos» – que evidenciam o comportamento de quinto e avo como substantivos pluralizáveis, quando os números fracionários são verbalizados e, portanto, lidos ou escritos por extenso. Se o cardinal (três, quinze) que quantifica as partes da unidade fica associado ao plural de substantivos (

Pergunta:

Na revista do semanário Expresso de 10 de setembro [de 2016], deparei-me com estas dúvidas, que vêm logo na capa:

«Meninos prodígio
Quatro fora de série de palmo e meio».

E, depois, no título da peça:

«Meninos que brilham (...)
São fora de série».

Pergunto:

1)  Em «meninos prodígio» não faltou o hífen? Não é o mesmo critério, por exemplo, com escola(s)-modelo, navio(s)-escola ou contrato(s)-promessa, por exemplo?

2) «São fora de série», ou «são foras de série»? Nos vários registos, na Internet e aqui no Ciberdúvidas, tendo em conta até a similitude com a locução «fora de jogo», não encontrei uma resposta concludente.

Os meus agradecimentos.

Resposta:

1. Geralmente, as sequências de dois substantivos que funcionam globalmente como um grupo nominal, muitas vezes funcionando na globalidade com um significado específico, são hifenizadas. No caso em questão, não há dúvida, porque até está dicionarizado: escreve-se menino-prodígio com hífen, palavra que aceita dois plurais – meninos-prodígios e meninos-prodígio (cf. Dicionário Houaiss; ver também os vocabulários ortográficos mais recentes, entre eles, o Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa).

2. Quanto à locução «fora de série»1, diga-se que, embora usada adjetivalmente, não tem plural, uma vez que se trata de um composto cujo núcleo é constituído por uma locução prepositiva (fora de), que, como tal, é invariável, como acontece com as locuções fora da lei ou fora de jogo2 (cf. Vocabulário Ortográfico Atualizado da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa, vocabulário ortográfico da Porto EditoraVocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras). 

1 Antes da aplicação do acordo ortográfico de 1990, deveria escrever-se com hífenes, conforme o caso de fora-de-jogo (Rebelo Gonçalves, Vocabulário da Língua Portuguesa, 1966).

2 Observe-se, porém, que há fontes que registam o plural de fora de jogo (Vocabulário Ortográfico do Português, Portal da Língua