Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A palavra margem é da família de mar?

Obrigada!

Resposta:

Não se trata de palavras da mesma família, porque as origens latinas de mar e margem são muito diferentes.

O substantivo mar vem «[...] do lat. mare, is, "mar" [...]» (Dicionário Houaiss), enquanto margem se desenvolveu «[...] do lat. margo, inis, "borda, margem, extremidade, beira; fronteira, raia; umbral, limiar" [...]» (idem). Poderíamos pensar que os étimos latinos tivessem algum parentesco mais remoto, mas a verdade é que o latim mare se liga ao indo-europeu *mori-, «mar», ao passo que margo se relaciona com outro radical do indo-europeu, *merg-, «borda, rebordo, limite, margem», donde também vem o germânico *marko, que deu mark em inglês e, em português, marca, que é palavra de origem germânica (sobre as origens indo-europeias dos étimos latinos de mar e margem, consulte-se, em inglês, o Online Etymology Dictionary).

Pergunta:

Que quer dizer «figuras de "Saxe"»?

Resposta:

Trata-se provavelmente de figuras de porcelana feitas na Saxónia, região do Leste da Alemanha.

Com maiúscula, Saxe significa o mesmo que Saxónia. Entre Saxónia e Saxe, tem-se dado preferência à primeira forma, porque a segunda foi rejeitada pelos normativistas do século XX por ser um galicismo. Por exemplo, Rebelo Gonçalves, no seu Vocabulário da Língua Portuguesa, de 1966, registava só Saxónia, observando que este nome «pretere a forma Saxe (galicismo)».

Contudo, alguns dicionários consignam saxe como nome comum e com minúscula inicial, no sentido de «qualquer objeto ou figura de porcelana fabricado na região de Saxe ou Saxônia», conforme o registo respetivo no Dicionário Houaiss (ver também o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado). Quanto à origem desta palavra, acrescenta a mesma fonte: «[do] francês saxe (1847), 'porcelana de Saxe', do topónimo Saxe, nome de uma região da Alemanha, célebre por sua porcelana». Não parece existir doutrina prescritivista que condene saxe; sendo assim, afigura-se adequado escrever «figuras de saxe» – com minúscula, repita-se – para referir figuras feitas de porcelana da Saxónia.

Pergunta:

Qual a forma correcta de utilizar o verbo começar, na seguinte situação: «Começar de chover», ou «começar a chover»?

Obrigado.

Resposta:

Prefere-se «começar a chover», mas «começar de chover» não é forma incorreta.

Como auxiliar, o verbo começar tem geralmente associada a preposição a: «começou a chover». No entanto, registam-se usos literários com de, sem que se possa afirmar que este uso difere semanticamente de «começar a»: «começaram de subir a elas e...» (António Vieira, Cartas, Clássicos Sá da Costa, I, in Dicionário Estrutural, Estilístico e Sintático da Língua Portuguesa, de Énio Ramalho).

Sobre a perífrase verbal formada por «começar de...», observou Vasco Botelho de Amaral (Grande Dicionário de Dúvidas e Subtilezas do Idioma Português, 1958): «Nunca foi erro. Bons autores apresentam vários exemplos desta regência. Por exemplo: começasse de usar... (Décadas, Barros, I, 337, ed.1778). Mais chegado ao nosso tempo, Herculano escreveu: o céu começou de toldar-se. (Lendas e Narrativas, pág. 28, II, 17.ª ed.) [...].»

Note-se, porém, que atualmente «começar de» é um arcaísmo, a avaliar pela sua ausência dos dicionários de verbos recentes (Dicionário Sintático de Verbos de W. Busse, Almedina, 1995;

Pergunta:

Um acto que prejudica um certo objecto, composto pela palavra lesa-[objecto], como lesa-majestade ou lesa-pátria, se o objecto for masculino, lesa- deve concordar em género com o objecto? Por exemplo, devemos dizer (e escrever) leso-idioma, ou lesa-idioma?

Resposta:

O elemento de composição lesa de lesa-pátria é um adjetivo variável e, portanto, deve concordar com o substantivo a que se associa: leso-idioma, portanto, porque idioma é masculino. Compare-se com outros casos, como o de leso-patriotismo (Dicionário Priberam).

Pergunta:

As palavras "kardecista", "kardeciano", "kardequiano" e "kardequista" são usadas no Brasil para qualificar as coisas referentes ao pensador francês Allan Kardec, pseudônimo de Hipólito Rivail (1804-1869). Posto isto, pergunto: qual dessas variações é mais consentânea com as regras do idioma pátrio?

Desde já, agradeço sua resposta.

Resposta:

Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras (ABL) fixa as seguintes formas: kardecismo, kardecista, kardeciano, kardecístico. Dado o poder de intervenção da ABL em matéria de norma linguística, são estas formas que devem ser usadas, pelo menos, no Brasil.