Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber qual seria a pronúncia correta das palavras hóquei e handebol, pois pelo menos no Brasil os meios de comunicação costumam pronunciar da mesma forma que se pronuncia no inglês, mas, seguindo a norma da nossa língua, o h não deveria ter som, ou isso varia nos casos de aportuguesamento?

Resposta:

O h não corresponde geralmente a um som nos aportuguesamentos – pelo menos, nos que surgem no português de Portugal. Nesta variedade, portanto, hóquei (do inglês hockey) e handebol ou andebol (do inglês handball) pronunciam-se como /óquei/ e /andebol/. Contudo, no Brasil, está muito difundida a pronunciação de handebol com um segmento inicial que se assemelha ao h do inglês, conforme assinala Maria Helena de Moura Neves, Guia de Uso de Português (São Paulo, Editora Unesp, 2003): «1. Handebol é a forma portuguesa correspondente ao substantivo inglês handball, que designa um jogo de bola semelhante ao basquete praticado em quadra artificial [...]. 2. A forma aportuguesa handebol é muito mais usual [...]. Conserva-se o som aspirado de origem [...].» Quanto a hóquei, as fontes consultadas são omissas quanto à conservação da aspirada inicial, mas a própria pergunta dá testemunho da articulação de um segmento correspondente ao grafema h. Em suma, no âmbito brasileiro, o grafema h pode assinalar efetivamente uma realização fonética frequente (ou até generalizada) que a norma já não rejeita.

N. E. (atualização em 22/05/2016) – A resposta foi alterada, porque faltava referir o que acontece no português do Brasil, cujos aportuguesamentos evidenciam diferenças substanciais em relação às variedades portuguesa e africanas. Tendo apenas em consideração os padrões destas variedades, observa-se que o chamado h aspirado dos anglicismos se perde, a não ser que se mantenha deliberadamente uma pronunciação igual ou aproximada à original, e, nesse caso,  escrevem-se tais vocábulos com a ortografia inglesa (por exemplo, hockey

Pergunta:

Em inglês denomina-se crowdfunding o financiamento a partir de doações anónimas recolhido via Internet para o custeamento de determinados projetos ou iniciativas de relevância cultural, social ou outra. Como deveríamos optar pela sua equivalência em português?

Os meus agradecimentos.

Resposta:

Há várias soluções, entre elas, «financiamento coletivo» ou «financiamento popular», que ainda não terão entrado no uso corrente.

O termo crowdfunding tem a tradução literal de «financiamento pela/da multidão», mas, como equivalente em português, encontra, por exemplo,  a expressão «financiamento coletivo» – opção que é a do artigo em português da Wikipédia, que aparece também no portal Linguee e que faz parte da definição deste anglicismo no dicionário da Porto Editora. Mas têm surgido outras soluções, algumas já com tradição e que podem ser recolhidas em blogues e sítios na Internet: «financiamento popular», «campanha de angariação», «coleta» (outras mais haverá, com certeza).

Olhando para línguas próximas do português, também se acham formas que podem ter certa semelhança com certos usos vernáculos. Por exemplo, para o espanhol, a Fundéu propõe em alternativa ao empréstimo inglês as palavras e expressões microfinanciación coletiva (= «microfinanciamento coletivo»), financiación popular (= «financiamento popular»), micromecenazgo (= micromecenato) e subscrición popular (= «subscrição popular»). Em francês, existem também uma ou mais soluções concorrentes, algumas homólogas das espanholas: financement colectif, financement participatif, sociofinancement (ver 

Pergunta:

Tenho visto uma grande variação no próprio Ciberdúvidas quanto ao uso, ou não, do hífen em compostos com a palavra diretor (ou secretário). Por exemplo: «diretor adjunto»/diretor-adjunto, «diretor(a) executiva»/diretor(a)-executiva, «secretário executivo»/secretário-executivo, etc., etc. Sendo diretor-geral, com hífen, por que razão não haverá de ser, também com hífen, "diretor-adjunto", "diretor(a)-executivo" ou "secretário-executivo", por exemplo?

Muito agradecido.

Resposta:

Pode generalizar-se a hifenização a todos os compostos de nome de cargo associados aos adjetivos geral, adjunto e executivo, seguindo o modelo de diretor-geral. Contudo, a respeito de compostos formados por substantivo e adjetivo (ou por estas classes de palavras na ordem inversa), como é o caso, os acordos ortográficos de 19451990 não definem critérios claros: fala-se em «num conjunto de elementos [...] que forma [...] uma aderência de sentidos», no primeiro acordo, e, no segundo, de «uma unidade sintagmática e semântica», formulações que, na prática, podem não ser fáceis de identificar. É sempre possível propor critérios, mas a verdade é que essa tarefa tem dependido das entidades que elaboram vocabulários ortográficos em Portugal ou no Brasil – sobretudo, das que tenham reconhecimento oficial. De qualquer modo, não se afigura descabido generalizar a hifenização das expressões em questão, quando incluem geral, adjunto e executivo ou outros adjetivos que especifiquem a designação do cargo (diretor, secretário, coordenador, etc.).

 

N.E. –  (3/10/2015) Com a entrada em vigor do Acordo Ortográfico de 1990, em Portugal, em 13 de maio de 2015, e conforme a sua Base XVI, ...

Pergunta:

Gostaria de colocar uma questão: se metástase se escreve com um s, qual a razão de se escrever "metastizar" com um z, e não "metastisar"? Ou o inverso "metástaze"?

Obrigado, desde já!

Resposta:

A forma metastizar vem registada no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, que também acolhe a forma metastatizar, derivada regularmente do radical de metastático (metastat- + -izar). O caso de metastizar é interpretável como simplificação de metastatizar, que assim perde uma sílaba (ta).

A forma "metastisar" é impossível, porque, para ocorrer, pressuporia "metástise", que não se atesta e não é compatível com a configuração dos elementos gregos envolvidos no termo. A outra forma que se propõe na pergunta – "metástaze" – é igualmente impossível, porque metástase tem de conservar o s que lhe advém da etimologia*.

Note-se que, no Ciberdúvidas, numa resposta mais antiga (de 2003), se defende o emprego alternativo de «fazer/desenvolver metástases», com certeza pela noção da dificuldade de pronúncia levantada por "metastatizar". Contudo, à distância de mais de uma década, observa-se que o verbo metastizar se tornou corrente no jargão da medicina e dos cuidados de saúde. Além disso, a forma em causa encontra paralelo no caso de bondadoso > bondoso, muito embora este tipo de fenómeno (perda de sílaba que repete outra – a chamada haplologia) seja incomum em termos científicos.

* «gr. metástasis, eós, 'deslocamento, afastamento, mudança de lugar, ação de deslocar-se', der. do v. methístémi, 'deslocar, transportar, mudar, afastar-se', prov. por infl...

Pergunta:

Por haver uma vila que se chama Redondo, como dizer: «nasci no Redondo», ou «nasci em Redondo»?

Resposta:

Ambos os usos são legítimos, mas parecem pertencer a níveis de língua diferentes.

A associação do artigo definido ao topónimo Redondo (distrito de Évora; Portugal) conhece certa variação, que deve ser bastante antiga. A presença do artigo definido a acompanhá-lo está atestada desde o século XV:

1 – «Sabham os que este estormento d encapaçam vyrem que na Era de mill e quatroçentos e çincoenta e dous anos quinze dias do mes de d agosto em na vylla do Redondo dentro em nas casas da morada d afomso e annes callenbo [..].» ("Instrumento de encampação em Leonor Gonçalves da Silveira de uma casa em pardieiro no Redondo, que trazia João Gonçalves e Margarida Lourenço" 1414, Fragmenta Historica 2, 2014, págs. 105-106).

Compreende-se a presença do artigo definido se se atender à probabilidade de redondo ter sido usado como adjetivo substantivado «aplicado a pormenores das orografias das localidades (montes, rochedos, etc.) ou a edifícios (castelos, construções arqueológicas, etc.)» (José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, 2003). Nesta perspetiva, o nome seria acompanhado de artigo definido, como acontece com muitos substantivos comuns convertidos em topónimos (cf. «o Porto», «a Figueira da Foz», ainda que haja exceções – ver Textos Relacionados).

No entanto, encontra-se também o uso sem artigo definido em expressões como o título de «conde de Redondo» ou a expressão toponímica «vila de Redondo», as quais, não sendo tão antigas como a passagem citada em 1 (por exemplo, o título nobiliárquico foi