Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na resposta de 12.05.2017 à minha pergunta sobre o tema, o consultor Carlos Rocha falou do valor concessivo da perífrase verbal vir a + infinitivo, talvez porque fosse possível atribuir-lho ao exemplo específico que dei.

Interessava-me, no entanto, o aspecto durativo que somente tem a perífrase no pretérito perfeito composto, mas não no simples, como no exemplo seguinte:

«O Governo detalha esta quinta-feira as medidas para ajudar a aliviar o aumento das mensalidades do crédito à habitação, que têm vindo a escalar devido à subida das taxas de juro do BCE.» (Expresso, 18.09.2023)

É à perífrase no pretérito perfeito composto, com aspecto durativo e sem valor concessivo, que me referia quando disse ser inexistente no português brasileiro. Inexistente também no PB é a construção ter estado a + infinitivo*, quase sempre empregada no PE com a mesma acepção de ter vindo a + infinitivo, do que é prova a possibilidade da seguinte reformulação da citação anterior, sem mudança aparente do sentido:

«O Governo detalha esta quinta-feira as medidas para ajudar a aliviar o aumento das mensalidades do crédito à habitação, que têm estado a escalar devido à subida das taxas de juro do BCE.»

No PB, parece-me que sempre se empregaria ter + particípio. Quando muito, caso se sentisse a necessidade de dar à ação um aspecto ao mesmo tempo durativo e progressivo, usar-se-ia vir + gerúndio. Assim, diríamos:

«As mensalidades têm escalado.»

«As mensalidades vêm escalando.»

Uma busca ao Corpus do Português, do Corpus do Português, de Mark Davies). De acordo com as fontes disponíveis, não é aqui possível explicar este contraste; o mais que se consegue é constatar o que foi dito na resposta em causa: em textos do século XX, «ter vindo a» é característico dos textos do português europeu.

Já quanto a ter estado a + infinitivo é de esperar que esta forma da construção, com o auxiliar no pretérito perfeito composto, só ocorra no padrão linguístico de Portugal, visto que no Brasil a perífrase se construiria com gerúndio («ter estado fazendo», por exemplo). E com efeito assim é, porque, consultando novamente o Corpus do Português, apenas uma ocorrência abona «ter estado a» + infinitivo numa frase de Erico Veríssimo, que talvez tenha recorrido a esta construção por razões estilísticas, para evitar a proximidade entre gerúndios:

(1) «Toríbio entrou naquele momento. Tinha estado a esconder a cavalhada. – Está chegando a hora... – disse, pegando a cuia que o dono da casa lhe oferecia. Um minuto depois, saíram» (Erico Veríssimo, O Tempo e o Vento, parte 2, tomo 3, 1961).

Em todo o caso, é de assinalar que na secção histórica do Corpus do Português são raras as ocorrências dos tempos compostos na perífrase de estar + gerúndio.

Vir a

Pergunta:

O apelido Rolim, deve ler- se “Rólim”ou “Rulim”?

Obrigado

Resposta:

A pronúncia recomendada de Rolim é com ó aberto átono.

Algo de semelhante acontece com o topónimo Roriz, cujo o é também aberto, apesar de estar em sílaba átona.

Fonte: Rebelo Gonçalves, Vocabulário da Língua Portuguesa, 1966.

Pergunta:

Vi a construção «Ele punha a outra equipa a ridículo», traduzida do castelhano. É de uso em português europeu?

Ou não será antes: «Ele expunha a outra equipa ao ridículo»?

Muito obrigado.

Resposta:

Aceita-se, mas os usos com maior tradição de registo nos dicionários são os seguintes: «meter a ridículo» «expor ao ridículo» e «expor a ridículo».

No entanto, há exemplos literários de «pôr a ridículo», os quais estão longe de configurarem um uso incorreto, até porque, do ponto de vista da tradição purista, tem-se considerado que pôr é, em geral, mais vernacularmente adequado do que meter:

(1) «Não porque estejamos convencidos de que o coração do homem seja uma coisa idealmente clara e perceptível, mas porque a vulgaridade da frase já está desacreditada e posta a ridículo» (Abel Botelho, Fatal Dilema, 1917, in Corpus do Português).

(2) «... e na sua crueza e primitivismo punha singularmente a ridículo as ideias que apregoava e as suas reivindicações de carácter social» (Mário Ventura, A Noite da Ventura, 1960, ibidem).

Pergunta:

Nas minhas fontes e pesquisas não encontrei uma referência à tradução de hajj, a peregrinação realizada à cidade santa de Meca pelos muçulmanos.

Existe uma referência na Wikipédia a Alves, Adalberto (2014). Dicionário de Arabismos da Língua Portuguesa, mas gostaria de saber se o Ciberdúvidas concorda com esta solução ou se tem opinião diferente sobre a forma correta de escrever esta palavra de origem árabe em português.

Uma vez mais agradecido.

Resposta:

É uma palavra que não tem grafia estável em português, pois parece não haver tradição de registo

Há que distinguir entre a peregrinação – hajj – e a pessoa que a fez, o peregrino – hajji.

Nesta perspetiva, a entrada que Adalberto Alves regista no seu Dicionário de Arabismos da Língua Portuguesa é o segundo termo, haji, muito embora inclua na respetiva definição a transcrição ḥajj, que significa «peregrinação». A grafia adotada por Adalberto Alves é legítima, pois já é a recomendada por José Pedro Machado no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. Mas também se aceitam as variantes hadji, háji, haje, sobretudo na lexicografia brasileira (ver Aurélio e Dicionário Houaiss). Há ainda o registo da forma hagi, na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.

Quanto ao nome da peregrinação a Meca, a Infopédia adota uma solução simples: regista a forma Hajj, que trata como nome próprio, atribuindo-lhe maiúscula inic...

Pergunta:

Como ensinar a letra e em início de palavra (escola) ou no meio (veado) no ensino básico, quando esta letra é dita/lida como [i]?

Para um aluno que está a aprender a escrever e a ler, deveremos ler o som [e] e não [i], apesar de os alunos dizerem *viado e *iscola?

Como proceder?

Muito obrigada.

Resposta:

Em relação à primeira pergunta, uma correção: em escola e veado, figura um e, que é uma letra (ou melhor um grafema), e não um som.

Relativamente ao problema levantado – ensinar o uso do grafema <e> em início de palavra (escola) ou no meio (veado) quando o som associado a este grafema é pronunciado [i] -, deve observar-se que muitas vezes o grafema e corresponde a um [i] na pronúncia. Por exemplo, na pronúncia padrão do português de Portugal, a letra e, em começo absoluto de palavra, lê-se e pronuncia-se geralmente como [i], quando corresponde a vogal átona seguida de consoante: elefante = [i]lefante, [i]xame1.

Aceitando que na aprendizagem da leitura e da escrita se deve partir do som para a ortografia2, não se afigura difícil explicar que o grafema e no começo de escola, como os de espaço, escada, estar ou esmagar, se pronuncia [i]. Também a letra e que se escreve no interior de palavra, como em veado ou geografia, imediatamente antes de letra vocálica – a ou o –, representa um [i], que se encontra em sílaba átona e é seguido de vogal tónica.

Devem, porém, assinalar-se certas oscilações regionais na pronúncia deste e inicial, as quais podem chegar ao extremo de este grafema não ter realização fonética. É o que se verifica, por exemplo, na pronúncia corrente do português europeu centro-meridional nos casos acima mencionados: escola – "ch...