Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Volto a esta questão, porque me parece que a vossa resposta anterior colide novamente com vários dicionários.

Lê-se:

«Mau grado (=«apesar de») nada tem que ver, pois, com o substantivo malgrado (= «má vontade», «desagrado»). Cf. Textos Relacionados, ao lado.».

Sucede que dicionários como o Priberam e o da Porto Editora referem expressamente que malgrado pode ser uma preposição com o sentido de «apesar de», «não obstante».

Em que ficamos?

Muito obrigado, como sempre!

Resposta:

Tem razão o consulente no que diz, e, portanto, agradece-se o seu cuidado, que levou a retirar a sequência citada da resposta em causa.

Mesmo assim, convém observar que, como se pode ler em "A preposição malgrado", os dicionários atualizados não parecem claros quanto às formas malgrado e «mau grado».

A forma malgrado é atualmente classificada como nome e preposição, de acordo com as fontes que o consulente, aliás, refere: a Infopédia e o Dicionário Priberam. No dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (ACL) também se regista a mesma forma como nome e preposição.  Contudo, ainda no dicionário da ACL, a entrada de grado compreende a subentrada «mau grado», classificada como locução prepositiva – ou seja, funcionalmente equivalente a "malgrado".

Acrescente-se que no Priberam se indica que a atual forma malgrado se grafava mal-grado no quadro do acordo de 1945, o que se confirma pela consulta do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (1940) da ACL e do Vocabulário da Língua Portuguesa (1966) de

Pergunta:

"Nuzedo de Cima" ou "Nozedo de Cima", no concelho de Vinhais?

Qual a forma correta?

Obrigado.

Resposta:

Recomenda-se Nozedo1, com o, visto que este topónimo tem origem no mesmo radical que tem noz e nogueira.

Acrescente-se que existem outros topónimos que partilham o mesmo radical e se escrevem com o, conforme se regista no dicionário de topónimos da Infopédia, que inclui nesta série a forma Nozedo:

«Nogosa Do latim vulgar nucosa, de nux, 'noz'. Tem a variante Nagosa e os derivados Nagosela, Nagoselo e Nozedo2

1 Assim se regista o topónimo no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves.

2 Observe-se, no entanto, que Nagosela e Nagoselo são derivados de Nogosa/Nagosa, mas Nozedo é topónimo formado com um sufixo diferente, -edo, geralmente usado em coletivos, no domínio botânico (ex.: Figueiredo, Reboredo, Cerquedo).

Pergunta:

Afinal, berma tem e fechado ou e aberto? Segundo o Priberam, deve-se ler /é/.

No entanto, encontro respostas no site a aconselharem a alternativa.

Bem hajam!

Resposta:

Os registos dicionarísticos indicam que a palavra em questão tem é aberto.

No entanto, num pequeno inquérito aqui improvisado, a alguns falantes de Lisboa e do Porto1, verifica-se que a palavra é pronunciada com "ê" fechado, confirmando o parecer do nosso saudoso consultor Fernando V. Peixoto da Fonseca.

Por enquanto, não é clara a conclusão, mas para já parece haver um desfasamento entre os registos dicionarísticos disponíveis (alguns bastante antigos, em que já se indica berma, com é aberto) e a pronúncia que será corrente nas duas grandes cidades de Portugal.

 

1 Pediu-se a dez pessoas que registassem a leitura em voz alta da seguinte frase: «O carro parou na berma.».

Pergunta:

Por que LH não se separa e RR se separa?

Ex:

car-ro

mu-lher

Grata,

Resposta:

Na translineação, é uma diferença que já existe há mais de 100.

Não parece haver uma resposta clara, mas a diferença reside no modo como se interpreta rr e ss. Estas consoantes dobradas são tratadas como se fossem consoantes duplas, isto é, como se a primeira consoante fechasse a sílaba precedente e a repetição da consoante começasse nova sílaba:

pas-
sar

car-
ro

Nesta perspetiva, que, no entanto, não tem base fonética no português – ss e rr representam sons simples –, separam-se as consoantes repetidas na translineação.

Pergunta:

Conhecerão, porventura, a origem da expressão «é um pincel» para denotar dificuldade ou exprimir enfado?

Resposta:

Nas fontes aqui consultadas1, não se  encontra explicação.

Apura-se, no entanto, que pincel pode, no registo calão, significar «pénis», e não é infrequente usarem-se palavras com esta denotação para exprimir impaciência perante uma situação aborrecida ou uma pessoa de alguma forma desagradável. «É um pincel» configura uma expressão que se aceita no registo informal; mas pode ter na origem em usos bastantes grosseiros, do baixo calão, como um que encontra exemplo de recriação literária:

(1) «Alguém gracejou aos seus ouvidos, dizendo que o caralho do Pinto se tinha peidado pela boca» (João de Melo, Autópsia de um Mar de Ruínas, 1992, Corpus do Português)

Ainda no âmbito do calão, com conotação sexual, regista-se «molhar o pincel», o mesmo que «fazer sexo, copular».

 

1 Obras consultadas: Orlando Neves, Dicionário de Expressões Correntes (2000); Afonso Praça, Novo Dicionário do Calão (2005); Dicionário Aberto de Calão (Universidade do Minho, 06/03/2024); Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa; Infopédia.