Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Para Camões, camoniano. E para Rousseau, qual é o adjetivo?

Obrigada.

Resposta:

O adjetivo que corresponde ao nome próprio Rousseau é rousseauniano (cf. Dicionário Houaiss).

Trata-se de um adjetivo relacional, ou seja, que se relaciona com o filósofo de origem suíça Jean-Jacques Rousseau (1712-1778).

Pergunta:

Essa expressão, «em meio a», acaso tem alguma legitimidade, ou é [uma particularidade do português  do Brasil]  brasileira sem sentido, à semelhança do «por que...?», em vez de «porque...?»? É que a tenho encontrado unicamente entre brasileiros, e sempre lhes respondo que é erro, e que não faz sentido nenhum, e que correcto é «no meio de», porque não se está em meio a alguma coisa, mas, sim, no meio de alguma coisa. Frases como estas: «tenho uma casa em meio à floresta», «em meio ao espectáculo, ele levanta-se e vai-se», «em meio à contenda, ele desmaia»: isto faz algum sentido? Não é evidente que deve ser: «tenho uma casa no meio da floresta», «no meio do espectáculo, ele levanta-se e vai-se" (ou, também, «durante»), «e no meio da contenda, ele desmaia»(também faria sentido usar «durante»)?

Resposta:

O equívoco é do consulente, por não ter na devida conta que o português contemporâneo não tem uma norma única ou um estilo único de expressão. À semelhança, de resto, do que hoje acontece com outras línguas de origem europeia, como o inglês, o francês e o espanhol, que se expandiram para outros continentes e que também não têm nem podem ter  uniformidade.

Com efeito, na norma do português de Portugal, a locução efetivamente usada é «no meio de». Contudo, na norma culta do Brasil, aceitam-se as variantes «em meio a» e «em meio de», como, aliás, aponta Maria Helena de Moura Neves no seu Guia de Uso do Português (São Paulo, Editora UNESP), o qual se destina sobretudo a falantes do português do Brasil:

«em meio a, em meio de - São expressões de significado análogo. Em meio a é muito mais usual (96%)* e ocorre em contextos menos restritos. Em meio de, em geral, vem seguida de expressão no plural e faz referência concreta. ♦ Eles e uma irmã de Dom Attilio já falecida, cresceram juntos EM MEIO A vinhas, nevascas e bombardeios. [...] ♦ Tentou distinguir alguns vultos brancos que se movimentavam EM MEIO A uma espécie de neblina. [...] ♦ E a partida começou EM MEIO DE risos e zombarias dos jogadores. [...] Além disso, em meio de concorre com no meio de, que tem basicamente o mesmo significado e que é de uso muito mais frequente (95%).»

Mas sobre a legitimidade de «em meio a», convém assinalar que em l...

Pergunta:

Qual é o plural de ganha-pão? Não será a palavra invariável? «Os ganha-pão»?

Obrigado.

Resposta:

O plural de ganha-pão é ganha-pães.

O composto ganha-pão, que significa «ocupação, profissão ou utensílio de trabalho com que são adquiridos os meios de subsistência» (dicionário da Academia das Ciências de Lisboa), é formado pela forma ganha (do verbo ganhar) e pelo substantivo pão. Pluraliza de acordo com a seguinte regra: «[...] quando o primeiro termo do composto é verbo ou palavra invariável e o segundo substantivo ou adjectivo, só o segundo vai para o plural [...]» (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, edições João Sá da Costa, 1984, p. 188; mantém-se a ortografia da fonte consultada). Exemplos: guarda-chuva/guarda-chuvas; bate-boca/bate-bocas; sempre-viva/sempre-vivas; abaixo-assinado/abaixo-assinados; vice-presidente/vice-presidentes; grão-duque/grão-duques (idem, ibidem).

Pergunta:

Tropeçando há dias num artigo de opinião intitulado "Os efeitos da Turistificação de Lisboa" (jornal Público, 25/11/2016), e como o encontrei dicionarizado, pergunto: "turistificação" está bem formado? E, se sim, então também é aceitável o verbo "turistificar"? Agradeço um comentário a mais este(s) termo(s) do... "turistiquês" .

P.S. — No mesmo artigo vinha outra palavra, "gentrificação" que, confesso, também desconhecia de todo.

Resposta:

O substantivo turistificação está bem formado. Tem por base de derivação o tema verbal turistifica-, do verbo turistificar, interpretável como «processo de transformar um lugar, um bairro, uma cidade ou um país em atração turística». Este verbo forma-se regulamente de turist-, radical de turista, tal como de coisa se forma coisificar ou de estúpido se deriva estupidificar (cf. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).

Quanto a gentrificação, é palavra que significa « processo de transformação e valorização imobiliária de uma zona urbana, que acarreta a substituição do tecido socioeconómico existente (geralmente constituído por populações envelhecidas e com pouco poder de compra, comércio tradicional, etc.) por outro mais abastado e sem condutas de pertença ao lugar» (Dicionário de língua portuguesa da Porto Editora, disponível na Infopédia; consultar também o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa). Na mesma perspetiva que turistificação, é palavra bem formada que pressupõe o verbo gentrificar (ver Porto Editora),  que é o aportuguesamento do inglês to gentrify, que significa literalmente «enobrecer», mas que denota o processo de renovar uma casa ou um bairro para os conformar ao gosto mais burguês. O verbo inglês deriva do substan...

Pergunta:

Para mim, estaria claro que o significado de temporão seria o oposto de serôdio e até está já contemplado numa resposta que o confirma com o sentido que lhes atribuo. Poderiam assim ambos ser considerados como hipónimos do hiperónimo extemporâneo?

No entanto, ao consultar a primeira palavra numa edição do dicionário Houaiss de 2003, da Temas e Debates, que me foi oferecida há alguns anos, encontro serôdio simultaneamente como sinónimo/variante e como antónimo («... SIN/VAR como adj. atrasado, serôdio, ...ANT. como adj. adiantado, antecipado, precoce, prematuro, serôdio...») . Pareceria uma troca entre as duas entradas não fosse o elemento comum. Segundo erro?

Isto trouxe-me à memória uma referência, numa tertúlia televisiva que julgo ter sido ainda anterior à referida oferta, em que alguém da área de letras (uma senhora, que não nomeio porque não estou certo de quem seria), dizia recusar-se a recorrer à edição portuguesa, preferindo a original brasileira, por aquela estar de algum modo adulterada. Poderá ser o caso?

Resposta:

O que se descreve na questão também se observa nas edições brasileiras do Dicionário Houaiss.

Trata-se efetivamente de uma imprecisão: na verdade, temporão e serôdio são sinónimos na medida em que significam, tal como extemporâneo, «que ocorre fora de tempo». Não obstante esse núcleo semântico comum, contrastam relativamente à posição que marcam relativamente a um ponto tomado como coordenada temporal – nesta perspetiva, até são antónimos: temporão é «fora de tempo, porque ocorre antes do esperado», enquanto serôdio é «fora do tempo, porque ocorre mais tarde do que é esperado».