Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Sobre os topónimos referidos nas notícias do acidente aéreo que vitimou a maior parte da equipa do clube de futebol Chapecoense, donde vem o nome da cidade de Chapecó. E como se pronuncia e escreve o nome da região colombiana onde o avião se despenhou? "Antioquia"? "Antióquia"?

Resposta:

A forma Chapecó é um nome de cidade e de rio no estado brasileiro de Santa Catarina que tem origem em elementos de uma língua ameríndia cuja identificação não reúne consenso.

Antenor Nascentes, no seu Dicionário Etimológico (no volume II, dedicado à onomástica), menciona a «hipótese não muito convincente» de Macedo Soares (Estudos Lexicográficos, pág. 191), segundo a qual o topónimo teria origem no tupi hape'ko, «em que o h é aspirado, dando um som entre o s e o x» e que significaria «caminho seguido, aberto, trilhado», acrescentando que «era por ali desde a primitiva o caminho das muladas e gado que iam do Rio Grande [do Sul] para o Paraná e para S. Paulo, passando por Guarapuava» (A. Nascentes citado por José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, 2003). Tendo em conta que, historicamente, a consoante inicial de Chapecó seria uma consoante fricativa próxima do x de baixo, e não uma consoante africada (o "tx", que, no passado, era sempre representado por ch),  pode supor-se que o nome em apreço poderia ou deveria adotar a grafia Xapecó, forma que está realmente atestada. Com efeito, o Vocabulário Onomástico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras consigna ambas as formas, ainda que as não relacione; contudo, não se apresenta razão para rejeitar Xapecó como variante de Chapecó, quando a primeira forma se emprega para referir uma reserva territorial povoada por comunidades caingangues, na parte ocidental do estado de Santa Catarina, onde se localiza a cidade e o rio que partilham a denominação em discussão. Chapecó

Pergunta:

Continua a saga dos hífenes; e as contradições entre dicionários. Devemos escrever «bem-vestido» ou «bem vestido»? Devemos escrever «malvestido», ou «mal vestido»?

Obrigado.

Resposta:

Por enquanto, não é possível prever nem enquadrar numa regra a ortografia dos advérbios bem e mal como elementos de composição.

A hifenização deste casos depende muito do enraizamento que tenha a expressão formada por bem/mal + adjetivo, bem como da autonomia semântica ou morfossintática que tal expressão evidencie, de modo a distinguir-se da simples associação desses advérbios com adjetivos num frase (ou seja, por contraste com o sintagma que está na sua origem). O registo dicionarístico relaciona-se com estas condições (não tem que ver com o AO, pelo menos, não diretamente).

A respeito dos casos apresentados, observa-se o seguinte:

– Os vocabulários ortográficos atualizados não apresentam nem bem-vestido, nem malvestido.

– Os vocabulários ortográficos que aplicavam o anterior acordo (o de 1945) também não registam tais formas, mas, entre eles, o de Rebelo Gonçalves acolhe bem-trajado e bem-vestir (este, um substantivo), formas que poderão legitimar bem-vestido.

– Em três dicionários atualizados – Dicionário Houaiss (2009), o dicionário de Português da Porto Editora (em linha) e o da Priberam (em linha) –, só o último apresenta bem-vestido e malvestido. O primeiro dos dicionários mencionados só c...

Pergunta:

Eu acho que se diz «opinião avalizada», com aval. Porém, vejo escrito e ouço dizer «opinião abalizada». Gostaria de saber qual é a forma correcta.

Obrigada!

Resposta:

Diz-se «opinião avalizada», no sentido de «opinião garantida, afiançada».

Abalizado e avalizado são palavras diferentes, embora com grande afinidade semântica. Regionalmente, podem mesmo tornar-se homófonas, dado o contraste entre [b] e [v] se neutralizar no terço norte de Portugal.

Mas é preciso realçar que abalizado (particípio passado de abalizar, verbo derivado de baliza) significa «que demonstra muita competência; distinto, notável», enquanto avalizado (particípio passado de avalizar, verbo derivado de aval) quer dizer «afiançado, garantido, favorecido por aval» (cf. Dicionário Houaiss).

Afigura-se mais coerente associar a opinião o particípio pasado (usado adjetivalmente)  avalizada, na medida em que uma opinião poderá ter o aval ou a provação de alguém. Já falar de «uma opinião "abalizada"» corre o risco de se revelar uma impropriedade vocabular, porque abalizado se aplica a quem emite opiniões, e não às próprias opiniões. Sendo assim, é correto o seguinte exemplo: «Nem sempre é fácil encontrar pessoas abalizadas [="competentes"] que deem opiniões avalizadas [="que tenham aval, apoio, aprovação"]».

Pergunta:

Gostaria que me elucidassem sobre a forma correta de escrever "Alepo", cidade da Síria. Os meios de comunicação social não são unânimes na forma de escrever, utilizando "Alepo" e "Aleppo".

Qual será a forma mais correta (em português)?

Muito obrigado pela atenção!

Resposta:

A forma portuguesa é Alepo (com é aberto). Esta é a forma correta e está assim registada há bastante, por exemplo, no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa de 1940 e no Vocabulário da Língua Portuguesa, que Rebelo Gonçalves publicou em 1966. Mais recente, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, publicado pela Porto Editora em 2009, igualmente acolhe a forma Alepo. José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológica da Língua Portuguesa, observa que a forma Alepo vem «do italiano Aleppo, adaptado do árabe Haleb [...]».

Pergunta:

Escreve-se «tal qual» ou «tal e qual»?

Obrigado.

Resposta:

Aceitam-se as duas formas: «tal qual» e «tal e qual» (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).

Entre os gramáticos prescritivos, é verdade que Rodrigo de Sá Nogueira, no seu Dicionário de Erros e Problemas de Linguagem, condenava o uso da expressão «tal e qual», mas sem apontar razões claras. O fulcro da censura tem que ver com o uso de «tal e qual como», que Sá Nogueira rejeita (também hoje se rejeita), para recomendar «tal qual» e «tal como».

Mas Vasco Botelho de Amaral (Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português, 1958), fazendo remontar a rejeição de «tal e qual» a uma apreciação de Cândido de Figueiredo sobre uma frase de Camilo Castelo Branco em A Brasileira de Prazins, observa que outro normativista, Augusto Moreno, reconhecia legitimidade a «tal e qual» por ocorrer nos escritos de Filinto Elísio, GarrettCastilho e Mário Barreto. Ainda segundo Botelho de Amaral, encontra-se «tal e qual como» na obra do próprio Castilho; e um outro normativista, Júlio Moreira, explicava assim o aparecimento de «tal e qual», que aceitava (mantém-se a ortografia da fonte consultada):

«... qual int...