Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Em respostas anteriores, diz-se que a regência do verbo «confrontar» é sempre «com». Mas, quando na passiva, não deve ser «pelo»? Por exemplo: «Ele foi confrontado pelo pai» (deveria ser «Ele foi confrontado com o pai»?).

Muito obrigado.

Resposta:

Os usos de com e por com o verbo confrontar relacionam-se com funções sintáticas diferentes:

1. alguém confrontar alguém com alguma coisa (voz ativa): «O pai confrontou o filho com as notas obtidas.»

2. alguém ser confrontado por outrem com alguma coisa (voz passiva): «O filho foi confrontado pelo pai com as notas obtidas.»

Ou seja, a preposição com introduz um complemento de valor instrumental (a coisa ou situação com que se confronta ou é confrontado alguém) tanto na voz ativa (exemplo 1), como na voz passiva (frase 2). A preposição por introduz o agente da passiva e, por isso, só pode ocorrer numa frase passiva, como se apresenta em 2.

Pergunta:

Diz-se "alunos-tutorandos" ou "alunos-tutorando"?

Resposta:

Embora a palavra composta em questão não se encontre dicionarizada, pode dizer-se que o plural mais adequado é alunos-tutorandos, uma vez que que se infere que o termo denota uma classe de indivíduos que são simultaneamente alunos e tutorandos*. Caso semelhante é o de aluno-mestre, cujo plural é alunos-mestres, conforme registo do Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves.

* Tutorando: «aquele/aquela que é tutorado/a».

Pergunta:

Seria correcto dizer/escrever-se: «Ele passou pelos alunos sem dar fé às piadinhas que o visavam»?

Grato, desde já, pela atenção.

Resposta:

Se pretende usar «dar fé» no sentido de «reparar, dar-se conta ou tomar consciência de um facto, de uma ocorrência...» (cf. no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa; ver também , subentrada «dar fé» no Dicionário Houaiss), a preposição que se usa é geralmente de:

«Ele passou pelos alunos sem dar fé das piadinhas que o visavam.»

No dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, «dar fé de» pode ainda significar «testemunhar, afirmar a veracidade de alguma coisa» e «garantir o que se viu». Registam-se ainda aí, como subentradas de , expressões semelhantes, mas não sinónimas: «dar fé: ir espreitar para depois divulgar, contar; escutar às escondidas. [exemplo] Assistiram ao casamento, só para darem fé, para criticarem»; «dar fé a: crer, acreditar em».

Às locuções «dar fé a» e «dar fé de» também outras fontes atribuem os significados já apontados  (ver, por exemplo, António Nogueira Santos, Português - Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 2006).

Pergunta:

O substantivo revolta diz-se com o o aberto. Mas se se tratar do adjectivo revolta (como em «águas revoltas») não deveria dizer-se com o o fechado ("revôltas"), apesar de não ter acento circunflexo?

Resposta:

Quando é usado como adjetivo, revolta tem efetivamente o o fechado.

O substantivo revolta bem como as formas revolto e revolta (1.ª e 3.ª pessoas do presente do indicativo) da conjugação do verbo revoltar têm efetivamente o aberto, mas o particípio passado de revolver bem como o adjetivo correspondente – ambos com a forma revolto, «agitado» – têm o fechado, mesmo no feminino (cf. o Vocabulário da Língua Portuguesa, de 1966, de Rebelo Gonçalves). Diga-se, portanto, "revôlto(s)" e "revôlta(s)": «rio revolto», «águas revoltas».

Cf. Ortografia e oralidade + Convenções transcrição fonética + Dígrafos e fonemas — Tabela com sons da língua portuguesa.

Pergunta:

Pode informar-me se a palavra "interespécies" está corretamente escrita?

A minha dúvida tem a ver com o facto de não saber se se enquadra na «nas palavras compostas que designam espécies na área da botânica e da zoologia» as quais mantêm o hífen.

Resposta:

Trata-se de uma palavra prefixada, e não composta.

Sendo assim, sabendo que se escreve interestatal, sem hífen, infere-se daqui que se escreve interespécies, que tem uso adjetival e que será equivalente ao sintagma preposicional «entre espécies». É, portanto, de realçar que o prefixo inter só ocorre hifenizado quando a palavra a que se associa começa por r ou h: inter-racial, inter-humano.

Importa também observar que  interespécies é um derivado prefixal que tem por base de derivação um substantivo no plural, espécies, tal como acontece, por exemplo, com interarmas (cf. Dicionário Houaiss). Este tipo de derivados prefixais mantém a mesma forma tanto no singular como plural e aplica-se aos dois géneros.

Este é um dos casos que não foram alterados pelo Acordo Ortográfico de 1990, mantendo-se o que vinha estipulado, já, na norma de 1945 no que respeita às regras do uso do hífen. Sobre este tema, consulte-se os Textos Relacionados, ao lado.