Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Encontro no Dicionário Aulete, os verbos curiosar e curiosear. Este verbos são usados em Portugal?

Resposta:

O Dicionário Houaiss (1.ª edição brasileira, de 2001) consigna ambas as formas verbais, mas a verdade é que a lexicografia parece conhecer apenas a forma curiosar. Por exemplo, o Grande Dicionário da Língua Portuguesa de José Pedro Machado acolhe curiosar, com o significado de «espiar curiosamente», mas não tem entrada para curiosear. No entanto, esta forma verbal não é de todo desconhecida, a avaliar pela seguinte passagem:

 «O vasto curiosear deambulatório, que em Fradique teve por perímetro a Terra toda, em nós limitou-se naqueles dias a um espiolhar arqueológico de alfamas e mourarias, com tortuosas vielas e pitorescas fadistices. […] tão pacientemente metódicas haviam sido minhas viagens por bairros mouriscos e velharias típicas! Assim substituíamos nós o babismo, a Índia, o Egito, a China pelo mofo dos museus lisboetas...» (Fidelino de Figueiredo, Sob a Cinza do Tédio: Romance de uma Consciência, Coimbra, Nobel, 1944, pág. 14).1

Na verdade, este verbo tem forma homóloga, curiosear, em espanhol, língua em que tem tradição. É possível que se trate de um castelhanismo de Fidelino de Figueiredo (1888-1967), estudioso e grande aficionado da cultura em castelhano. Refira-se que curiosear, cujo sufixo -ear é muito produtivo em espanhol – cf. cotillear, chismorrear, husmear, ...

Pergunta:

A palavra "rigorosidade" existe?

«Rigorosidade: substantivo feminino Qualidade do que é rigoroso» ("rigorosidade", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, em linha, 2008-2013,  consultado em 04-06-2017)

Resposta:

Nem sempre se pode confiar cegamente nos registos dos dicionários, mas a verdade é que o substantivo há muito que encontra neles registo. Além do que é referido na pergunta, faça-se referência ao Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora ou ao Dicionário Houaiss. Em vocabulários ortográficos, o vocábulo já figura em 1940 no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa; e aparece no Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa.

Talvez a questão pretenda antes discutir a necessidade de rigorosidade, dado já existir rigor, que parece ter o mesmo significado. No entanto, seria possível detetar em rigorosidade* uma afinidade semântica com severidade, que transparece em rigorismo, mas em rigor poderia estar mais atenuada. Contudo, é uma diferença que não se confirma, porque, por exemplo, no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, se definem ambas as palavras como o mesmo que severidade. Diga-se, portanto, que rigorosidade é um sinónimo de rigor e que se distingue deste último vocábulo por uma menor incidência de uso.

* O dicionário da Priberam e o dicionário de José Pedro Machado acolhem o arcaísmo

Pergunta:

Gostaria de saber se o termo correcto é "torcaz" ou "trocaz" e o seu significado. Encontrei vários "pombos-trocazes" e "pombos-torcazes", espécies aparentadas, mas suspeito que o nexo da troca de posição do "o" e do "r" não tenha muito a ver com a biologia.

Muito obrigado pela disponibilidade e pela continuidade dada ao Ciberdúvidas!

Resposta:

Isoladamente, como denominação de mesma espécie ornitológica, aceitam-se as três formas: torcaz, trocaz e torquaz. No entanto, como composto, os dicionários só registam a forma pombo-torcaz, a qual é também a adotada nos estudos ornitologicos (cf. Rafael Matias et al., "Lista sistemática das aves de Portugal continental", Anuário Ornitológico, 5, 2007, pág. 100). Não haverá diferença quanto ao referente de todas estas formas, que se aplicam à Columba palumbus, embora no arquipélago madeirense também se use para denotar a Columba trocaz (cf. Paulo Catry et al. 2010, Aves de Portugal, Lisboa, Assírio e Alvim , p. 513; e Atlas das Aves Nidificantes, 2009, Assírio e Alvim, p. 260).

Pergunta:

Como se deve escrever o nome da seguinte via: «Rua das Acácias-Mimosas» ou «Rua das Acácias Mimosas» (com/sem hífen)? Dado que é uma espécie botânica, coloca-se também a dúvida da concordância entre Acácias e Mimosa/s?

Gratos pela Vossa atenção.

Resposta:

Escreve-se acácia-mimosa, e o plural é acácias-mimosas.

Em relação à escrita de topónimos, recorde-se que o termo que denota a categorização do logradouro público (rua, avenida, praça, largo, etc.) pode grafar-se quer com maiúscula e minúscula no começo da palavra [cf. Acordo Ortográfico de 1990, Base XIX, 2, (i)]: «rua/Rua das Acácias-Mimosas». Contudo, o nome ou expressão que determina o apelativo toponímico deve ter maiúscula iniciais («rua das Acácias-Mimosas», e não «rua das "acácias-mimosas").

Pergunta:

Há alguma palavra ou tradução para o anglicismo «priming»?

Obrigado!

Resposta:

Há várias traduções para o anglicismo priming, como evidencia o registo desta palavra no dicionário inglês-português da Porto Editora:

«1. preparação; instrução 2. (primeira camada de tinta) aparelho, imprimadura 3. rastilho 4. escorva; carga de pólvora em arma de fogo; ação de escorvar 5. MECÂNICA entrada de água nos cilindros»

Pode, portanto, afirmar-se que o vocábulo em questão é genericamente traduzido por preparação (ver também o portal de tradução Linguee).

Note-se, porém, que priming é muito usado como termo de certas áreas da psicologia cognitiva, conforme se explica na seguinte passagem do blogue Socialmente do investigador brasileiro André Rabelo (artigo de 22/08/2017; manteve-se a ortografia original):

«Um paradigma experimental bem estabelecido na Cognição Social é o que investiga o processo de priming, [...]. O paradigma se baseia em uma idéia simples: a mera exposição de estímulos relacionados a determinadas categorias conceituais associadas na memória de uma pessoa resultará em maiores tendências comportamentais relacionadas a essas categorias. Em outras palavras, o termo priming se refere ao processo pelo qual experiências recentes criam, de forma automática, prontidões de conduta (Bargh e Chartrand, 2000).