Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual é a etimologia das palavras: esparrar, esparramar, espalhar e esparralhar?

Elas possuem a mesma origem, ou é uma coincidência que possuam significados próximos?

Obrigada.

Resposta:

Há de facto relação morfológica e etimológica entre os diferentes verbos mencionados na pergunta. Com efeito, embora não haja certeza, não é impossível que se devam a uma tradição que tornou a sequência espa(rr)- um elemento expressivo.

Assim:

Esparrar parece derivar de parra e ter adquirido o significado de «espalhar», tal como as parras, nos países onde elas existem, se alargam e crescem, permitindo serem aproveitadas para criar sombra.

Esparramar parece ser uma amálgama de espalhar e derramar.

Espalhar virá de palha, em alusão à palha que se dispersava no chão para fazer a cama dos animais.

Esparralhar será o resultado de esparrar e espalhar.

Todos estes verbos serão criações aparecidas depois do latim, já em contexto dialectal galego-português.

Fontes consultadas: Dicionário Houaissdicionário da Academia das Ciências de Lisboa e Cândido de Figueiredo, Novo Dicionário da Língua Portuguesa.

Pergunta:

Ouve-se com frequência a frase «o Roque e a amiga» quando se fala de duas pessoas que andam sempre juntas.

Já me disseram que vem do relacionamento de duas personagens de uma novela brasileira. É possível saber a origem da expressão?

Obrigada.

Resposta:

Vem do título de uma rubrica de um programa muito popular em Portugal, Pão com Manteiga, no final da década de 70 do século passado (cf. também Doutro Tempo).

A expressão encontra registo no Dicionário de Expressões Correntes (Notícias Editorial, 2000), de Orlando Neves, que a define assim:

«Roque e a amiga – Duas pessoas que andam sempre juntas e em desacordo permanente.»

Pergunta:

Vi recentemente grafada a palavra esmoronar.

Ausente do Dicionário Houaiss, pergunto: estará a palavra dicionarizada em outro léxico? Qual o seu significado? Será um simples sinónimo de "desmoronar"?...

Agradeço antecipadamente a vossa preciosa ajuda!

Resposta:

Encontra-se de esmoronar como variante de desmoronar no Novo Dicionário da Língua Portuguesa (1.ª edição, 1899), de Cândido de Figueiredo (este dicionário também pode ser consultado numa versão em linha). 

O verbo ocorre em alguns escritores portugueses e brasileiros:

(1) «Casualmente adreguei de passar pela saibreira esmoronada [...]» (Fialho de Almeida, Os Gatos, in Corpus do Português)

(2) «[...] como se ali se esmoronasse de repente todo o sonhado castelo de suas aventuras conjugais» (Bernardo Guimarães, A Escrava Isaura, ibidem)

Pergunta:

Olá! Encontrei numa tradução antiga de Odorico Mendes da Odisseia de Homero a expressão "oucos manes".

Pesquisando, encontrei essa mesma expressão usada por Leonor d'Almeida Portugal [Marquesa de Alorna]:

«As terríficas sombras, oucos manes/ Ante ela lugar dão a seus furores.»

Mas "oucos" não existe em nenhum dicionário que consultei.

Há uma nota relacionada a esse verso, em que o editor diz acreditar que seja "ocos manes", pois também não encontrou a palavra "oucos".

"Oucos" poderia ser a grafia de "ocos" dos séculos XVIII ou XIX?

Obrigado!

Resposta:

Será variante ou mesmo erro por oco.

O original grego é nekúôn amemêna kárena, que na tradução da Odisseia por Frederico Lourenço corresponde a «às cabeças destituídas de força dos mortos» (p. 312, v. 521).

É, portanto, legítimo inferir que "oucos" esteja por "ocos", no sentido de «vazios».

Não se tratará de forma correta no século XVIII ou no século XIX, porque o conhecido dicionário de Morais (1789) consigna oco, e não "ouco", com o significado «vão, vazado, não sólido».

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