Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Acerca do nome da jovem ativista sueca Greta Thunberg, qual será a melhor maneira de o pronunciar? O Thunberg lê-se "tumbergue"?

Resposta:

A mesma pergunta já foi feita no contexto do uso do castelhano, e a resposta, dada recentemente pela Fundéu BBVA, inclui num registo áudio do nome Greta Thunberg sem transcrição fonética. No entanto, o artigo que a Wikipédia dedica a esta ativista sueca faculta tal transcrição acompanhada de um registo sonoro que não parece evidenciar as mesmas características do áudio da Fundéu:  [²ɡreːta ²tʉːnbærj]1. Sem pretender entrar nas complexidades e subtilezas da fonologia e da fonética suecas, pode considerar-se que, para falantes de português, este nome aproximadamente como "grêta tunbér(i)"2.

Acrescente-se, para os preciosistas, que o e de Greta é, em sueco, uma vogal longa semelhante a um e fechado, mas sem se confundir com ele. Quanto a Thunberg, não é apelido fácil de pronunciar, pelo menos para a maioria dos falantes de português: se a grafia th não coloca problemas porque se parece ao som de t em tudo, já o u lembra o u francês ou o u do dialeto de S. Miguel e de outras regiões de Portugal; quanto ao g final, assemelha-se este ao i de iate., mas nem sempre é claramente audível (daí os parênteses a ladear a vogal na transcrição acima proposta).

 

1 Na transcrição o algarismo em expoente indica um dos tipos de 

Pergunta:

Como se pronuncia Vancouver em Portugal?

Resposta:

O nome da cidade canadiana de Vancouver pode ser pronunciado [vɐ̃'kuvɛr] ou [vɐ̃'kuvɐr] no português de Portugal1, portanto, num aportuguesamento fonético que procura aproximar-se da prolação da palavra em inglês: [vanˈkuːvə] (transcrição do Lexico.com da Oxford University Press).

Contudo, há registo de um aportuguesamento gráfico e fonético – Vancôver –, que está consignado no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966) de Rebelo Gonçalves e se articula como se lê: [vɐ̃'kovɛr].

1 No Brasil, [vɐ̃'kuver], com a pronúncia da nasal e do /r/ final a variar consoante a região (comunicação pessoal do consultor Luciano Eduardo de Oliveira).

Pergunta:

Qual é a génese do termo ror?

Vi em alguns dicionários que estaria ligado a horror. Essa informação está correta?

Resposta:

O Dicionário Houaisso descreve ror como «forma aferética de horror», informação confirmada pelo Dicionário Etimologico da Língua Portuguesa de José Pedro Machado e pelo dicionário da Academia das Ciências de Lisboa. A palavra ror significa «grande porção de coisas ou de pessoas; quantidade» (Dicionário Houaiss) e usa-se como marcador de quantificação sob a forma «um ror de...», equivalente a «um monte de...»: «a Guilhermina comprou um ror de coisas no supermercado».

Observe-se que uma forma aferética é um forma resultante de um proceso de aférese, isto é, de um processo fonológico que consiste na supressão de um segmento fónico em posição inicial de palavra. Exemplos: estar> "tar" (coloquial), espera > "pera" (coloquial, como em "pera aí").

Pergunta:

Sempre disse e ouvi dizer o nome Isaac como que contraindo os dois a em á; portanto [Izáque].

Recentemente ouço dizer e ler este nome de outras formas, nomeadamente [Izá-áque].

Eu julgava que o uso tinha consagrado a primeira forma de dizer, mesmo mantendo a grafia que aparece já desde a personagem bíblica, o patriarca Isaac filho de Abraão. Mas agora fico na dúvida.

Poderiam esclarecer se neste caso há ou não uma forma correta de dizer este nome.

Muito obrigado por todo o vosso trabalho.

Resposta:

A forma tradicional de pronunciar o nome Isaac é [izak]. Isto mesmo sugerem as variantes ortográficas o nome: Isac, Isaque e Isá (cf. Vocabulário da Língua Portuguesa de 1966 e Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa de 1940). A pronúncia [izaak], sendo aceitável1, não é preferível: será uma pronúncia afetada, induzida pela grafia.

 

1 No entanto, no caso de Aarão, que exibe dois aa, considera-se que os dois a são articulados (ver Textos relacionados). Mesmo assim, é de notar a variante Arão (cf. Rebelo Gonçalves op. cit.), a qual sugere a tendência para simplificar a dupla ocorrência da vogal numa só.

Pergunta:

Peço desculpa pelo reparo, mas na resposta dada pela Dr.ª Sara Leite a propósito da palavra parlapiê é mencionada a palavra "escanifobético", que, aliás, aparece no título da resposta.

Penso que a forma correcta será "escaganifobético", tal como se dizia no meu tempo e regista o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, edição de 2009. Não será assim?

Obrigado.

Resposta:

Trata-se de palavras do registo familiar, com eventuais intrusões do nível calão, pelo que é difícil identificar a forma correta, no sentido de mais fiel a um uso mais antigo. Na verdade, podem até conhecer-se outras variantes, explorando a expressividade das palavras. Parece ser este o caso.

No Novo Dicionário de Calão (2005), de Afonso Praça, registam-se as duas formas escanifobético e escaganifobético, sem indicação sobre se uma tem precedência histórica sobre a outra; e no Dicionário de Expressões Populares Portuguesas (1999), de Guilherme Augusto Simões, consignam-se as variantes menos comuns escalafobético" e escagalifobético. O dicionário Priberam regista a palavra escanifobético como variante de escaganifobético, mas ao remeter aquela para esta, sugere que dá prioridade à que tem mais sílabas, ainda que o critério não seja claro.

Acrescente-se que as fontes consultadas pouco adiantam sobre a origem desta palavra tão variável: diz-se que terá génese obscura ou que é vocábulo expressivo, com a sonoridade a sugerir a própria estranheza denotada.

Em suma, perante os dados recolhidos, não se afigura possível confirmar que a forma original da palavra fosse escaganifobético.