Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na cidade da Marinha Grande existe uma localidade que surge com duas grafias diferentes: "Casal de Malta" e "Casal do Malta".

Há uns dias alguém justificava o uso de "Casal de Malta" com uma suposta ligação à ordem de Malta. A oralidade dos naturais muitas vezes torna imperceptível a distinção entre o "do" e o "da".

Conseguem ajudar-me nesta questão?

Resposta:

Não foi aqui possível obter informação segura sobre as origens do topónimo em questão.

Só com documentação relativamente antiga referente à região se poderá apurar alguma coisa acerca das suas origens. Pode-se, por exemplo, constatar que nas Memórias Paroquiais de 1758, na secção correspondente à Marinha Grande, não se regista nenhum topónimo igual ou semelhante a "Casal de/do Malta".

Poderá supor-se também que, como outros topónimos total ou parcialmente idênticos – os quais não parecem guardar nenhuma relação com a ordem de Malta, como são os casos de Malta e Quinta da Malta noutros pontos do país –, o atual topónimo Casal de/do Malta tenha começado por ser "Casal da Malta". Daqui poderia ter-se trocado da por de; depois, algum morador do lugar um proprietátio talvez, acabou conhecido como «o Malta»; e até pode pensar-se que, por fim, o de foi substituído por "do" em alusão a essa pessoa. Tudo isto são simples conjeturas, que exigem o seu confronto com os registos antigos deste nome de lugar.

Acrescente-se que malta, como nome comum que denota «conjunto ou reunião de pessoas de baixa extração social; escória, ralé» (Dicionário Houaiss), tem origem obscura. Há quem o relacione com a ilha homónima do Mediterrâneo, argumentando que daqui teriam saído trabalhadores para os campos europeus, mas o filólogo português José Pedro Machado considera que tal relação não foi historicamente comprovada (idem).

Pergunta:

Li numa das vossas respostas que um ditongo crescente é, na realidade, um falso ditongo porque a suposta sílaba é sempre passível de ser dividida em duas sílabas. Parece-me óbvio em história ou em viola, mas não sei como poderei fazê-lo nos ditongos presentes em quota ou quadro.

Outra dúvida tem a ver com uma semivogal entre duas vogais. Por exemplo, gaiato define-se como tendo três sílabas, com um ditongo decrescente: gai-a-to. Contudo, foneticamente, não vejo razão para não dividirmos de forma diversa, com ditongo crescente: ga-ia-to. A que sílaba pertence a semivogal i? À primeira ou à segunda sílaba? Não existe aqui uma ambiguidade natural?

Obrigado.

Resposta:

Numa análise abstrata dos sons da língua, diz-se que um ditongo crescente – são exemplos o ea de cear, o ia de miar, o oa de entoar ou o ua de suar , em que a primeira letra é frequentemente descrita como semivogal – é um «falso ditongo». Contudo, este termo requer alguma reflexão, porque é também verdade que os ditongos crescentes se realizam efetivamente na fala coloquial. Trata-se de uma questão de âmbito mais especializado, de cursos de linguística, que, pela sua complexidade, não é abordada no ensino não-universitário.

Numa análise fonológica, isto é, do ponto de vista da organização dos sons da língua como sistema de unidades sujeitas a certas regras ou restrições, não constituem ditongos sequências como ea (arear),  ia (piar) ou eo (geografia), tendo em conta que se relacionam morfologicamente com outras palavras em que a primeira letra de tais sequências são pronunciadas como vogais (pio1), como sequências com um i epentético (trata-se da inserção de um i para desfazer um hiato, caso de areia, que provém do arcaico area) ou de sequência em hiato (caso de outros usos do radical geo, como em geoestratégico, que geralmente soa "gè-ò-estratégico"). Contudo, na fala normal e rápida, a concretização (a realização fonética) destas sequências produz ditongos crescentes (o j representa aqui uma semivogal): ar[ja]r, p[ia]r, g[ju]grafia.

...

Pergunta:

1) Qual a grafia correta "baleia jubarte" ou "baleia-jubarte"? 

2) E o plural "baleias(-)jubartes" ou "baleias(-)jubarte"

Grato pela ajuda.

Resposta:

Os dicionários1 registam geralmente a forma jubarte como palavra simples e nome do género feminino que denota o Megaptera novaeangliae, um «cetáceo cosmopolita que produz complexas e extensas vocalizações, da família dos Balenopterídeos, atinge cerca de 16 metros de comprimento e apresenta o dorso negro, grandes barbatanas peitorais de cor branca, cabeça e mandíbula recobertas por pequenas protuberâncias irregulares e saliências na parte anterior da barbatana dorsal, alimentando-se de pequenos peixes e crustáceos» (Infopédia). Este animal é também chamado baleia-cantora, baleia-corcunda, baleia-corcova, baleia -de-corcova, baleia-de-bossas e baleia-preta.

Assinale-se, porém, que no Dicionário UNESP do Português Contemporâneo (2003) apesar de se consignar jubarte como entrada, se observa que o nome ocorre frequentemente associado a baleia, com a seguinte abonação: «As baleias jubarte procriam em Abrolhos.» Este registo sugere, portanto, que se escreve «baleia jubarte» sem hífen, comportando-se o todo como um composto formado por nome + nome, em que o segundo elemento, jubarte, marca um hipónimo (isto é, um termo com um campo referencial mais específico) e funciona, portanto, como adje...

Pergunta:

O plural correto de «tecla de atalho» seria "teclas de atalho" ou "teclas de atalhos"?

Poderiam explanar um pouco sobre o plural de substantivos compostos e preposicionados como esse?

Obrigado.

Resposta:

O plural correto é «teclas de atalho», pois uma expressão nominal formada por nome + de + nome só pluraliza o primeiro nome, tal como acontece com «teclas da esquerda» («tecla da esquerda») ou «teclas da direita» («tecla da direita»), em que direita e esquerda se mantêm no singular.

Observe-se que «tecla de atalho» não constitui propriamente um composto. Com efeito, a relação entre entre tecla, de e atalho não parece apresentar uso plenamente estável e fixo, e a sua significação é resultado da simples associação dos seus constituintes, razão por que não é reconhecida ainda como unidade autónoma e dicionarizada ou dicionarizável (não se encontraram registos lexicográficos). Trata-se mais de uma associação vocabular que terá, com certeza, frequência apreciável no discurso da informática. Contudo, procurando um paralelo entre os compostos, diga-se que a  sua pluralização é semelhante à de um composto hifenizado como grão-de-bico, cujo plural é grãos-de-bico.

Pergunta:

Agradecia um esclarecimento sobre a função sintática do pronome pessoal me no verso «Minha loucura outros que me a tomem» (poema "D. Sebastião", de Mensagem).

Há quem considere complemento indireto, mas tenho dúvidas.

Muito agradecida pela atenção.

Resposta:

A sequência «me a» é uma liberdade poética, porque a forma correta é a combinação pronominal ma.

Quanto a me, trata-se de um complemento indireto, visto que este pronome átono da 1.ª pessoa do singular marca a entidade humana afetada pela mudança de posse a que se refere o verbo tomar. Não se trata do complemento direto, porque esta função é preenchida por a, pronome pessoal átono de 3.ª pessoa.

A função de me fica mais clara se se operar a sua substituição pelo pronome átono correspondente na 3.ª pessoa do singular, ou seja, lhe, ao qual se atribui geralmente a função de complemento indireto: «... outros que lha tomem» (lha é a combinação dos dois pronomes pessoais átonos lhe e a; cf. Textos relacionados).

Cf. Banda desenhada francesa recria últimos dias de vida de Fernando Pessoa