Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Segundo o antigo Acordo Glossário Aquiliniano, Ortográfico, como deverão ser grafados os nomes de religiões?

Por exemplo: «O Hinduísmo é uma religião professada...» ou «O hinduísmo é uma religião professada...»? «A Religião Católica», «A religião Católica» ou «A religião católica»?

Em relação ao termo "S/sikhismo», é correto o seu uso?

Antecipadamente grata.

Resposta:

Grafam-se com minúscula quer no quadro da norma de 1945, quer ao abrigo do Acordo Ortográfico em vigor, que não trouxe alteração a  estes casos: hinduísmo, religião católica, catolicismo. O mesmo se passa com sikhismo, com minúscula inicial, que tem registos dicionarísticos atuais, embora seja discutível quanto ao dígrafo kh que exibe1. No entanto, já se disponibiliza um aportuguesamento integral, siquismo.

 

1 As grafias estrangeiras só se admitem em derivados de nomes próprios (Base I, 3, Acordo Ortográfico de 1990): Keynes > keynesismo. Não é o caso de sikh, nome e adjetivo dos dois géneros, que se aplica aos «membro[s] de uma comunidade religiosa monoteísta, fundada no Penjab (Índia) no fim do sXV pelo guru Nanak Dev (1469-1538), que afirma a existência de um Deus único criador e rejeita o sistema hindu de castas».

Pergunta:

O termo sânscrito "namaste" tem equivalente na nossa língua?

Vê-se, por vezes, escrito "namastê", mas tal está correcto?

Antecipadamente grata.

 

A consulente escreve de acordo com a norma ortográfica de 45.

Resposta:

A consulta de vários dicionários de português não facultou nenhum registo da palavra. Contudo, aceita-se a forma internacional namaste (em itálico) e também o aportuguesamento namastê, que se encontra, por exemplo, no Wiktionary.

A palavra namaste usa-se como saudação e vem do sânscrito, com o significado literal de «(uma) vénia para ti/si/vós/vocês»: de नमस् (námas, «vénia, obediência») + ते (te, «a ti»).

Pergunta:

O termo "hipospádias" (género masculino), ou "hipospádia" (género feminino) é frequentemente utilizado em Urologia.

Como apenas encontro registado o termo hipospadia (género feminino), qual é, de facto, a designação correta?

Resposta:

Do ponto de vista linguístico, recomenda-se a forma hipospadia, «anomalia congénita da posição do meato urinário que abre na face inferior do pénis ou mesmo no períneo»1, com acento tónico na sílaba -di- (soa "hipospadía"), porque é a que se regista sistematicamente como nome feminino em diferentes dicionários e vocabulários ortográficos2.

No entanto, existe margem de tolerância para variantes, como se assinala, por exemplo, no Dicionário Houaiss, a propósito do elemento de composição -spadia:

«[-spadia] pospositivo, do radical grego spad- + -ia (sufixo. formador de substantivos abstratos), tal radical é ampliação do radical. spa- do verbo spáō "retirar, extrair, arrastar; fig. engolir, devorar; dilacerar" ocorrente em spadiks, ikós "ramo arrancado", spadón, ónos "extração, espasmo", spádón, ontos "eunuco" (> português espadão "homem castrado"); a variação prosódica spadía/spádia certamente se deve à flutuação entre a prosódia grega e a latina; ocorre ainda a possibilidade de um -s final cuja presença é de difícil explicação visto que não parece estar necessariamente indicando o número plural; é igualmente de difícil explicação a oscilação de género masculino/feminino, parece razoável apontar-se o género feminino como o normal para todos os vocábulos formados com este elemento de composição; ocorre na terminologia médica do séc. XIX em diante: anaspadia, anaspádia, ...

Pergunta:

A utilização do termo onfalocelo, hidrocelo, espermatocelo e varicocelo são utilizados commumente em patologia cirúrgica do recém-nascido, da criança, do adolescente e do adulto, mas só encontro registados os termos onfalocele, hidrocele, espermatocele e varicocele, todos com o género feminino.

Qual o termo correto?

Resposta:

Do ponto de vista histórico-linguístico, recomendam-se as formas formadas com -cele, um elemento de composição com origem no grego kḗlē, ēs, com o significado de «tumor, hérnia».

Como se observa no Dicionário Houaiss:, -cele constitui um «pospositivo, do grego kêlé, és "tumor, hérnia" [, que] ocorre já em vocábulos originariamente gregos, broncocele (bronkokḗlē), já em cultismos das biociências, em especial da medicina, a partir do séc. XVIII, para designar tumorações ou herniações [...].»

Seguem-se os significados dos termos em questão, de acordo com o dicionário de termos médicos da Porto Editora (Infopedia):

espermatocele: «distensão quística do epidídimo ou da rede testicular»;

hidrocele: «acumulação de líquido (seroso, hemático, purulento) na túnica vaginal do testículo ou no tecido que envolve o cordão espermático»;

onfalocele: «hérnia umbilical»;

varicocele,:«dilatação varicosa das veias do cordão espermático (testículo) ...

Pergunta:

Qual será a tradução apropriada para o termo inglês outlier?

Resposta:

Depende do contexto, como se verifica pela consulta do dicionário inglês-português da Infopédia., onde o vocábulo encontra as seguintes traduções:

«nome 1. indivíduo que não reside na localidade onde exerce atividade; 2. animal que vive isolado; 3. anexo, edifício separado do principal; 4. GEOLOGIA maciço isolado; 5. (estatística) valor ou pessoa que, numa média, apresenta um grande afastamento em relação aos demais da amostra».

Um outlier pode, portanto, denotar alguém ou alguma coisa que fica de fora de determinado padrão, situação que pode até ser muito posiiva1. Falando-se de estatística, um outlier corresponderá, portanto, a «valor dispcrepante», «valor atípico», «valor aberrante» – cf. Linguee.

 

1 É o caso do uso de outliers no título uma obra de não ficção de Malcolm  Gladwell – Outliers: The Story of Success (2008) –, cujo título pouco foi alterado na tradução publicada em Portugal, Outliers. História do Suces...