Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Quais as diferenças articulatórias entre vogais e consoantes?

Resposta:

As vogais são produzidas sem qualquer obstrução do trato vocal1.

As consoantes, por seu lado, resultam da «obstrução ou estreitamento do tracto2 vocal em que a passagem do ar é total ou parcialmente bloqueada»3.

 

1 Ver "Vogal" no Dicionário Terminológico (DT). A expressão «trato vocal» refere-se à «zona por onde passa o ar, acima da laringe, cuja forma é um fator que determina a qualidade dos sons da fala» e é termo que se aplica, «num sentido mais genérico, aos órgãos vocais» (Dicionário de Termos Linguísticos, Portal da Língua Portuguesa).

2 Mantém-se a ortografia da fonte consultada, publicada antes da aplicação do Acordo Ortográfico de 90

3 Ver "Consoante" no DT.

Pergunta:

Será que "fálár", "ládrár", "págár", "lárgár" e... "gánhár" terão a mesma asneira comum ?

Como "curenta" (40), "riu" (rio), "Lôres" ou "Lólé" (Loulé)?

 

Resposta:

Convém perceber que o que se escreve nem sempre corresponde ao que se pronuncia realmente. Quem trabalha em fonética e fonologia sabe isto muito bem e descobre que há mais variação do que se imagina – variação que até não é considerada incorreta nem pelos estudiosos da língua nem pelos leigos em matéria de atitudes linguísticas. Assim, se se está a falar de pronúncia, há que distinguir entre a pronúncia aceite por todo o país e as pronúncias que são toleradas regionalmente.

Sobre os cinco primeiros casos, no contexto da variação observada em Portugal:

a) "fálár", "ládrár", "lárgár" e "págár" são de facto pronúncias anómalas ou menos recomendáveis entre falantes do território português, porque o a da primeira sílaba de cada caso costuma ser fechado1;

b) o mesmo não se pode dizer de ganhar pronunciado como "gánhar", caso em que o a da primeira sílaba, que é átona, é aberto por razões históricas (vem de dois aa da forma arcaica gaanhar).

Quanto à pronúncia de quarenta, esta palavra soa como [kuarenta] no discurso culto e pausado, embora informalmente se diga "corenta" ou "curenta".

Sobre rio, é sabido (ver Textos Relacionados) que em grande parte do país a sequência io se pronuncia como o ditongo "iu" – é o caso de Lisboa (ver Gramática do Português, Fundação Calouste Gulbenkian, 2013-2020, p. 3379). Contudo, não é assim nas Beiras, nem na maior parte do Norte. Todas essas pronúncias são corretas.

Quanto às pronúncias de Loures e Loulé, é de assinalar que, entre falantes a sul do Vouga, a grafia ou se pronuncia geralmente "ô", o que é aceite e até está legitimado como pronúncia-padrão, apesar de a conservação do ditongo a norte ser também correta. Sendo assim, aceita-se que Loures seja "lôres", en...

Pergunta:

Por que alguns autores, em relação ao grau de abertura/timbre das vogais, dizem que podem ser fechadas ([i] e [u]), semifechadas ([ê] e [ô]), semiabertas ([é] e [ó]) e abertas ([a]); enquanto outros, porém, dizem que elas podem ser abertas ([a], [é] e [ó]), fechadas ([ê], [ô], [i] e [u]) e reduzidas ([a], [i] e [u])?

Qual é o certo? Ou eu que não entendi direito quanto ao timbre?

Desde já, obrigado.

Resposta:

São terminologias diferentes e ambas são aceitáveis, mas a segunda tem implantação no ensino não universitário do Brasil.

Convém começar por dizer que, na descrição mais tradicional da língua, o termo timbre se define como o «efeito acústico relacionado com os graus de abertura da cavidade bucal, nomeadamente na pronúncia das vogais» (Infopédia).

A primeira série de termos – abertas, semiabertas, semifechadas e fechadas – é a que figura na Nova Gramática do Português Contemporênea (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, p. 35). Nesta proposta, o a de gato é uma vogal aberta (símbolo fonético: [a]); o e de seta e o o de amora são vogais semiabertas (símbolos fonéticos [ɛ] e [ɔ]); o e de cedo, o de autor e o a de moda são vogais semifechadas (símbolos fonéticos [e], [o] e [ɐ]); o i de mil e o u de sul são vogais fechadas (símbolos fonéticos [i] e [u])1.

A segunda série terminológica mencionada pelo consulente – abertas, fechadas e reduzidas – é a que consta da Nomenclatura Gramatical Brasileira de 1959 e parece ter grande aceitação nas gramáticas gerais elaboradas no Brasil2. Nesta classificação, são vogais abertas os segmentos representados por [a], [ɛ] e [ɔ]; fechadas são [e], [o], [i] e [u]; e reduzida, a vogal [...

Pergunta:

Há a possibilidade de, na evolução de totu- para todo, aceitar a dissimilação como hipótese de processo fonológico? Ou apenas a sonorização é válida?

Obrigada.

Resposta:

Apenas a sonorização – ou  lenição1 – é válida.

Na evolução do latim para o sistema galego-português e outros sistemas da România Ocidental, ocorreu regularmente o vozeamento das consoantes  oclusivas surdas intervocálicas surdas -C-, -P- e -T- : PACARE > pagar; SAPERE > saber; METU- > medo.

Observe-se que a sonorização se insere no fenómeno mais vasto da assimilação, pois o traço vozeado do contexto vocálico é transmitido à consoante intervocálica.

Sendo assim, à descrição do caso de TOTU-> todo, dá-se prioridade ao processo mais geral da sonorização, que ocorre em palavras em que não há contexto para a dissimilação:

PRATU- > prado

CITU- > cedo

LATU- > lado.

Considerando os casos acima, aceita-se metodologicamente a prioridade da regra mais geral sobre o fenómeno menos regular. A transição TOTU- > todo enquadra-se, portanto, na sonorização, que é regular e tem âmbito genérico, e não entre os fenómenos de dissimilação, que ocorrem mais pontualmente, em função de cada palavra.

 

1 «Refere-se tradicionalmente como lenição (ou abrandamento) uma série de mudanças que afetaram as consoantes oclusivas intervocálicas [...]. O contexto intervocálico potencia o 'abrandamento' da consoante, que assimila traços das vogais, como o traço de vozeamento (nesse caso uma não vozeada) [...].» Maria Teresa Brocardo, Tópicos de História da Língua Portuguesa, Li...

Pergunta:

A família do meu pai, natural da região de Castelo Branco, empregava amiúde o termo "coginjas" (ou cojinjas, não sei) como termo carinhoso para crianças, por exemplo, "Andá cá, meu coginjas" ou "saíste-me cá um coginjas...". Nunca encontrei o termo escrito, nem em dicionários , nem em parte nenhuma. Gostava de saber o significado e, se possível, a origem. Obrigada.

Resposta:

Não foi aqui possível identificar registo igual ou semelhantes, uma vez que as fontes consultadas1 não registam a palavra em questão.

É possível que seja palavra expressiva, eventualmente formada com base no verbo cogiar ou cugiar, que significa «vigiar, espreitar, observar, procurar, revistar, bisbilhotar» (José Pedro Machado, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Sociedade da Língua Portuguesa/Edições Alfa, 1991).

Com um agradecimento à consulente pela partilha do uso em questão, a pergunta fica em aberto, de modo a convidar contributos completos e fundamentados.

 

1 Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, Dom Quixote, 2000, de Guilherme Augusto Simões; Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Objectiva, 2001; Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa, 2001; Michaelis Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa; Dicionário de Caldas Aulete (versão digital); Dicionário Priberam; Infopédia .