Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Antes de mais o meu grato reconhecimento ao vosso site.

A minha questão é: como devo escrever "Al Andaluz"?

Com z final ou com s? Com hífen ou sem hífen? Ou ambos os casos são aceites?

Obrigado e bem hajam.

Resposta:

Não temos uma resposta categórica sobre o assunto.

A forma deste nome ainda não estabilizou e, portanto, há várias possibilidades1, entre elas, Al-Andalus e Al Andalus.

Também se aceita Andaluz, que do ponto de vista filológico tem ampla justificação2, apesar da desvantagem de se confundir com o gentílico correspondente à atual Andaluzia, ou seja, andaluz.

A forma escolhida é a forma que se deve manter ao longo de um mesmo documento.

 

1 O elemento al, que representa o artigo árabe, pode também ocorrer com letra minúscula inicial: al-Andalus e al Andalus. A forma al-Andalus é frequente em estudos académicos em diferentes línguas, designadamente em francês, por exemplo, nos estudos de Pierre Guichard,  Christophe Picard e Cyrille Aillet. Em Espanha, vários investigadores entre os quais se destaca o arabista espanhol Federico Corriente escrevem Alandalus, porque consideram que esta «[...] reproduce exactamente la pronunciación que usaban sus nativos, en lugar de Al-Ándalus, mero cultismo contemporáneo, no exento de pedantería [...]» (F. Corriente, Diccionario de Arabismos y Voces Afines en Iberromance, Madrd, Editoria...

Pergunta:

Já foi perguntado se se deve escrever «o dever haver» ou «o deve haver». No entanto, encontro dicionarizado «deve-haver» (dicionário da Porto Editora) e sempre ouvi «o deve e o haver».

Qual a formulação (ou formulações) correta(s)?

Obrigado.

Resposta:

As expressões corretas são deve-haver e «deve e haver» (ou «o deve e o haver», com artigo definido).

dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (ACL) regista deve-haver como o mesmo que «o deve e o haver» ou «o débito e o crédito». A palavra composta tem registo, pelo menos, desde 1940, quando a ACL publicou o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, antes, portanto, do Acordo Ortográfico de 1945.

Refira-se ainda que, separadamente, deve e haver, que são em geral formas verbais, têm também registo como nomes comuns:

deve: no âmbito da contabilidade, «débito ou despesa (de uma firma) escriturada no livro razão» e «coluna desse livro na qual são registradas as despesas»; e, no campo lúdico, «modalidade do jogo de pião (praticada em Trá-os-Montes)» (Dicionário Houaiss).

haver: «a parte de uma conta ou de uma escrituração comercial que indica o que se tem a receber; crédito» (ibidem).

Pergunta:

Numa resposta anterior sobre «partilhar e compartilhar», apresenta-se um exemplo que tem justamente que ver com a minha dúvida:

«Homens e mulheres, apesar de diferentes, partilham da mesma essência.»

A minha dúvida prende-se com o «da»: porque não «partilham a mesma essência»?

Obrigado.

Resposta:

Diz-se e escreve-se corretamente «partilham a mesma essência» e «partilham da mesma essência». O verbo partilhar pode ocorrer como verbo transitivo, isto é, como verbo que seleciona complemento direto, mas também se usa como verbo transitivo indireto, com regência construída pela preposição de. O significado de um uso é muito próximo do do outro.

A consulta do dicionário da Academia das Ciências de Lisboa parece detetar uma pequena diferença semântica ente «partilhar de alguma coisa», muito próximo de participar, e «partilhar alguma coisa», equivalente a dividir («alguma coisa»). Sendo assim, «partilhar da mesma essência» é «participar da mesma essência», enquanto «partilhar a mesma essência» se interpreta como «dividem entre si a mesma essência». Este contraste é de algum modo confirmado pelo dicionário Priberam, pelo Michaelis e pelo Aulete. Contudo, dicionários de verbos como o de Francisco Fernandes, o de Celso Pedro Luft e o de Malaca Casteleiro levam a concluir que a diferença de significado é negligenciável1. O dicionário da 

Pergunta:

Gostaria de saber se meu sobrenome «De Moura Telles» é composto e quando / onde se originou.

Obrigada.

Resposta:

Para a elaboração desta resposta, não foi possível encontrar fontes impressas que confirmem inequivocamente «de Moura Teles» (ou «Moura Telles», com grafia anterior às ortografias surgidas a partir de 2011) como um apelido (sobrenome) composto.

Contudo, uma pesquisa no portal Geneall (pago) permite identificar linhagens com associação de apelidos «(de) Moura Teles/Telles». Daqui não se infere que todos os casos de associação destes dois apelidos possam não corresponder a portadores aparentados com indivíduos que só têm um dos apelidos (Moura ou Teles). Pode também acontecer que noutras pessoas se identifique a associação de apelidos Moura Teles, sem haver uma relação direta com outras pessoas cujas famílias usam tal associação há gerações.

Em Portugal, em relação aos chamados apelidos compostos, as páginas do Instituto dos Registos e do Notariado  preveem que os apelidos possam ser constituídos por «vocábulos gramaticais compostos», os quais se definem como «[...] um vocábulo constituído por dois ou mais vocábulos simples que possui um significado autónomo, muitas vezes dissociado dos significados dos seus componentes». Mesmo assim, deve assinalar-se que um apelido composto não decorre necessariamente da associação de dois1 apelidos simples.

Com efeito, como assinala o filólogo Ivo Castro2, um apelido pode ser constituído por um nome composto – por exemplo, Castelo-Branco, São-Paio, Todo-Bom, respetivamente, com origem num topónimo (Castelo Branco), num nome de santo (São Paio, ou seja, um hagiónimo) ou numa alcunha («todo bom»). Contudo, para o mesmo autor, da junção de dois apelidos não resulta um ap...

Pergunta:

Consultados todos os dicionários disponíveis não foi encontrada a palavra "assembleário" (tradução do castelhano, «eucaristias participativas de tipo asambleario»), apenas no dicionário de José Pedro Machado se encontra o termo «assembleante» que nos parece do mesmo registo semântico.

Agradecia a vossa prestimosa ajuda para o uso legítimo do termo que melhor corresponda ao conceito.

Grato.

Resposta:

 É legítimo o uso de assembleário, mas não sem algumas reservas.

Entre os dicionários de português disponíveis, não se encontra registo dicionarístico de assembleário, o que sugere não ser corrente o uso de um adjetivo morfologicamente relacionado com assembleia. Sendo assim, pode recorrer-se a uma solução mais convencional em português, eventualmente menos económica: «eucaristias participadas ao modo de/das assembleias».

Contudo, observa-se em várias páginas da Internet que o adjetivo tem ocorrências com mais de 10 anos em diferentes países de língua portuguesa (cf. aqui).  Não será, portanto, assim tão descabido ativar o uso de assembleário num texto em português.

Acrescente-se que a formação de assembleário terá realmente motivação no castelhano, dado asambleario, «relativo a assembleia (em castelhano, asamblea)», ter registo no dicionário da Real Academia Espanhola

Para o galego, língua cuja proximidade (e às vezes confusão) com o português pode ser útil na avaliação de certos empréstimos, o dicionário da real Academia Galega consigna asembleario, forma praticamente idêntica a assembleário. No entanto, o Dicionário Estraviz, também galego, mas de linha reintegracionista (portanto, apologista de um afastamento em relação ao castelhano e identificação com o português), não recolhe o termo, o que permite várias suposições, entre elas, a de o lexicógrafo a ter considerado forma castelhana.

É também verdade que o dicionário de