Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Em referência ao Campeonato Africano das Nações, eu pensava que o género seria masculino, tendo em conta o género da primeira palavra (campeonato), mas escuto pelas rádios portuguesas «a CAN», o que me deixa totalmente perdido.

Resposta:

Diz-se «o campeonato», porque se trata do Campeonato Africano das Nações, que tem CAN como sigla. Sendo assim, será de esperar a atribuição do género masculino à referida sigla: «o CAN».

Acontece, porém, que, em português, este campeonato tem outras duas designações: Taça Africana das Nações e Copa Africana das Nações, que inclui a palavra copa, típica do português do Brasil. Esta última denominação também se abrevia pela sigla CAN, que legitima o uso no género feminino: «a CAN».

Convém observar que, em certas páginas da comunicação social, ocorrem usos redundantes e algo incongruentes, como o seguinte:

(1) «Os Camarões carimbaram o passaporte para a final da Taça das Nações Africanas (CAN) com uma vitória por dois golos sem resposta frente ao Gana» (Euronews, 02/02/2017).

Em (1), associa-se a forma CAN a uma expressão cuja sigla deveria ser "TNA". Parece, portanto, empregar-se CAN sem noção do que esta representa, e atribui-se-lhe o género feminino, porque se subentende «a taça CAN». Se este subentendido é legítimo, menos aceitável, no entanto, é escrever «Taça das Nações Africanas (CAN)», porque se apresenta uma sigla não correspondente à expressão por extenso.

Pergunta:

Devemos dizer e escrever «ter pressa de» ou «em»? Por exemplo: «Tenho pressa de/em publicar este livro.

Obrigado.

Resposta:

Diz-se das duas maneiras, como evidencia, por exemplo, uma consulta do Corpus do Portugués:

(1) «Tinha pressa de chegar à beira do Germano, homem idoso, mas, ainda lesto, desembaraçado. » (João de Araújo Correia, Carta de Óbito)

(2) «Quando chegou à fonte viu a clareira coberta de ovelhas, que empurrando-se em silencio, furando, cahindo e mordendo o pó que levantavam, tinham pressa em chegar á grande pia de pedra, para beber.» (Júlio Dantas, Os Gallos de Apolo, 1921)

Dicionários de regências nominais – o de Celso Pedro Luft e o de Francisco Fernandes, ambos brasileiros – confirmam estes usos com exemplos literários quer do Brasil quer de Portugal.

Pergunta:

Qual é/seria o adjetivo pátrio reduzido de catalão?

Obrigado.

Resposta:

Na prática, excecionalmente, não há forma reduzida, porque a forma possível – catalano- – é obviamente mais extensa que catalão.

Em compostos coordenados, do mesmo tipo que lusofalante e anglo-português ou franco-belga, e tal como a alemão corresponde alemano (ainda que esta forma seja rara, dado que em compostos coordenados se prefere germano-), infere-se a forma catalano-, de catalão: catalanofalante1, catalano-francês.

 

1 Cf. Dicionário Houaiss, versão eletrónica (2001)

Cf. Cinco mitos sobre o catalão

Pergunta:

Posso iniciar a frase com preposição em antes de adjetivos como referente?

Por exemplo: «Em referente à paciente Maria Alves, fizemos o cadastro da mesma...» ou, no caso, a frase acima estaria incorreta, optando pela construção de: «Referente à paciente Maria Alves, fizemos o cadastro da mesma...»

Resposta:

A expressão em apreço tem a forma «no referente»1: «No referente à paciente Maria Alves, fizemos o cadastro da mesma...»

Existe uma locução alternativa também correta, construída com o nome referência: «Com referência à paciente...» ou, ainda, «Em referência à paciente....»

Envolvendo adjetivos sufixados por -nte, locuções equivalentes são ainda «no tocante a», «no concernente a» e «no respeitante».2

 

1 Cf. Dicionário Unesp do Português Contemporâneo (2003, s.v. referente).

2 Cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa.

Pergunta:

Começa a ser cada vez mais comum ouvir a expressão: «promoções de até x ou y».

Se antes só ouvia isso a um professor brasileiro, já é corrente ouvir/ler esse «de até» em vez apenas até. Qual a forma correta?

Resposta:

Ambas as formas estão corretas. Ao nome promoção associa-se geralmente um complemento introduzido pela preposição de: «promoções de 10%». Contudo, subentendendo «de 1% até 10%», é possível construir «promoções de até 10%».

A sequência «de até» ocorre em estruturas que não oferecem dúvidas quanto à sua correção, mesmo no português de Portugal, como evidencia uma consulta do Corpus do Português, de Mark Davies:

(1) «Só a graça de respeitar sinceramente os seus superiores, e de até os temer, quem sabe? como as crianças..» (Irene Lisboa, O Pouco e o Muito: Crónica Urbana, 1956)

Também figura em construções que marcam um limite temporal/espacial ou no limite de uma quantificação, como se pode confirmar pelos seguintes exemplos:

(2) «Achas que siga contando com a simpleza de até aqui, ou parece-te que deva orquestrar o feito, wagnerianamente?» (Tomás de Figueiredo, Monólogo em Elsenor – Noites das Oliveiras)

(3) «[...] nas áreas abrangidas verificaram-se aumentos por hectare de 2000 kg para o arroz e de até 8000 kg para o milho.» ("Custo do hectare duplica o do Alqueva", Expresso, 08/11/1997)

Ou seja, entre uma preposição e o seu complemento, mesmo que este envolva uma expressão numérica, é possível intercalar a preposição para marcar a noção de inclusão (como em 1) ou de limite (exemplos 2 e 3).

Como se observa na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, p. 1505), há sequências «em que [...] duas preposições mantêm o seu significado e uso básicos: trata-s...