Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Existe alguma tradução consagrada em português para a expressão inglesa «from the armchair?

Como em «[...] analyses performed by philosophers from "the armchair".»[*]

Ou se não consagrada, pelo menos com precedentes de utilização?

 

[N. E. – tradução livre: «análises realizadas por filósofos [que ficam] de poltrona»]

Resposta:

Não parece haver uma tradução direta, sistemática e estável. Existem, sim, várias soluções, algumas correspondentes a expressões fixas ou associações lexicais mais ou menos recorrentes (solidariedades lexicais ou colocações), dependendo a sua escolha do contexto.

Como palavra isolada, armchair significa «poltrona» (cf. Infopédia). Tendo em conta a expressão inglesa apresentada, «philosophers from the armchair», a qual pode converter-se em «armchair philosophers» – com armchair como modificador (cf. armchair traveller, «viajante de poltrona», em Lexico.com), a aplicar-se à pessoa a quem falta experiência ou prática numa dada área de conhecimento ou atividade –, é possível propor «filósofos de gabinete», seguindo o modelo de um exemplo colhido no portal de tradução Linguee:

(1) «our fishermen are more deeply committed to the practice of sustainable fishing than your armchair environmentalists» – «[os] nossos pescadores estão ainda mais empenhados do que os seus ambientalistas de gabinete em praticar uma pesca sustentável»

Outras soluções, colhidas na referida fonte: «armchair generals» = «generais de poltrona» (neste caso, parece também possível «de gabinete»); «to make armchair decisions» = «tomar decisões em cima do joelho».

Pergunta:

Numa resposta dada pelo consultório de Ciberdúvidas, está a seguinte frase:

«Se erradicar se aproxima do exagero, irradiar pode também não satisfazer os mais ciosos da integridade semântica das palavras.»

Pergunto, então: a oração iniciada por se é uma oração subordinada condicional típica?

Desde já agradeço a resposta.

Resposta:

A frase em questão não é uma condicional típica, mas também não é uma construção insólita – muito pelo contrário.

Trata-se de uma oração condicional de enunciação, conforme define a Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013-2020, p. 2024):

«[...] as condicionais de enunciação não se relacionam diretamente com o conteúdo proposicional da oração principal [...]» e «estão antes ligadas à enunciação, podendo ser orientadas para o falante ou para o ouvinte:

(162) a. Se bem me lembro, o João não gosta de ervilhas.

         b. Se achas que é melhor assim, partimos de madrugada.

         c. Se quiseres beber alguma coisa, há sumo no frigorífico.»

O caso de «Se erradicar se aproxima do exagero...» enquadra-se nas condicionais de enunciação, porque é parafraseável por «se [alguém disser que] erradicar se aproxima do exagero [...]». Por outras palavras, a oração condicional apresenta a possibilidade de alguém emitir o juízo segundo o qual tal verbo «se aproxima do exagero».

Pergunta:

Gostaria de saber como traduzir para português os seguintes termos de genética/bioinformática[*]:

– reads.

Exemplo: «In next-generation sequencing, a read refers to the DNA sequence from one fragment (a small section of DNA)» (Genomics Education Programme).

– contigs.

Exemplo: «A contig (as related to genomic studies; derived from the word “contiguous”) is a set of DNA segments or sequences that overlap in a way that provides a contiguous representation of a genomic region» (ibidem);

– assembly.

Por exemplo: «In bioinformatics, sequence assembly refers to aligning and merging fragments from a longer DNA sequence in order to reconstruct the original sequence» (retirado de "Sequence assembly", Wikipedia).

Desde já muito obrigado pela vossa ajuda.

 

[* N. E. – Traduções livres, pela mesma ordem: «Na sequnciação da geração seguinte, uma leitura refere-se à sequência de ADN proveniente de um fragmento (uma pequena porção de ADN)»; «Um contig (relacionado com estudos genómicos e formado da palavra contíguo) é um conjunto de segmentos ou sequências de ADN que se sobrepõem de tal maneira que permitem fazer uma representação contígua de uma região genómica»; «Em bioinformática, o termo «alinhamento de sequências refere-se ao alinhamento e à combinação de fragmentos a partir de uma sequência de ADN mais longa de modo a reconstruir a sequência original».]

Resposta:

A pergunta incide sobre a terminologia de um domínio científico que tem abundante literatura em inglês, como a maioria das atuais publicações científicas e como, aliás, os próprios exemplos em questão evidenciam. É, portanto, habitual que, nos países de língua portuguesa (e não só), os especialistas de cada  área científica empreguem termos ingleses, sem que, entretanto, se defina no discurso em português um padrão vernáculo capaz de disponibilizar traduções consagradas. Este é um problema comentado frequentemente e que requer certamente a intervenção planificada de uma entidade com competência na fixação de terminologias científicas (ver Textos Relacionados).

Quanto a saber se existem termos vernáculos equivalentes, com uso estável, que funcionem como traduções preferenciais, a resposta não é inequívoca. Assim, é possível aceitar que reads corresponde a leituras e assembly a «alinhamento de sequências». Contudo, contigs não tem mesmo tradução, pelo que, como termo especializado, se escreve em itálico, de modo a assinalar o seu estatuto de estrangeirismo1.

Sobre o significado de cada um dos termos em causa:

assembly/«alinhamento de sequências» –também «montagem de sequências», em referência ao alinhamento e associação de múltiplos fragmentos de uma sequência de ADN muito maior para reconstruir a sequência original (ver "Sequence assembly", Wikipedia em inglês, e artigos correspondentes em espanholcatalão e francês).

contigs – «sequências maiores de DNA [ADN] que são montadas por meio de sobreposi...

Pergunta:

No mundo das startups e do empreendedorismo no geral, o uso do verbo aplicar tem sido amplamente utilizado como sinônimo do verbo candidatar-se, por exemplo:

«Eu apliquei para a vaga de programador.»

«Eu me apliquei à vaga de programador.»

«Aplique para a vaga de programador.»

Existe equivalência semântica entre os dois verbos ou é apenas uma tradução equivocada do inglês to apply?

Se existe essa equivalência no português, qual é a transitividade adequada?

Resposta:

Trata-se de um uso duvidoso, se não incorreto, de aplicar por interferência do significado da construção inglesa to apply (for a job), ou seja, «candidatar-se a um emprego» (dicionário inglês-português da Infopédia).

O verbo utilizado no sentido de «apresentar-se para ser selecionado para funções profissionais» é candidatar-se, que tem transitividade indireta: «candidatar-se a (alguma coisa)».  Acrescente-se que to apply for tem entrada no Novo Dicionário de Expressões Idiomáticas Americanas (São Paulo, Pioneira Thomson Learning, 2003), de Luiz Lugani Lopes, que o descreve como equiavlente aos verbos solicitar, pedir, requerer, candidatar-se .

 

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Pergunta:

Há na cidade da Horta, ilha do Faial, Açores, um lugar delicioso com uma magnífica praia de nome Porto Pim.

Vivi aí nove anos e nunca me ocorreu perguntar ou procurar ou ouvir falar nas aulas na origem deste tão singular nome. Até o Tabucchi o meteu no seu romance A Mulher de Porto Pim. E eu nada.

Peço-vos ajuda!

Resposta:

Também aqui não foi possível encontrar informação sobre a origem da forma Pim, incluída no topónimo composto Porto Pim.

Trata-se de um topónimo que aparece na cartografia de meados do século XVI. A hipótese de o relacionar com o apelido inglês Pym, como propõe José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa), não é de rejeitar, tendo em conta as navegações quinhentistas que, de diferentes países europeus, se tornaram mais intensas como andar do século, mas, por enquanto, parecem faltar documentos que a sustentem.

1 Pym é apelido que também ocorre sob as formas Pymm, Pim e Pimm. Há quem explique o apelido como um hipocorístico do nome feminino Euphemia, mas tem mais favor a ideia da origem num nome próprio masculino do inglês antigo, Pymma (cf. P.H. Reaney e R. M. Wilson, A Dictionary of English Surnames, 2006).