Pergunta:
Agradeço antes de mais o tempo dispendido para avaliar e responder às minhas questões.
Sei que a aférese é uma figura de estilo/linguagem que consiste na queda/retirada de um fonema no início de um vocábulo (ex. ainda – inda) e que ao mesmo tempo existe um outro recurso estilistico, a prótese que consiste no contrário, ou seja, no acrescento de um fonema no incío de uma palavra (ex. levantar – alevantar).
A minha primeira questão é a seguinte: ao depararmo-nos com determinado vocábulo, como sabemos se se trata de uma prótese ou de uma aférese?
Por ex.: arrebentou e rebentou.
Pelo que entendo, antes de escolhermos a figura de estilo apropriada, temos de decidir qual a palavra de origem, é isso? Mas isso nem sempre me parece evidente... Por exemplo há três ou quatro gerações (e ainda em várias zonas do norte de Portugal, por exemplo) ainda se diz arrebentou ou inda. No primeiro caso, trata-se de uma prótese porque partimos de rebentou, e no segundo, de aférese, porque temos em conta que a palavra "correta" é ainda – ou esse raciocínio é demasiado frágil?
Além disso, torna-se difícil de decidir quem fala/escreve bem ou menos bem. Tenho a ideia de que a lingua, sendo um produto social, mesmo com esquematizações e normas lexicais/sintáticas/etc. constitui um fenómeno humano muito dinâmico e permeável ao meio envolvente, o que dificulta essa mesma sistematização do bem falar/escrever.
No que nos podemos basear para essa questão das figuras de estilo? Na maioria dos falantes? Do país/zona de origem de quem proferiu/escreveu determinado vocábulo/frase?
Muito obrigado pela ajuda.
Resposta:
Agradecendo ao consulente o contacto e as considerações enviadas, convém começar por esclarecer que os conceitos de aférese e prótese são matéria da linguística, mais concretamente da fonética ou da fonologia, e não da estilística. Não se trata, portanto de figuras de estilo, mas, sim, de fenómenos fonéticos ou fonológicos (ver, por exemplo, "fenómenos fonológicos" no Dicionário Terminológico). Mas esta clarificação não invalida as questões levantadas, que são bastantes pertinentes e não têm uma resposta óbvia.
Assim, existem dois critérios – não infalíveis – para saber a relação cronológica entre duas formas:
– a etimologia, tendo em conta sobretudo o património de origem latina, porque daí provém grande parte do léxico português que corresponde a categorias mais básicas;
– e, em complemento, as atestações das palavras que se recolhem nos documentos escritos em português a partir a Idade Média.
Partindo destes critérios, comenta-se a seguir cada caso:
– Supõe-se que ainda precede inda, porque os documentos do século XIII apresentam a forma com a- inicial. Contudo, o a- parece não ter por enquanto explicação clara (segundo o Dicionário Houaiss) e, portanto, não terá sido impossível que, já em tempos medievais, inda concorresse com ainda. Na língua padrão, que é sempre resultado de uma seleção nem sempre de acordo com a sequência histórica (diacronia) dos factos linguísticos, é ainda a forma correta, considerando-se inda forma popular.
– Quanto a rebentar, aceita-se (embora com dúvidas) que o verbo procede do latim vulgar *repentare (o asterisco indica que é forma hipotética, reconstruída), verbo com que se relaciona repente, palavra co...