Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Em Portugal, é geral o evitar-se o hiato «a água» com "a iágua", ou trata-se dum uso dialetal?

Muitíssimo reconhecido ao vosso trabalho!

Resposta:

É um uso dialetal de Portugal, sobretudo das regiões centro-norte (Beiras) e norte (Minho e Trás-os-Montes). Trata-se de um fenómeno de epêntese (inserção intervocálica), para desfazer o hiato entre dois aa, que são vogais centrais. Na comunicação informal, é bastante corrente, mas, formalmente, tende a ser evitado.

Sobre a inserção da vogal [i] no contexto em questão, transcreve-se da Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013-2020, pp. 92/93) a seguinte passagem:

«A[os] traços fonéticos [diferenciadores dos dialetos de Portugal] propostos por L[indley] Cintra pode acrecentar-se um outro que [...] também configura a divisão do país apenas em duas áreas e também corresponde ao sentimento que os falantes têm da pertença a um Norte ou a um Sul linguístico, ou seja, quem o ostenta é do Norte, quem não o apresenta é do Sul, ou, mais propriamente, quem o ostenta indubitavelmente não é do Sul. Trata-se de um traço de fonética sintática que consiste, usando também um registo coloquial, na "pronúncia a iágua para a água", ou seja, como o exemplo (1) mostra, na inserção de uma semivogal para desfazer o hiato existente entre duas vogais centrais, a primeira átona [ɐ] (1a,b) ou tónica [á] (1c,d) e a segunda tónica [á], pertencentes a vocábulos diferentes. Trata-se da oposição entre a realização com semivogal própria do Norte e do centro e a realização sem inserção de semivogal, própria do português-padrão e do Sul.

(1) a. [

Pergunta:

Existe alguma diferença no significado de provocativo, provocatório e provocante?

Grata

Resposta:

A consulta de alguns dicionários gerais – por exemplo, o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa ou o Dicionário Priberam – pode levar a pensar que provocativo, provocatório e provocante são sinónimos e mutuamente substituíveis. Contudo, o exame mais atento de outros dicionários e de um corpus textual revela diferenças entre os três adjetivos.

Provocativo e provocatório são sinónimos quase exatos, uma vez que ambos se aplicam àquilo «que contém provocação» (Dicionário Houaiss). Contudo, provocante, que igualmente se interpreta nesse sentido, ocorre correntemente com conotação sexual, relativo a quem «incita a um relacionamento sexual» e que é «tentador, convidativo, atraente» (ibidem). O Corpus do Português (CP) faculta exemplos de provocante usados nesta aceção:

(1) «Fora precisamente naquela mesma cidade, que agora a esperava em festa, invejando-a, imitando-a, que Quirino a conhecera, a bem dizer há dois dias, quando ela passeava no jardim com uns sujeitos viciados e endinheirados. Não se sabia donde viera. As vezes acompanhava-a uma velhota mirrada, vestida de luto, de olhos mansos, parecendo pedir desculpa a toda a gente de ir ali com uma rapariga bela e provocante» (Fernando Namora, Minas de San Francisco, 1946).

Acrescente-se a este conjunto a forma provocador, que se emprega como adjetivo nas aceções ...

Pergunta:

Agradeço antes de mais o tempo dispendido para avaliar e responder às minhas questões.

Sei que a aférese é uma figura de estilo/linguagem que consiste na queda/retirada de um fonema no início de um vocábulo (ex. ainda – inda) e que ao mesmo tempo existe um outro recurso estilistico, a prótese que consiste no contrário, ou seja, no acrescento de um fonema no incío de uma palavra (ex. levantar – alevantar).

A minha primeira questão é a seguinte: ao depararmo-nos com determinado vocábulo, como sabemos se se trata de uma prótese ou de uma aférese?

Por ex.: arrebentou e rebentou.

Pelo que entendo, antes de escolhermos a figura de estilo apropriada, temos de decidir qual a palavra de origem, é isso? Mas isso nem sempre me parece evidente... Por exemplo há três ou quatro gerações (e ainda em várias zonas do norte de Portugal, por exemplo) ainda se diz arrebentou ou inda. No primeiro caso, trata-se de uma prótese porque partimos de rebentou, e no segundo, de aférese, porque temos em conta que a palavra "correta" é ainda – ou esse raciocínio é demasiado frágil?

Além disso, torna-se difícil de decidir quem fala/escreve bem ou menos bem. Tenho a ideia de que a lingua, sendo um produto social, mesmo com esquematizações e normas lexicais/sintáticas/etc. constitui um fenómeno humano muito dinâmico e permeável ao meio envolvente, o que dificulta essa mesma sistematização do bem falar/escrever.

No que nos podemos basear para essa questão das figuras de estilo? Na maioria dos falantes? Do país/zona de origem de quem proferiu/escreveu determinado vocábulo/frase?

Muito obrigado pela ajuda.

Resposta:

Agradecendo ao consulente o contacto e as considerações enviadas, convém começar por esclarecer que os conceitos de aférese e prótese são matéria da linguística, mais concretamente da fonética ou da fonologia, e não da estilística. Não se trata, portanto de figuras de estilo, mas, sim, de fenómenos fonéticos ou fonológicos (ver, por exemplo, "fenómenos fonológicos" no Dicionário Terminológico). Mas esta clarificação não invalida as questões levantadas, que são bastantes pertinentes e não têm uma resposta óbvia.

Assim, existem dois critérios – não infalíveis – para saber a relação cronológica entre duas formas:

– a etimologia, tendo em conta sobretudo o património de origem latina, porque daí provém grande parte do léxico português que corresponde a categorias mais básicas;

– e, em complemento, as atestações das palavras que se recolhem nos documentos escritos em português a partir a Idade Média.

Partindo destes critérios, comenta-se a seguir cada caso:

– Supõe-se que ainda precede inda, porque os documentos do século XIII apresentam a forma com a- inicial. Contudo, o a- parece não ter por enquanto explicação clara (segundo o Dicionário Houaiss) e, portanto, não terá sido impossível que, já em tempos medievais, inda concorresse com ainda. Na língua padrão, que é sempre resultado de uma seleção nem sempre de acordo com a sequência histórica (diacronia) dos factos linguísticos, é ainda a forma correta, considerando-se inda forma popular.

– Quanto a rebentar, aceita-se (embora com dúvidas) que o verbo procede do latim vulgar *repentare (o asterisco indica que é forma hipotética, reconstruída), verbo com que se relaciona repente, palavra co...

Pergunta:

Preciso de saber qual é a expressão mais difundida e comum para me referir a uma loja onde se vendem frutas e legumes.

Sei que existe a palavra frutaria, e também quitanda ou mesmo «loja de frutas».

Muito obrigado.

Resposta:

Em Portugal, usa-se frutaria e «loja de fruta» (ou «de frutas»). Também se emprega lugar, no sentido de «loja onde se vendem hortaliças, frutas, galinhas, ovos»: «Tenho de ir ali ao lugar de fruta/ao lugar de frutas e legumes» (cf. Infopédia ).

No uso de outros países de língua portuguesa, regista-se também a palavra quitanda.

Pergunta:

Relativamente à formação do nome derivado do verbo reusar, o mesmo deve ser acentuado ou não?

Qual a forma correta, "reúso" ou "reuso"?

Grata pela atenção

Resposta:

O verbo reusar encontra paralelo em reunir, cujas formas conjugadas se escrevem com acento agudo sempre que o acento tónico (fonético) recai no u: reúno, reúnes, reúne, reúnem (mas reunimos e reunis, sem acento gráfico, porque o acento tónico fonético recai sobre o i).

Sendo assim, deve escrever-se reúso, reúsas, reúsa e reúsam, mas reusamos e reusais, sem acento gráfico.

Pode confirmar-se este parecer no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa.