Carlos Marinheiro - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Marinheiro
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Carlos Marinheiro (1941–2022). Bacharel em Jornalismo pela Escola Superior de Meios de Comunicação Social de Lisboa e ex-coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Colaborou em vários jornais, sobretudo com textos de análise política e social, nomeadamente no Expresso, Público, Notícias da Amadora e no extinto Comércio do Funchal, influente órgão da Imprensa até ao 25 de Abril.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Após ler esta pergunta/resposta, fiquei com a seguinte dúvida: a grafia correcta é «doença de Quervain», ou «doença de De Quervain»? Esta última foi a que aprendi na faculdade (FCML) e justificar-se-ia pelo facto de o cirurgião suíço que primeiramente a descreveu ser conhecido nos meios científicos da época por De Quervain, e não por Quervain.

Estarei correcto?

Obrigado.

Resposta:

As nossas fontes preferenciais são os dicionários, neste caso os médicos. Assim, além do Dicionário Médico, de L. Manuila, A. Manuila e outros, edição da Climepsi Editores, também o Dicionário Enciclopédico de Medicina, adaptação portuguesa do Black's Medical Dictionary, de John D. Comrie e William A. R. Thomson, tradução e adaptação de Artur do Céu Coutinho, edição da Argo Editora, Lisboa, acolhe Quervain (doença de), e não De Quervain (doença de).

Igualmente, a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira regista a forma doença de Quervain.

Procurei, junto da Ordem dos Médicos, qualquer informação adicional, mas disseram-me que enviasse uma mensagem por correio electrónico, e, até agora, não obtive resposta.

Pergunta:

A palavra "reinstauração" existe?

Resposta:

Os dicionários consultados não registam a palavra reinstauração. É, contudo, uma palavra bem formada (re- + instauração), a exemplo de reinstalação. Instauração vem do «lat[im] instauratĭo,ōnis, "reconstrução, restauração; continuação, prosseguimento"»; significa «processo ou resultado de criar algo; fundação, construção, organização».

Assim, reinstauração é «acção de instaurar de novo».

Suponhamos, por exemplo, que a democracia é instaurada em determinado país, após alguns anos de ditadura; contudo, passado pouco tempo, um grupo de militares leva a cabo um golpe de Estado e impõe o regresso do regime anterior. O povo não se conforma e luta nas ruas até à queda dos golpistas: dá-se a reinstauração da democracia.

Pergunta:

Qual é a forma mais correcta para denominar cuidados (por exemplo, de enfermagem) fornecidos ao domicílio: «cuidados domiciliares», ou «cuidados domiciliários»?

Muito grata.

Resposta:

Em Portugal, o Dicionário da Língua Portuguesa 2008, da Porto Editora, diz que domiciliário significa «relativo ao domicílio» e «feito no domicílio», enquanto domiciliar quer dizer «dar domicílio a» e, como verbo pronominal, «estabelecer o seu domicílio; habitar». A seguir, o dicionário acrescenta que, no Brasil, domiciliar também é «relativo ao domicílio». O Dicionário Eletrónico Houaiss diz que domiciliário significa «concernente a ou que ocorre em domicílio; domiciliar», e apresenta como exemplo «visita domiciliária». Quanto ao verbo domiciliar, este dicionário diz que significa «acolher em domicílio»; «fazer fixar ou fixar moradia»; e «estabelecer sede administrativa (pessoa jurídica)»; em relação ao adjectivo domiciliar, diz que é o «mesmo que domiciliário», embora considere este o termo preferível.

Assim, em Portugal ou no Brasil, a forma preferível é domiciliário, mas domiciliar é também palavra correcta.

Pergunta:

Encontro-me neste momento a leccionar um módulo de Tecnologias de Arquivo e surgiu-me uma dúvida:

Em português, a ciência relativa a esta matéria chama-se arquivística, ou arquivologia? Têm significados diferentes?

Obrigada.

Resposta:

O Dicionário da Língua Portuguesa 2008, da Porto Editora, regista arquivologia («estudo da organização dos arquivos»), mas não acolhe o termo arquivística.

O Dicionário Eletrônico Houaiss regista ambos os vocábulos, arquivologia («estudo, conhecimento, ciência ou tratado relativo à organização dos arquivos; arquivística») e arquivística, embora considere o primeiro a forma preferível.

Assim, ambos os termos são correctos, significam o mesmo, mas a forma preferível é arquivologia.

Pergunta:

Encontrei esta frase no jornal Público e fiquei com dúvidas em relação à utilização da palavra sucessor...

«Os órgãos foram construídos em 1807 pelos organeiros António Xavier Machado e Cerveira e Joaquim António Peres Fontanes, a pedido de D. João VI, sucessor de D. João V, que mandou construir o Palácio Nacional de Mafra.»

O termo sucessor está bem utilizado neste contexto? O sucessor não será aquele que substitui, tal como um herdeiro? Ou pode este termo ser também utilizado para designar um bisneto ou trineto (no caso, entre D. João V e D. João VI, penso que este último seja trisavô...)?

Antecipadamente grato pelo esclarecimento.

Resposta:

Com efeito, sucessor é «que ou aquele que sucede a outrem ou que o substitui em cargo, funções etc.»; e o sucessor de D. João V, como rei de Portugal, foi D. José I. D. João VI sucedeu a D. Maria I.

Sucessor ainda é «aquele a quem cabe inteiramente uma herança; herdeiro».

A palavra sucessor vem do «lat[im] successor,ōris, "sucessor, o que sucede a; herdeiro; que vem depois no tempo"; (...) ; f[orma] hist[órica] sXIII suscesor, 1392 ssuçessores, 1393 ssubçessores, sXIV socedor, sXIV socssor; a datação é para o subst[antivo] "aquele que sucede"».

[Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss]