Carla Viana - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Viana
Carla Viana
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Carla Viana é licenciada em Linguística e mestranda em Linguística Computacional pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

 

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

As regras de derivação obedecem a morfologia, a semântica, a sintaxe, a fonologia. As formas *remorrer, *emprobecidade, *inlógico,*caível são produtíveis, mas não são utilizáveis. Como explicar o fato?

Resposta:

Em *"remorrer", a forma re- é um prefixo que refere «repetição, renascimento, movimento em sentido contrário, intensidade, superlativação», como remexer, remigrar e refazer. A palavra *"remorrer" é possível, pois o prefixo re- junta-se a bases verbais. No entanto, semanticamente não é possível, pois significaria voltar a morrer, o que é fisicamente impossível (o que não quer dizer que num contexto literário o seja).

A palavra *"empobrecidade" não existe devido à existência do substantivo feminino pobreza, «condição de quem é pobre», e do substantivo masculino empobrecimento, «o acto ou efeito de empobrecer(-se)».

A palavra *"inlógico" é linguisticamente possível, mas está escrita incorrectamente. A sua forma correcta é ilógico. Por assimilação — processo em que um fonema absorve as características de outro que lhe está contíguo — o prefixo in-, que exprime ideia contrária, de negação, quando se encontra antes de l passa a realizar-se como i-: in- + lógico > il- lógico > i- lógico > ilógico.

A forma *"caível" não é possível, uma vez que o sufixo -vel , em geral, se junta apenas a bases verbais transitivas, e não ergativas como a do o verbo cair:

O livro é legível.

A água é bebível.

Verbos como ler e beber são lexicalmente transitivos, uma vez que beber implica sempre beber algo bebível, e ler implica ler algo legível.

Pergunta:

Porque a palavra alto não se pluraliza em alto-falante, porém se pluraliza em alto-relevo?

As expressões pisa-mansinho, maria-vai-com-as-outras e bumba-meu-boi ficam invariáveis no plural?

Grata.

Resposta:

O plural do substantivo masculino alto-relevo é realmente altos-relevos. Este substantivo da área das artes plásticas refere «uma figura que se esculpe ou molda sobre uma superfície da qual se destaca em acentuado relevo, podendo apresentar pormenores totalmente libertos daquela superfície». O plural do substantivo masculino de alto-falante é alto-falantes. Em acústica, esta palavra refere «um aparelho destinado a transformar um sinal de audiofrequência em onda acústica ou megafone».

As palavras compostas por um adjectivo e um substantivo geralmente fazem o seu plural nos dois constituintes, como acontece em altos-relevos. No caso de alto-falante, o plural é alto-falantes, pois a palavra é constituída pelo advérbio alto e pelo adjectivo falante. Como os advérbios são palavras invariáveis, pluraliza apenas o adjectivo falante. De notar que em português europeu é mais frequente o termo altifalante.

Quando o primeiro termo do composto é um verbo ou uma palavra invariável e o segundo elemento é um substantivo ou adjectivo, só o segundo vai para o plural. No caso de pisa-mansinho, o plural é pisa-mansinho, uma vez que é constituído pela forma pisa do verbo pisar + a palavra invariável mansinho (elemento da locução adverbial de mansinho, que significa devagar, ao de leve, calmamente). Esta palavra refere-se a uma pessoa sonsa, dissimulada ou manhosa.

No caso de bumba-meu-boi, flexiona-se apenas o primeiro elemento: bumbas-meu-boi. A palavra maria-vai-com-as-outras é invariável, sendo formada pelo nome próp...

Pergunta:

Gostaria de saber onde está a sílaba tónica da palavra Franquelim.

Obrigada.

Resposta:

A sílaba tónica é a sílaba que apresenta maior proeminência relativa ao nível prosódico da palavra ou frase. No substantivo próprio Franquelim, a sílaba tónica é -lim, logo é uma palavra oxítona.

Pergunta:

Na aplicação da frase «Consulte-nos para conhecer o produto com mais pormenores/pormenor», devo utilizar a palavra pormenor no singular, ou no plural?

No meu entender, como a frase indica que o leitor deverá conhecer mais de um pormenor, deve ser utilizada a palavra no plural, pormenores, porém, fui corrigido por uma outra pessoa que insiste que devo utilizar no singular, pormenor. Porém, esta pessoa não me forneceu nenhuma explicação gramatical válida para comprovar a sua afirmação.

Resposta:

O substantivo masculino pormenor pode referir-se a um aspeto específico, particularidade, pequeno elemento ou circunstância de um facto, sendo equivalente a detalhe (galicismo). No contexto que indica, penso que tanto a forma do plural como a do singular estão corretas, no entanto, julgo que a forma do plural é mais corrente:

«Consulte-nos para conhecer o produto com mais pormenores.»

Pode-se usar também a expressão «em pormenor» em vez de «com mais pormenor», que significa «minuciosamente»:

«Consulte-nos para conhecer o produto em pormenor.»

Pergunta:

Em «Os falantes se alternam», a voz é reflexiva recíproca? Justifiquem com carinho.

Abraço.

Resposta:

O verbo alternar, na frase que indica, é pronominal e pode significar «suceder(-se) em alternância» (Dicionário Houaiss). Por exemplo, no caso de dois seguranças que alternam os seus turnos, podemos dizer: «Eles alternam-se no trabalho.»

O verbo pode ser representado pelas vozes activa, passiva e reflexiva. No exemplo que o consulente mostra, a forma se tem um valor recíproco, na sua forma isolada ou quando seguida da expressão «uns aos outros»:

«O rapaz e o colega alternam-se.»

«Eles alternam-se um ao outro.»

Nas construções recíprocas, o sujeito da frase deve ocorrer no plural ou coordenado. Não são, portanto, aceitáveis frases como:

*«O rapaz alternou-se.»

*«O rapaz alternou um com o outro.»

Acresce que o sujeito e o recíproco devem exibir as mesmas marcas de concordância:

*«Eles alternam umas com as outras.»