Carla Viana - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Viana
Carla Viana
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Carla Viana é licenciada em Linguística e mestranda em Linguística Computacional pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

 

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Há alguma regra específica para a utilização dos prefixos in- e des-, apesar de terem quase sempre o mesmo sentido?

Resposta:

Os prefixos em questão não têm o mesmo significado.

O prefixo des- refere separação ou acção contrária: desfazer.

O prefixo in- pode referir:

— privação ou negação: ilegal, inactivo, impermeável.

— movimento para dentro: induzir, imiscuir-se.

Por assimilação, possui como variantes in-, im-, ir- e i-: infiel, impossível, irracional e ilegal.

O prefixo in- antes de l ou m adopta a forma i por assimilação:1

in- legível > il- legível > ilegível

in- migrar> im - migrar >

Pergunta:

Tenho duas dúvidas que se me pudessem esclarecer, eu agradecia:

1. Os morfemas derivacionais podem alterar a classe gramatical da palavra a que se unem?

2. O português tem menos morfemas flexionais do que morfemas derivacionais?

Resposta:

O morfema é a unidade mínima gramatical de uma língua portadora de significado.

Os morfemas derivacionais ou afixos participam em processos de formação de palavras e determinam a classe gramatical da palavra em que ocorrem. Por exemplo, o sufixo -idade origina apenas nomes e agrega-se apenas a bases adjectivais: 

formal adjectivo formalidade nome

Para além desta propriedade, os morfemas derivacionais determinam o valor das categorias morfológicas, morfossintácticas e morfossemânticas relevantes: 

formal tema adjectival formalizar verbo 1.ª conjugação

Os morfemas flexionais ou desinências não interferem na determinação da categoria sintáctica da palavra em que ocorrem, veiculando informação gramatical relevante para a concordância ou para outros fenómenos sintácticos: 

casa singular casas plural

Outros sufixos flexionais são também os sufixos que participam nos verbos e transmitem informações de pessoa, número, tempo, modo e aspecto:

falamos

Neste exemplo, o sufixo -mos transmite a informação de pessoa e número.

Relativamente à segunda questão da consulente, existem mais morfemas derivacionais que flexionais, uma vez que os flexionais são apenas aqueles que já mencionámos: plural -s na flexão nominal; sufixos que transmitem informações de pessoa, número, tempo, modo e aspecto na flex...

Pergunta:

Como classificamos as palavras quanto e relativamente numa acta? Por exemplo, ao dizer «quanto ao ponto um da...» ou «relativamente ao ponto um ...», como as podemos classificar?

Obrigado.

Resposta:

No contexto que indica, as expressões «relativamente a» e «quanto a» são locuções preposicionais. A locução «relativamente a» refere-se a «sobre», «no que diz respeito», «no que se refere a», «em relação a», «no tocante a», «em comparação com», «em termos relativos a». A locução «quanto a» é sinónima das expressões «a respeito de» ou «sobre».

Segundo E. Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, 2003, pág. 448), a preposição sobre e a locução prepositiva «acerca de» introduzem expressões que desempenham a função sintáctica de adjuntos adverbiais de assunto ou matéria tratada1. Dado terem o mesmo valor semântico que sobre e «acerca de», diremos que «relativamente a» e «quanto a» introduzem também expressões com a função sintáctica de adjunto adverbial de assunto.

1 Tradicionalmente, em Portugal, usa-se o termo complemento circunstancial (neste caso, de assunto).

Pergunta:

Gostaria de saber se a expressão «significa dizer» é correcta. Ex.: «O Ciberdúvidas da Língua Portuguesa é bastante solicitado, "significa dizer" que as suas respostas gozam de credibilidade.»

Resposta:

A expressão «significa dizer» é correcta e na frase que indica permite ligar a oração «O Ciberdúvidas da Língua Portuguesa é bastante solicitado» à segunda oração «As suas respostas gozam de credibilidade». Esta expressão pode ser substituída por outras expressões sinónimas como querer dizer, denotar, indicar, isto é, logo, entre outras.

Pergunta:

Gostaria que me elucidassem quanto à diferença ou semelhança entre tanto e tão. São ambos advérbios? Então por que razão não me soa bem a expressão: «Tanto bonito»?

Muito obrigada.

Resposta:

Como advérbios, tão e tanto significam o mesmo, mas usam-se em contextos diferentes: tão acompanha advérbios (p. ex.: «tão longe») e adjectivos (p. ex.: «tão frio»); tanto modifica verbos [p. ex., «falou tanto (que...)»].

O advérbio tão significa «em tal grau, maneira ou quantidade», sendo usado em frases consecutivas («O piano era tão grande, que não cabia em casa») e comparativas («Este piano é tão grande como a casa»).

O advérbio tanto remete para algo que se verifica num grande número de vezes (ex.: «Tanto repetiu a história, que a decorou»), que existe em alto grau (ex.: «Era tanto o seu desejo de o ver, que...»), ou que tem intensidade apreciável (ex.: «Para alguém que tanto viajava, até que sossegou»). Historicamente, de acordo com o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, tão pode ser sinónimo de tanto no seguinte exemplo: «ser tanto/tão venusta [= bela, elegante]».

Assim, a expressão gramatical é tão bonito e não *tanto bonito, uma vez que ao pé do adjectivo o advérbio tão lhe confere grau comparativo, o que não acontece com tanto.