Neste apontamento, incluído no programa Páginas de Português, na Antena 2, no dia 5 de novembro de 2023, a professora Carla Marques analisa um caso de homonímia da palavra bazar.
Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.
Neste apontamento, incluído no programa Páginas de Português, na Antena 2, no dia 5 de novembro de 2023, a professora Carla Marques analisa um caso de homonímia da palavra bazar.
Considere-se a frase «O homem, orgulhoso, se considera feliz».
A oração tem dois predicativos: «orgulhoso» e «feliz»?
No caso «orgulhoso» é predicativo do sujeito?
«Feliz» é predicativo do objeto direto?
Obrigado.
O adjetivo orgulhoso integra um constituinte com a função de sujeito, como se observa pela possibilidade de pronominalização pelo pronome ele:
(1) «O homem, orgulhoso, se considera feliz.»
(2) «Ele se considera feliz.»
No interior do constituinte «O homem, orgulhoso», o adjetivo orgulhoso estabelece uma relação sintático-semântica com o nome homem, desempenhando a função sintática de aposto (modificador do nome apositivo). Note-se que o aposto é tradicionalmente exemplificado por meio de estruturas nominais, mas esta função sintática pode também ser desempenhada por um adjetivo, como se explica nesta resposta.
O adjetivo feliz, por seu turno, integra o constituinte «se considera feliz», que tem a função de predicado. No interior deste constituinte, está presente o verbo considerar, que é um verbo transitivo-predicativo, o que implica que se constrói com dois argumentos: um complemento direto e um predicativo do complemento direto. Assim sendo, o adjetivo feliz desempenha, neste caso, a função de predicativo do complemento direto.
Disponha sempre!
Nota (04/11/2023) – Se enquadrarmos a nossa análise numa perspetiva mais tradicional como a que está presente na Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Cun...
Existe alguma diferença semântica entre os verbos viver e morar no sentido de residir em determinado lugar ou região?
Considere-se, a título de exemplo, a seguinte frase: «Nos primeiros anos da década de 1990, vivia/morava em Jerusalém por períodos de vários meses.»
Neste caso, será indiferente o emprego de qualquer um dos verbos?
Os verbos viver e morar podem ser considerados sinónimos em alguns contextos nos quais partilham a componente semântica de lugar, o que significa que se constroem com um complemento que tenha um valor locativo, como acontece em (1) e (2):
(1) «Ele vivia em Jerusalém.»
(2) «Ele morava em Jerusalém.»
O verbo morar tem uma significação mais restrita que poderá ser equivalente a significados como «ter residência permanente em determinado lugar»1 ou «ocupar uma casa, espaço habitacional, fazendo dele o seu lar»1. O verbo viver, por sua vez, poderá ser usado com um valor equivalente a morar, com o sentido mais lato de «habitar, alguém, em determinado local, região ou país».
Noutros sentidos, o verbo viver já não será equivalente a morar, quando usado com valores como os indicados abaixo, entre outros possíveis:
(3) «Deve comer para viver.» (apresentar, um ser vivo, as funções vitais que lhe são caraterísticas1)
(4) «Este animal vive, em média, dez anos.» (ter, um ser vivo, determinada duração de vida1)
(5) «Ele vive da agricultura.» (ter, alguém, a sua forma de subsistência em determinada atividade1)
Deste modo, na frase apresentada, os verbos morar e viver podem ser usados como sinónimos com o sentido de «habitar num determinado local».
Disponha sempre!
1. Dicionário da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa (em linha).
Tenho acompanhado na jurisprudência e na doutrina do Direito utilizarem-se expressões como «não deve ser permitido», «não deve ser exercido» e «não deve sacrificar». Em todas estas situações eu vejo o «deve» a ser utilizado no lugar do «pode», entretanto, venho verificando recorrentemente a utilização de expressões como aquelas tanto em Angola como em Portugal.
A mim incomoda porque aquelas frases ficariam muito melhor construídas com o «pode» («não pode ser permitido», «não pode ser exercido», e «não pode sacrificar»). Aquelas expressões são correctas?
Obrigado.
As construções com o verbo auxiliar dever estão formalmente corretas.
O verbo dever pode ser usado como um verbo auxiliar modal que expressa ou um valor de obrigação (modalidade deôntica) ou um valor de dúvida (modalidade epistémica). Analisemos a frase apresentada em (1):
(1) «A Rita deve abrir a porta.»
Nesta frase, o verbo dever associado ao verbo abrir pode traduzir um valor de obrigação. Neste caso, a frase será interpretada como «A Rita tem a obrigação de abrir a porta.» Em função do contexto, o verbo dever pode também expressar a dúvida, sendo a frase equivalente a «Talvez a Rita abra a porta.»
No caso dos textos jurídicos em questão, é assim possível a leitura do verbo dever com o valor de obrigação.
Disponha sempre!
Na frase «O vizinho do segundo andar é médico» do segundo andar é modificador do nome restritivo ou complemento do nome? Podem explicar o porquê?
Muito obrigada.
O constituinte «do segundo andar» é modificador do nome restritivo.
A diferença entre os constituintes que desempenham a função de complemento do nome e os que desempenham a função de modificadores do nome está relacionada com o facto de os complementos serem argumentos do nome, ou seja, é o próprio nome que pede um constituinte que o complete. Os modificadores, por sua vez, juntam-se ao nome sem serem por este pedidos. Deste modo, incidem sobre o nome de modo a restringir o seu significado (os modificadores restritivos) ou a acrescentar uma informação (os modificadores apositivos).
Os complementos do nome, à partida, são constituintes que não deveriam ser eliminados da frase, uma vez que completam o sentido do nome. No entanto, este não é um critério de identificação dos constituintes com esta função, uma vez que, na realidade, é possível eliminá-los da frase, ficando esta com um sentido mais vago, como se observa pelo contraste entre as frases (1), onde se destaca o complemento do nome, e (2), sem complemento do nome:
(1) «A fotografia da Rita ganhou um prémio.»
(2) «A fotografia ganhou um prémio.»
O nome vizinho, no caso da frase apresentada, não precisa de um complemento que complete a sua significação, pelo que o constituinte que a ele se junta desempenha a função de modificador do nome restritivo contribuindo para restringir o seu significado de modo a que o sintagma verbal «O vizinho do segundo andar» designe um vizinho específico, o que mora no segundo andar e não os vizinhos que moram nos outros andares.
Para ajudar à identificação da função sintática de complemento do nome, existem algumas listas de nomes que pedem complemento, que poderão ser consultadas, por exemplo
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