Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Para eu dizer que há uma oração que possui um sentido correlativo, eu preciso dos conectivos correlativos?

Vi, em um lugar, a pessoa alegando que a oração destacada («José andou E CAMINHOU)» acumula uma ideia de correlação.

Ao meu ver, há um erro de definição.

Obrigado.

Resposta:

A estrutura correlativa constrói-se pelo uso de conectores correlatos, que se caracterizam por serem locuções que deixam em cada oração um elemento que sinaliza uma relação de interdependência, como acontece em (1), frase onde a segunda oração estabelece, por meio da locução conjuncional correlativa, uma relação de dependência semântica com a primeira, indicando que o sentido de uma está vinculado ao de outra:

(1) «Ele não só se atrasou como também não trouxe o computador.»

Poderemos considerar locuções correlativas pares como «ou ... ou». «ora ... ora», «quer ... quer», «não ... nem», que veiculam um valor de disjunção, ou pares como «não só ... mas também», «não só ... como também», «não apenas ... mas ainda», «nem … nem», que exprimem um valor de adição, entre outros. 

Vários autores concluem que, do ponto de vista sintático, a correlação é um tipo de conexão entre orações estabelecido por estes elementos conectivos, que formam pares correlativos, situando-se cada elemento numa das orações1. Por essa razão, a correlação sintática entre oração não é estabelecida, à partida, apenas por uma conjunção que esteja presente em apenas uma das orações

Poderemos ainda falar de correlação lexical entre pares de palavras, como por exemplo «maridomulher», «paifilho» ou «irvir».

Na frase apresentada, a correlação não se estabelece a nível oracional. Não obstante, pode considerar-se que andar e caminhar são termos correlatos, na medida em que a sua significação está relacionada.

Disponha sempre!  

 

Pergunta:

«Continuo a fazer a viagem como sempre fiz.»

Qual é o valor aspetual?

Obrigado.

Resposta:

Sem outro contexto, a frase apresentada configura um aspeto lexical de evento, uma vez que descreve situações que envolvem mudança.

Do ponto de vista gramatical, a oração «como sempre fiz» combina o valor perfetivo (de situação concluída) com o valor habitual (de situação que se repetiu sem delimitação temporal, compatível com o advérbio habitualmente).

Já a oração «continuo a fazer a viagem» combina um valor aspetual imperfetivo (de situação não concluída) com o valor aspetual habitual1.

Disponha sempre!

Pergunta:

Surgiu-me a dúvida acerca da modalidade e respetivo valor concretizados no seguinte enunciado: «Podemos contactar com várias espécies de animais no parque.»

Parece-me ser a modalidade epistémica com valor de certeza. Podem elucidar-me, por favor?

Obrigada.

Resposta:

A identificação do valor modal veiculado pela frase apresentada fica dependente do contexto em que ela ocorrer.

Com efeito, se a frase surgir, por exemplo, no contexto da descrição de um dado parque, a frase transcrita em (1) pode veicular a modalidade epistémica com valor de probabilidade (aqui incluindo também o valor de possibilidade, visto que, no ensino secundário, não se distinguem estes valores), na medida em que o locutor apresenta um dado estado de coisas indicando que é possível que ele possa vir a ter lugar:

(1) «Podemos contactar com várias espécies de animais no parque.»

Todavia, se a frase surgir num contexto em que o locutor indica aos seus interlocutores que, no decurso da visita ao parque, estão autorizados a interagir com os animais, neste caso já veiculará a modalidade deôntica com valor de permissão.

Disponha sempre!

O verbo e o substantivo <i>bazar</i>
Um caso de homonímia

Neste apontamento, incluído no programa Páginas de Português, na Antena 2, no dia 5 de novembro de 2023, a professora Carla Marques analisa um caso de homonímia da palavra bazar.

Pergunta:

Considere-se a frase «O homem, orgulhoso, se considera feliz».

A oração tem dois predicativos: «orgulhoso» e «feliz»?

No caso «orgulhoso» é predicativo do sujeito?

«Feliz» é predicativo do objeto direto?

Obrigado.

Resposta:

O adjetivo orgulhoso integra um constituinte com a função de sujeito, como se observa pela possibilidade de pronominalização pelo pronome ele:

(1) «O homem, orgulhoso, se considera feliz.»

(2) «Ele se considera feliz.»

No interior do constituinte «O homem, orgulhoso», o adjetivo orgulhoso estabelece uma relação sintático-semântica com o nome homem, desempenhando a função sintática de aposto (modificador do nome apositivo). Note-se que o aposto é tradicionalmente exemplificado por meio de estruturas nominais, mas esta função sintática pode também ser desempenhada por um adjetivo, como se explica nesta resposta

O adjetivo feliz, por seu turno, integra o constituinte «se considera feliz», que tem a função de predicado. No interior deste constituinte, está presente o verbo considerar, que é um verbo transitivo-predicativo, o que implica que se constrói com dois argumentos: um complemento direto e um predicativo do complemento direto. Assim sendo, o adjetivo feliz desempenha, neste caso, a função de predicativo do complemento direto.

Disponha sempre!

 

Nota (04/11/2023) – Se enquadrarmos a nossa análise numa perspetiva mais tradicional como a que está presente na Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Cun...