Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

É correto empregar «Vem mais eu», em vez de «Vem comigo»?

Obrigado.

Resposta:

A opção preferível é «Vem comigo.»

O verbo vir rege várias preposições. Entre elas encontra-se a preposição com, usada para expressar, entre outros, o valor de companhia.

Deste modo, quando a preposição com se conjuga com o pronome eu, assume a forma comigo, o que justifica a estrutura «vem comigo».

Em contextos informais e familiares, usa-se, por vezes, a construção «vem mais eu», que não é uma opção considerada normativa. Nela opta-se por fazer incidir o advérbio mais, com valor de inclusão, sobre o pronome eu para construir o valor de companhia.

Disponha sempre!

Pergunta:

Na frase «cego pelo ódio», cego desempenha a função de adjetivo?

E «ódio», tem a função de complemento agente da passiva?

Obrigado.

Resposta:

A construção «cego pelo ódio» não é uma frase, pelo que não é possível aferir com toda a certeza a classe de pertença da palavra cego, que poderá ser tanto um nome como um adjetivo.

Se considerarmos que o sintagma integra uma frase como a que se apresenta em (1), poderemos dizer que cego é um adjetivo:

(1) «Ele estava cego pelo ódio.»

No interior do sintagma adjetival, encontra-se o grupo preposicional «pelo ódio» que desempenha a função de complemento do adjetivo. Este constituinte é equivalente a «de ódio», que teria a mesma função sintática.

Disponha sempre!

Pergunta:

«Uma questão importante que se coloca, nesse quesito, segundo o autor, é se os municípios brasileiros poderiam editar leis de cooficialização de línguas em seus territórios, uma vez que, no Brasil, a temática referente ao “idioma oficial” está vinculada aos direitos da nacionalidade, e a competência para legislar sobre tais direitos é privativa da União»

a) [...] uma vez que, no Brasil, a temática referente [...], e [X] a competência para [...]"

b) [...] uma vez que, no Brasil, a temática referente [...], e [QUE] a competência para [...]"'

É necessária a repetição da palavra que quando há duas orações unidas por e após a expressão «uma vez que»?

Obrigado.

Resposta:

Ambas as possibilidades são aceitáveis.

Na coordenação de orações, é possível optar por uma de duas possibilidades

(i) explicitar as conjunções no início de cada um dos termos coordenados:

(1) «Ele disse que viria hoje e que traria os materiais.»

(ii) apresentar apenas a primeira conjunção, omitir a que introduz o segundo termo coordenado:

(2) «Ele disse que viria hoje e traria os materiais.»

A seleção de uma ou outra possibilidade poderá associar-se a razões estilísticas. Assim, a repetição da palavra que pode ser sentida como pouco elegante, pelo que existe uma tendência para a omitir. Não obstante, quando os termos coordenados são muito extensos, a repetição da conjunção que poderá ajudar a demarcar o início do segundo termo, auxiliando a interpretação da frase.

No que à frase apresentada pelo consulente diz respeito, sugerimos que se analisem as várias possibilidades aqui descritas e que se selecione aquela que melhor se ajusta à situação.

Disponha sempre!

Qual a origem da palavra <i>aniversário</i>?
A formação da palavra e entrada no português

No vigésimo sétimo aniversário do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, a professora Carla Marques passou em revista a etimologia da palavra aniversário e a formação do seu significado.

Apontamento divulgado no programa Páginas de Português, na Antena 2, dia 14 de janeiro de 2024.

Pergunta:

Deparei-me com o exercício de escolha múltipla abaixo que me parece algo ambíguo.

Na minha opinião, a resposta certa é a A, mas depois de consultar vários colegas da área e alunos, obtive mais do que uma resposta (A e B). Será que este exercício carece de reformulação já que num exercício desta tipologia se pressupõe que apenas exista uma resposta correta.

Leia a frase e selecione a mensagem de telemóvel correspondente.

«A D. Teresa pede à Ana para lhe levar o livro.»

A. Ana, preciso do livro hoje. Tem de o trazer esta tarde. Obrigada.

B. Ana, não se preocupe. Não faz mal. Pode trazer o livro amanhã?

C. Olá, Ana! Pode ficar com ele agora e na próxima semana dá-me o livro.

Resposta:

A frase que apresenta claramente uma intenção equivalente à descrita no enunciado inicial é a A. Não obstante, por meio de um processo inferencial, a frase B também poderá visar o mesmo efeito.

O enunciado inicial descreve um ato ilocutório diretivo com valor de ordem, por meio do qual o locutor solicita ao interlocutor que realize a ação de trazer o livro.

Na alínea A, é apresentado um ato ilocutório que visa exatamente a intenção perlocutória assinalada acima: o locutor ordena ao interlocutor que lhe traga o livro e espera que este realize esta ação.

Na alínea B, por meio da última frase, o locutor realiza também um ato ilocutório diretivo, que pode procurar obter como efeito perlocutório a resposta à pergunta feita. O interlocutor poderá, assim, responder apenas «sim» ou «não», mas nada o obriga a realizar a ação de levar o livro. Todavia, poderemos considerar que o enunciado «Pode trazer o livro amanhã?» corresponde a um ato ilocutório diretivo indireto com uma intenção de ordem muito mitigada, o que se justificaria por uma razão de cortesia linguística. Poderemos identificar este processo em perguntas mais ou menos estereotipadas como «Podes passar o sal?» ou «Pode dizer-me as horas?», que visam não uma resposta afirmativa ou negativa, mas sim uma ação específica por parte do interlocutor: passar o sal ao locutor ou dar a indicação das horas. A ser essa a intenção da frase, estaríamos perante um ato ilocutório diretivo indireto que visaria igualmente o efeito descrito no enunciado inicial.

Consideramos, desta forma, que a frase apresentada na alínea B, sem outro contexto, pode ...