Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na frase «A situação política deflagrou em 1383-1385», qual a função sintática de «em 1383-1385»?

Tenho dúvidas se será modificador ou complemento oblíquo.

Obrigada, desde já.

Resposta:

O constituinte em questão tem a função de modificador do grupo verbal.

O verbo deflagrar pode funcionar como transitivo direto, pedindo como argumento um constituinte com a função de complemento direto:

(1) «A tempestade deflagrou um incêndio.»

Com este uso, o verbo tem o sentido de «causar combustão; provocar»1.

Este mesmo verbo pode também ser usado como intransitivo, com o valor de «entrar em combustão; surgir de repente». Neste caso, o verbo não pede complementos:

(2) «A bomba deflagrou.»

Este é o caso da frase transcrita em (3), da qual se pode omitir o constituinte «em 1383-1385» por não ser pedido pelo verbo, o que indica que este desempenha a função sintática de modificador do grupo verbal:

(3) «A situação política deflagrou em 1383-1385.»

Disponha sempre!

 

1. Cf. Malaca Casteleiro, Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses. Texto Editores, 2007.

Pergunta:

Uma aluna de PLE nível B1 escreveu a seguinte expressão num texto: «os meus pais levavam eu e a minha irmã».

Corrigi a frase para: «os meus pais levavam-me a mim e à minha irmã». Ela compreendeu a alteração e a substituição do pronome de sujeito eu pelo pronome de complemento de complemento direto me, mas questionou-me sobre a necessidade de incluir a expressão «a mim», uma vez que lhe parece um uso redundante. A pergunta pareceu-me pertinente, mas expliquei-lhe que não podemos omitir «a mim», sob pena de a frase se tornar incorreta (*os meus pais levavam-me e à minha irmã).

Gostaria de confirmar como se pode explicar o uso repetido dos pronomes numa expressão deste género. Trata-se de um verbo transitivo direto e indireto que exige neste caso o complemento direto (me) e o oblíquo («a mim»)? E há alguma forma mais simples de explicar isto a um aluno estrangeiro sem entrar em tecnicismos?

Muito obrigada.

Resposta:

Na frase apresentada em (1), está presente um caso de redobro do clítico:

(1) «Os meus pais levavam-me a mim e à minha irmã.»

Dá-se o nome de redobro de clítico a uma construção em que um argumento é duplamente preenchido por um elemento fonologicamente dependente (um pronome clítico) e por um pronome forte, introduzidos pela preposição a, como em (2):

(2) «Escreveram-te a ti

Note-se que, em termos sintáticos, tanto o clítico como o pronome de redobro desempenham a mesma função sintática. O constituinte que redobra o clítico recebe um acento prosódico mais forte e permite a existência de uma focalização, o que o clítico, por ser uma forma fraca, não permite.

O redobro do clítico também ocorre nas situações em que existem constituintes coordenados. O clítico não aceita coordenação, como se observa em (3):

(3) «*Eles levam-me e te.»

Por esta razão, para que uma coordenação de constituintes seja possível, recorre-se ao redobro do clítico, tal como acontece na frase (1). A construção aí presente permite a coordenação da estrutura «a mim» com o constituinte «à minha irmã», que não poderia coordenar-se com o pronome clítico me1.

Disponha sempre!

 

 

*assinala a inaceitabilidade da construção.

1. Para mais informações, cf., Martins in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p.  2237-2238.              ...

A classificação de <i>que</i> em «felizmente que ele chegou» II
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A linguista Carla Marques, consultora permanente do Ciberdúvidas, responde ao gramático brasileiro Fernando Pestana sobre a classificação que é possível fazer da palavra que na frase «felizmente que ele chegou».

Nos 27 anos de Ciberdúvidas
Um projeto pleno de vitalidade que se ajusta a novas formas de comunicação

Nos 27 anos do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, faz-se um balanço das suas atividades e das inovações que têm sido introduzidas no projeto.

 

<i>Palavras</i>
Revista da Associação de Professores de Português
Por Carla Marques

Palavras – Revista em Linha, uma publicação da Associação de Professores de Português, dedica o seu número 60-61 ao ensino da oralidade. Esta edição conta com a coordenação editorial da professora Carla Marques, linguista e consultora permanente do Ciberdúvidas, e centra-se em aspetos específicos da competência oral que permitam uma compreensão dos planos em que se divide o seu ensino e as áreas com as quais se articula. Como assinala Carla Marques, «a escola tem de assumir o papel de ensinar efetivamente a oralidade, em todas as dimensões, em todos os ciclos de ensino e mobilizando todos os instrumentos disponíveis»; por esta razão, o presente número pretende, sobretudo, ser um convite à reflexão sobre caminhos possíveis para o desenvolvimento de práticas de ensino-aprendizagem no âmbito do domínio do oral.

 Esta edição conta com várias visões de especialistas em didática e que se refletem no conjunto de artigos que a compõem. Para além disto, pode-se também encontrar uma entrevista conduzida por Carla Marques e João Pedro Aido a Joaquim Dolz, professor na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Genebra e reconhecido especialista internacional na área dos estudos da oralidade. Nesta conversa são abordados vários temas, entre eles, a construção de um pensamento renovado em torno das práticas do ensino e da aprendizagem da oralidade.

De entre os diversos artigos desta edição sobre oralidade, salientamos em particular o estudo desenvolvido por