Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

1. Na frase «quantos dias DEMORAM para fazer efeito o remédio?», o verbo demorar na frase a seguir deve ficar no plural, concordando com «dias», ou no singular, por indicar passagem de tempo?

2. No caso do verbo levar, em sentido de transcurso de tempo, deve-se seguir a regra dos verbos haver e ter e colocá-los no singular?

«Levou 10 dias» ou «levaram 10 dias»?

Obrigado!

Resposta:

No caso da frase em análise, o sujeito de demorar é o substantivo remédio, pelo que o verbo deve ficar na 3.ª pessoa do singular. O sujeito é colocado no final da frase por se tratar de uma frase interrogativa. A frase teria a forma que se apresenta em (1) se surgisse na ordem SVO (sujeito-verbo-objeto):

(1) «O remédio demorou quantos dias para fazer efeito?»

O mesmo se aplica à frase com o verbo levar:

(2) «O remédio levou quantos dias para fazer efeito?»

Neste uso, o verbo demorar tem o sentido de «tardar a realizar-se; tornar-se real num período de tempo prolongado» (Dicionário Houaiss) e o verbo levar de «fazer uso de (tempo); consumir, demorar» (Idem).

No caso de construções como a que se apresenta em (3), o verbo pode ter um sujeito explícito ou subentendido e concordará com ele:

(3) «(O João) levou dez dias a chegar.» / «(O João e a Rita) levaram dez dias a chegar.»

Disponha sempre!

Pergunta:

Gostaria de saber em quais circunstâncias devo usar «em direção a» ou «na direção de» e qual a diferença.

Resposta:

As locuções «em direção a» ou «na direção de» são equivalentes.

«Em direção a» significa «no rumo de, dirigindo-se para». Na frase apresentada em (1), o locutor indica que o João caminha para o centro da cidade:

(1) «O João vai em direção ao centro da cidade.»

Esta mesma ideia pode ser traduzida pela frase (2), na qual se recorre à locução «na direção de»:

(2) «O João vai na direção do centro da cidade.»

Disponha sempre!

Pergunta:

Na frase «o presidente do conselho de administração da Infortecnol, empresa do sector das tecnologias de informação e comunicação, Pedro António Manuel, também conhecido por Pedro Manico, chega hoje à minha terra natal», verifica-se que a expressão «o presidente do conselho de administração da Infortecnol» é complementada por três elementos, todos separados por vírgula, que dão informação adicional.

Nesse sentido, podem as expressões «empresa do sector das tecnologias de informação e comunicação», «Pedro António Manuel» e «também conhecido por Pedro Manico» ser classificados, conjuntamente, como modificadores apositivos?

Se não, que função sintáctica caberá a cada uma delas?

Grato pela atenção.

Resposta:

Na frase em questão, todos os constituintes desempenham a função de modificador do nome apositivo.

O modificador é um constituinte que não é selecionado. Por esta razão, poderá ser omitido da frase sem prejudicar a sua gramaticalidade. Com efeito, na frase transcrita em (1), todos os constituintes assinalados por parênteses retos poderão ser omitidos da frase sem que esta fique agramatical, o que indica que são modificadores:

(1) «O presidente do conselho de administração da infortecnol, [empresa do sector das tecnologias de informação e comunicação], [Pedro António Manuel, [também conhecido por Pedro Manico]], chega hoje à minha terra natal»

Note-se, todavia, que nem todos os constituintes são modificadores do mesmo nome. Assim, o constituinte «empresa do sector das tecnologias de informação e comunicação» incide sobre Infortecnol; o constituinte «Pedro António Manuel, também conhecido por Pedro Manico» incide como um todo sobre «O presidente do conselho de administração da infortecnol»; o constituinte «também conhecido por Pedro Manico» incide sobre «Pedro António Manuel», daí integrar o grupo nominal que tem com o núcleo este substantivo.

Na qualidade de modificadores, os constituintes em questão apresentam informação adicional sobre o nome. Neste caso particular, uma vez que não restringem a significação do nome sobre o qual incidem todos estes modificadores do nome são apositivos.

Disponha sempre!

Pergunta:

Qual a forma mais correta em português europeu: «sou grato» ou «estou grato»?

Obrigado!

Resposta:

Ambas as formas são possíveis, estando igualmente corretas. No entanto, os verbos ser e estar veiculam sentidos diferentes.

O verbo ser associa-se à expressão de propriedades permanentes, ajustando-se à intenção de «marca[r] a atribuição ao sujeito de uma propriedade que o caracteriza enquanto indivíduo»1. O verbo estar, por seu turno, expressa preferencialmente propriedades transitórias, marcando «um estado mais ou menos provisório e contingente no qual se encontra o sujeito»1.

Deste modo, os verbos ser e estar distinguem-se pelo facto de se associarem a predicados estáveis (verbo ser) ou a predicados episódicos (verbo estar), pelo que a frase transcrita em (1) expressa um estado que caracteriza o sujeito de forma permanente, não estando inserida num intervalo temporal com um limite inicial ou final:

(1) «Eu sou grato.»

Já a frase (2), expressa uma característica transitória do sujeito, que se associa, portanto, a um intervalo de tempo mais ou menos delimitado:

(2) «Eu estou grato.»

Se criarmos um contexto para a frase (2), poderemos imaginar que ela constitui uma forma de agradecimento do locutor relativamente a algo que o interlocutor fez. Assim, este sentimento de gratidão é temporário e relacionado com a situação em causa. Na frase (1), o sentimento de gratidão é mais permanente e pode ser apresentado como uma característica da personalidade do locutor ou, pelo menos, como uma propriedade que se prolonga no tempo.

Não obstante, o que ficou dito, muitas vezes os usos comuns não atualizam, de forma tão fina, as significações, pelo que, não raro, frases como (1) e (2) são usadas de forma indistinta, não tendo ...

Pergunta:

Há erro gramatical, sendo obrigatório o acompanhamento da preposição em todos os objetos indiretos; ou apenas falta de paralelismo, na frase «Gosto de dançar, cantar e pintar»?

Nessa e em outras estruturas, pode-se omitir a preposição depois de inseri-la no primeiro objeto, quando estes se referirem ao mesmo verbo e à sua mesma regência?

Nessas locuções a seguir, apesar de não haver objeto, também há obrigatoriedade de replicar a preposição?

«Eles passaram a imitar e caçoar.»

«Eles passaram a imitar, caçoar.»

Grato desde já.

Resposta:

As construções em questão são possíveis com e sem a explicitação das preposições.

Na frase apresentada em (1), o segmento «dançar, cantar e pintar» é perspetivado como um todo conceptual, ao passo que na frase (2), cada oração infinitiva surge de forma autónoma, tal como se representa por meio dos parênteses retos:

(1) «Gosto [de dançar, cantar e pintar].»

(2) «Gosto [de dançar], [de cantar] e [de pintar].»

Assim, é possível apresentar o complemento relativo (complemento oblíquo, no contexto escolar não universitário português) introduzido por uma única preposição que incide sobre a totalidade do constituinte, como em (1).

No caso da frase apresentada em (3), estamos perante um complexo verbal composto por verbo auxiliar e por verbo principal. Neste caso, o verbo auxiliar passar rege a preposição a, que introduz a oração infinitiva, o que leva a que seja esta ser explicitada no início das várias orações infinitivas, no caso de existir coordenação, para ficar clara a ligação do núcleo verbal ao verbo auxiliar. Por essa razão, prefere-se a frase (3):

(3) «Eles passaram a imitar e a caçoar.»

Disponha sempre!