Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na frase «...e assim ardeu até ao fim.», o verbo «ardeu» é transitivo indireto (considerando que «até ao fim» é complemento oblíquo) ou é verbo intransitivo?

Obrigada.

Resposta:

Neste contexto, o verbo arder é usado como intransitivo.

Arder pode ser usado como transitivo direto (1), tendo complemento direto, ou como transitivo indireto (2), sendo acompanhado de complemento oblíquo:

(1) «O álcool arde a ferida.»

(2) «Ele ardia de raiva.»

Segundo o Dicionário gramatical de verbos portugueses, o verbo arder usado como transitivo indireto pode reger as preposições de ou em.

No caso em apreço, a construção transcrita em (3) evidencia um uso intransitivo do verbo arder, o que se pode identificar colocando a pergunta apresentada em (4):

(3) «...e assim ardeu até ao fim.»

(4) «O que é que ele fez até ao fim? – Ardeu»

O facto de se poder separar o constituinte «até ao fim», que surge na pergunta, do verbo arder, evidencia que se trata de um modificador do grupo verbal.

Disponha sempre!

 

1. Malaca Casteleiro (dir.), Dicionário gramatical de verbos portugueses. Texto editores, 2007.

Pergunta:

Nos versos «Por isso vós, ó Rei, que por divino / Conselho estais no régio sólio posto» [est. 146, canto X, Os Lusíadas], o vocábulo divino desempenha a função sintática de complemento do nome?

Resposta:

Neste caso, o adjetivo divino desempenha a função de complemento do nome.

Embora não seja frequente os adjetivos funcionarem como complementos do nome, há casos em que tal acontece, nomeadamente nas situações em que adjetivos relacionais se combinam com nome deverbais1.  Esta situação ocorre sobretudo quando o adjetivo relacional tem o papel temático de sujeito, como se observa em (1):

(1) «amor maternal» = «amor de mãe» = «a mãe ama (o filho)»

É possível estabelecer esta equivalência no grupo nominal em apreço, como fica patente em (2)

(2) «conselho divino» = «conselho de deus» «deus aconselha»

Por esta razão, neste caso, o adjetivo divino desempenha a função de complemento do nome conselho.

Disponha sempre !

 

1. cf. Brito e Raposo, in Raposo et al. Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 1096.

 

Pergunta:

A dúvida que tenho diz respeito ao grau.

É discutível que a formação do grau seja um processo flexional?

A flexão é sistemática e obrigatório, contudo não se nota isto no que diz respeito ao grau. Não sei se estou a complicar um pouco, mas gostaria de esclarecer esta dúvida.

Obrigada

Resposta:

Alguns tipos de grau ocorrem por processos flexionais.

A flexão é um processo morfológico que está ao serviço das intenções comunicativas do locutor e que permite ajustar as palavras variáveis a determinadas categorias. A flexão ocorre por processos de afixação, sendo o mais frequente caracterizado pela junção de um sufixo a uma forma de base.

Consideramos dois tipos de flexão, a verbal e a nominal e adjetival. A flexão verbal ocorre nas categorias pessoa, número, tempo e modo. Os sufixos que marcam a flexão de cada categoria não são visíveis em todos os casos, pelo que se considera que se encontram amalgamados, como se observa no exemplo:
(1) «cantávamos = canta[tema verbal] va[flexão modo e tempo] mos[flexão pessoa e número]»

A flexão nominal e adjetival ocorre nas categorias número (2), género (3) e grau (4):

(2) «gato – gatos»

(3) «gato – gata»

(4) «gato – gatinho – gatão»

Em cada caso, assinalamos o sufixo que marca a flexão em categoria.

No caso particular do grau, podemos distinguir a flexão dos nomes, que marca os graus aumentativo e diminutivo, da flexão dos adjetivos. Esta última é um processo morfológico quando resulta da junção de um sufixo de grau à base adjetival, como acontece no grau superlativo absoluto sintético (5):

(5) «alto – altíssimo»

Os restantes graus dos adjetivos não são expressos por processos morfológicos, mas sim por processos sintáticos, uma vez que resultam da junção de duas ou mais palavras, como se observa em (6) onde se apresenta o grau superlativo absoluto analítico:

(6) «alto – muito alto»

Pergunta:

É possível considerar a presença de deítico pessoal na frase «Atualmente, os alunos estudam bastante», mesmo estando a forma verbal na 3.ª pessoa?

Obrigada.

Resposta:

Sem outro contexto, na frase não está presente um deítico pessoal.

Os deíticos pessoais são palavras que têm como referência extralinguística o locutor ou o interlocutor a quem aquele se dirige. No caso em apreço, o locutor não parece estar a dirigir-se aos alunos, falando diretamente com eles. A frase apresentada parece indicar que o locutor fala dos alunos, daí a 3.ª pessoa do plural. Por esta razão, não consideramos que a frase inclua deíticos de pessoa.

Disponha sempre!

A locução «a par com»
Sinónima de «a par de»

O valor da locução «a par de» dá matéria ao apontamento da professora Carla Marques, partilhado no programa Páginas de Português, da Antena 2 (em 17/11/2024).