Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber qual o fundamento para a utilização dos adjetivos arbitrário e discricionário como semanticamente diferentes, quando os dicionários lhes dão significados idênticos.

Obrigado.

Resposta:

 Com efeito, os adjetivos arbitrário e discricionário podem ser usados como palavras sinónimas, quando significam «que não respeita leis, regras... nem aceita restrições» (Dicionário da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa). Pode, assim, dizer-se:

(1) «O despedimento foi arbitrário.»

(2) «O despedimento foi discricionário.»

Todavia, quando o sentido é o de «que é feito ao acaso; sem escolha prévia» (Idem) parece existir uma tendência para usar o adjetivo arbitrário, podendo o termo discricionário parecer um pouco artificial, embora esta seja uma avaliação que pode alterar de falante para falante:

(3) «A disposição dos membros do júri é arbitrária.»

(4) ? «A disposição dos membros do júri é discricionária.»

Já em contexto jurídico, a distinção entre os adjetivos arbitrário e discricionário é bem clara. Arbitrário descreve uma ação contrária à lei ou que desrespeita os seus limites, ao passo que discricionário refere uma liberdade de ação dentro dos limites da lei. Estes valores permitem, assim, distinguir «ato arbitrário» de «ato discricionário», «poder arbitrário» de «poder discricionário», assim como discricionariedade de arbitrariedade.

Disponha sempre!

 

?Assinala a dúvida que a construção poderá oferecer a alguns falantes.

Pergunta:

Tenho encontrado em vários registos escritos, nomeadamente na imprensa, a expressão «deu aval positivo».

Pergunto-me se não será uma redundância evitável, na medida em que «dar o aval» já pressupõe autorizar ou concordar e ninguém dá aval negativo.

Agradeço, desde já, o esclarecimento.

Resposta:

Com efeito, a construção «dar aval positivo» é redundante.

O nome aval significa «apoio, aprovação dados a alguém, a uma entidade, a um projeto» (Dicionário da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa), sendo, por essa razão, sinónimo da aprovação.

Deste modo, um aval será sempre positivo porque corresponde à aprovação de algo.

Disponha sempre!

Pergunta:

«Por mais bondoso que seja, ele não dá a camisa» pode-se dizer também assim «por mais bondoso, não dá a camisa»?

O site da Inteligência Artificial da Google (Gemini) diz que se pode "informalmente" e aparece na literatura. Que exemplos ?

Obrigado

Resposta:

A estrutura em questão, que não poderá ser considerada incorreta, tem vários registos escritos. Constitui uma construção elítica que omite um segmento de texto.

A oração introduzida pela locução «por mais… que» tem uma natureza concessiva, como se observa em (1):

(1) «Por mais bondoso que seja, ele não dá a camisa.»

Em (1), a oração concessiva, construída pela locução «por mais + adjetivo + que + verbo no conjuntivo», descreve um obstáculo que não tem força suficiente para impedir a concretização da situação descrita na oração principal.

Encontramos registos de usos na literatura, nos quais se omite o segmento «que + verbo no conjuntivo», como se observa pelos exemplos seguintes recolhidos no Corpus do Português, de Mark Davies:

(2) «− Ninguém resiste, por mais misantropo.» (Sousa Costa, Excêntricos. 1907)

(3) «Não pôde afastá-las, eram tantas e o menor movimento com a mão, por mais breve, lhe arrancaria um grito, os dedos tão machucados.» (Guido Guerra, Vila Nova da Rainha Doida. 1998)

(4) «Riquíssima, naturalmente, porque só casava com homens riquíssimos e nunca se furtou a nenhuma fantasia, por mais bizarra.» (Adonias Aguiar, Corpo Vivo. 1962)

(5) «Não faço a apologia, mas o que fazem, por mais inconseqüente ou imoral aos olhos desse código, em nada atenta contra a integridade do ser humano.» (Bernardo Carvalho,

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