Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

É mais correto escrever «semanas com aulas» ou «semanas de aulas», quando se pretende fazer uma contagem das semanas em que existiram aulas.

Muito obrigada,

Resposta:

O uso mais corrente será o que inclui a preposição de. No entanto, o uso da preposição com é também possível.

A preposição com pode ser usada com o valor de «(co)presença (de duas entidades)»1. Se atentarmos numa frase como (1), concluímos que o uso da preposição com assinala que as aulas ocorreram durante as «duas semanas»:

(1) «Contabilizei duas semanas com aulas.»

Entre os seus vários valores, a preposição de pode contribuir para assinalar a pertença a um dado tipo. No caso da frase (2), específica o tipo de semanas que estão a ser contabilizadas:

(2) «Contabilizei duas semanas de aulas.»

Por fim, verificamos que uma pesquisa feita num motor de busca nos devolve um número muito superior de usos da construção «semana de aulas». Acresce, ainda, que a construção «semana com aulas» é usada com alguma frequência para especificar o tipo de aulas em questão, como se exemplifica em (3):

(3) «Iniciamos a semana com aulas de meditação.»

Disponha sempre!

 

1. Raposo e Xavier in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 1548-1550 e 15557-1559.

Pergunta:

Embora eu veja sempre recomendado o uso da preposição de a seguir a «tenho a certeza», parece-me haver excepções.

Por exemplo, no seguinte diálogo:

– Deixaste a porta fechada?

– Tenho a certeza que sim.

Aqui parece-me mais correcto sem a preposição. "Tenho a certeza de que sim" não me parece bem.

Se possível gostaria de um esclarecimento. Obrigado.

Resposta:

Os usos normativos determinam o uso da preposição de após predicados nominais como certeza. Este uso deve ocorrer em diferentes situações:

(i) com uma oração completiva como complemento:

(1) «Tenho a certeza de que ele chegará hoje.»

(ii) com um complemento nominal:

(2) «Tenho a certeza da necessidade de fazer exercício.»

(3) «Tenho a certeza disso.»

Com complemento oracionais, como em (1), tem lugar com alguma frequência, e sobretudo em contextos mais informais, a supressão da preposição de. Os gramáticos consideram que este poderá ser um sinal de mudança linguística em curso dada a frequência de ocorrências detetada1. Não obstante, no presente momento, não poderemos considerar que se trata de uma opção correta.

Deste modo, do ponto de vista normativo, a preposição de deve ser usada na frase apresentada, ainda que a pressão dos usos possa dar a sensação a alguns falantes de que a frase é pouco natural:

(4) «Tenho a certeza de que sim.»

Disponha sempre!

 

1. Para mais informações, Cf. Peres e Móia, Áreas críticas da língua portuguesa. Caminho, pp. 108-143.

«Burro velho não toma andadura»
Significados de um provérbio

A professora Carla Marques explora os significados do provérbio «Burro velho não toma andadura» no seu apontamento divulgado no programa Páginas de Português, da Antena 2, em 20/10/2024.

 

Pergunta:

Relativamente ao emprego de comoque – penso que neste caso sejam conjunções –, poderiam dizer-me qual é a forma correta de escrever a seguinte frase?

«Sem lhe responderem perante tamanha postura sisuda, ela assentou com um pestanejo, baixou o olhar para o chão e retirou-se do mesmo jeito como tinha chegado.»

ou: «Sem lhe responderem perante tamanha postura sisuda, ela assentou com um pestanejo, baixou o olhar para o chão e retirou-se do mesmo jeito que tinha chegado.»

Obrigada!

Resposta:

As duas construções são possíveis. No entanto, a opção pela conjunção que parece ser a mais frequentemente adotada.

Acrescente-se ainda que a estrutura «do mesmo jeito» é mais típica da variedade de português do Brasil, como nos indica uma pesquisa no Corpus do Português, de Mark Davies. Por esta razão, se a opção for a de redigir o texto em português europeu, poderá utilizar construções como «da mesma maneira/forma» ou «do mesmo modo», que serão sentidas como mais naturais.

Disponha sempre!

Pergunta:

Na frase «Sorriu, apontando para o Sol», o segmento destacado corresponde a que função sintática? A um complemento oblíquo?

Agradeço a vossa confirmação.

Resposta:

Na frase em análise, o constituinte «para o Sol» desempenha a função de complemento oblíquo.

Entre as suas várias possibilidades, o verbo apontar pode ser usado como transitivo indireto regendo a preposição para:

(1) «O António apontou para o quadro.»

Neste contexto, o verbo apontar tem o significado de «indicar através dos sentidos; indicar»1 e o constituinte «para o quadro» é um argumento do verbo que desempenha a função de complemento oblíquo.

A mesma situação ocorre na frase apresentada pelo consulente.

Disponha sempre!

  

1. Malaca Casteleiro (dir.), Dicionário gramatical dos verbos portugueses. Texto editores.